Eu Dom Afonso, Rei de Portugal, Filho do ilustre Conde Dom Henrique, Neto do Grande Rei Dom Afonso: sendo presentes Vós o Bispo de Braga, e Bispo de Coimbra, e Teotónio, e os mais Magnates, Oficiais, e Vassalos do meu Reino: juro por esta cruz de metal, e por este Livro dos Santíssimos Evangelhos, em que ponho a mão: que eu mísero pecador, com estes meus olhos indignos, vi a Deus Nosso Senhor Jesus Cristo, posto em uma Cruz nesta forma:
Eu estava com meu Exército nas Terras de Além Tejo, no Campo de Ourique, para pelejar com Ismael, e outros quatro Reis dos mouros, que tinham consigo infinitos milhares de homens.
E a minha gente atemorizada com esta multidão, estava enfadada, e muito triste, em tanto que muitos diziam ser temeridade começar a guerra.
E eu triste por aquilo que ouvia, comecei a cuidar comigo que faria; e tinha um livro na minha Tenda, no qual estava escrito o Testamento Velho, e o Testamento de Jesus Cristo: abri-o, e li nele a vitória de Gedeão, e disse antre mim: Vós sabeis Senhor Jesus Cristo, que por vosso amor faço esta guerra contra vossos inimigos; e que na vossa mão está dar-me a mim e aos meus fortaleza para que vençamos aqueles blasfemadores de Vosso Nome.
E dizendo isto adormeci sobre o Livro, e logo vi um Velho, que se vinha para mim, e me dizia: Afonso, confia, porque viverás e desbaratarás estes Reis, e quebrantarás os seus poderes e o Senhor se te há-de mostrar.
Estando eu vendo isto, chegou-se a mim João Fernandes de Sousa, vassalo de minha Câmara, e disse-me: Senhor, levantai-vos, está aqui um homem velho, que vos quer falar: entre, disse eu, se é fiel.
E entrado ele onde eu estava, conheci ser aquele mesmo, que eu tinha visto na visão. O qual me disse: Senhor, está de bom ânimo: vencerás, vencerás e não serás vencido. És amado do Senhor, porque sobre ti, e sobre teus descendentes depois de ti, tem posto os olhos de sua misericórdia até à décima sexta geração, na qual se diminuirá a descendência, mas na mesma assim diminuída, o mesmo Senhor tornará a pôr os olhos e verá. Ele me manda dizer-te, que tanto que ouvires esta noite que vem, tanto a campainha da minha Ermida, na qual vivi sessenta e seis anos, entre os infiéis, guardado com o favor do Altíssimo, sairás do teu arraial, só e sem companheiros, e mostrar-te-á sua muita piedade.
Obedeci e com reverência posto em terra, venerei o embaixador, e a Quem o mandava. E estando em Oração, esperando pelo som da campainha, já na segunda vigília da noite, a ouvi.
Então armado com a espada, e escudo, saí do arraial, e vi subitamente para a parte direita contra o Oriente um Raio resplandecente, e o resplandecer crescia pouco e pouco em mais, e quando naquela parte pus os olhos com eficácia, logo no mesmo raio mais claro que o Sol, vejo o sinal da Cruz e Jesus Cristo nela crucificado, e de uma outra parte multidão de mancebos alvíssimos, que eu creio eram os Santos Anjos.
A qual visão, tanto que eu vi, posta à parte a espada, e escudo, e deixados os vestidos, e calçado, humilhado me lancei em terra, e aí derramando muita cópia de lágrimas, comecei a rogar pelo esforço dos meus Vassalos.
E nada turbado disse: Vós a mim Senhor? Porque a quem já crê em Vós, quereis acrescentar a Fé? Melhor será que vos vejam os Infiéis e creiam, e não eu que com a água do baptismo vos conheci e conheço pelo verdadeiro filho da Virgem, e do Padre Eterno.
A Cruz era de admirável grandeza, e levantada de terra quase dez côvados.
O Senhor, com suave órgão de voz, que meus indignos ouvidos receberam, me disse:
Não te apareci desta maneira para te acrescentar a Fé, mas fortalecer o teu coração neste conflito, e para estabelecer e confirmar sobre firme pedra os princípios do teu Reino. Confia, Afonso, porque não somente vencerás esta batalha, mas todas as outras, em que pelejares contra os inimigos da Cruz. Tua gente acharás alegre para a guerra, e forte, pedindo-te que com nome de Rei entres nesta batalha com título de Rei. Não duvides, mas concede-lhe liberalmente o que te pedirem. Porque Eu sou o que faço e desfaço Reinos e Impérios. E minha vontade é edificar sobre ti e sobre tua geração depois de ti, um Império, para que o meu Nome seja levado a gentes estranhas. E porque os teus sucessores conheçam quem te deu o Reino, fabricarás o teu Escudo de armas com a divisa do preço, com que Eu comprei o género humano, e com o que eu fui comprado dos Judeus. E ser-me-á um Reino santificado, puro na Fé e pela piedade amado.
Tanto que eu ouvi estas coisas, prostrado em terra, o adorei, dizendo: Senhor, por que merecimentos me anunciais tanta piedade? Farei o que mandais e vós ponde os olhos de misericórdia em os meus descendentes, como me prometeis; e a gente de Portugal guardai e salvai, e se contra eles algum mal tiverdes determinado, antes o convertei todo em mim; e a meus sucessores e o meu povo, que amo tanto como único filho, absolvei.
Consentindo, o Senhor disse:
Não se apartará deles, nem de ti alguma hora minha misericórdia, porque por eles tenho aparelhado para mim grande sementeira, porque os escolhi por meus semeadores para terras mui apartadas e remotas.
E dizendo isto desapareceu, e eu, cheio de confiança e suavidade, tornei ao exército.
E que tudo passou assim eu el Rei Dom Afonso o juro pelos Santíssimos Evangelhos de Jesus Cristo, em que ponho a mão. Pelo que mando a meus sucessores, que tragam por divisa e insígnia, cinco escudos patidos em cruz, por amor da Cruz e das cinco Chagas de Jesus Cristo, e em cada um trinta dinheiros de prata, e em cima a serpente de Moisés, por ser figura de Cristo. E esta será a divisa da nossa nobreza em toda nossa geração.
E se algum outra coisa intentar, seja maldito do Senhor e com Judas traidor atormentado no Inferno.
Feita em Coimbra a vinte e oito de Outubro, da Era de Cristo mil cento e cinquenta e dois.
Eu Dom Afonso, Rei de Portugal.
Dom João, Bispo de Coimbra.
Dom João, Metropolitano de Braga.
Dom Teotónio, Prior.