Os católicos hoje têm menos
razões para se sentirem sobrecarregados pela bagagem acumulada dos
séculos passados. Deixaram de ser forçados a aderir aos rígidos padrões
estabelecidos pelos seus antepassados. Em países como os Estados Unidos,
a gente nova não pode sequer imaginar o que teria sido viver na Igreja
Católica de há cinquenta anos atrás. Estes celebram normalmente em
igrejas ou auditórios despojados, sem altares nem imagens.
Não sabem
nada sobre as respostas do catecismo que os seus pais e avós
memorizavam. Praticamente não sabem orações de cor, e são, talvez,
incapazes de rezar o Angelus ou o Terço. Eles são tão abertos ao mundo
que quase se afogam no secularismo. Tudo o que lhes é familiar veio à
existência ontem e vai provavelmente desaparecer amanhã. Nas suas vidas
nada parece estável e seguro. Não surpreende que muitos deles tenham de
novo fome da riqueza e estabilidade de uma tradição católica a que eles
quase perderam o acesso.
A recuperação da tradição estável não será fácil, mas os sinais dos tempos nos anos noventa são, em alguns aspectos, mais favoráveis às “tradições” do que os dos anos sessenta. Quatro considerações podem ser aqui propostas:
1. O historicismo do passado recente exagerou a transitoriedade de todas as coisas humanas. As estruturas profundas da natureza, incluindo a natureza humana, são surpreendentemente resistentes à mudança. Quando lemos Homero ou Sófocles, o Êxodo ou os Provérbios, somos surpreendidos pelo pouco que as coisas realmente mudam. As tradições religiosas fornecem símbolos que expressam, de forma viva e concreta, a situação permanente e universal do ser humano diante da alteridade transcendente de Deus. Gestos como curvar-se e ajoelhar-se, o uso de velas e incenso, água e óleo, e a manutenção de espaços sagrados em lugares de culto – estes e mil outros costumes põe os fiéis em contato com as estruturas profundas da realidade e promovem uma autêntica experiência religiosa. Nada na situação contemporânea convida a que estas ajudas para celebração da liturgia sejam abandonadas.
2. As tradições religiosas, precisamente porque não seguem a última moda, prestam um importante serviço, dispondo os crentes à comunhão com o sagrado e com o divino. Não devemos esquecer a importância do canto, dos ícones e das antigas línguas sacrais – como são para os cristãos, o hebraico, o grego e o latim. Mesmo o vernáculo usado no culto, se se quer evocar reverência para com o divino, deve ser distinto do jargão usado habitualmente no mercado.
3. Nas religiões históricas, tal como o cristianismo, a tradição tem ainda outra função. Esta liga o crente contemporâneo aos eventos fundadores nos quais se alicerça a comunidade. Os dias de festa tradicionais, as leituras e rituais reactualizam de uma forma poderosa as experiências do Êxodo, do Sinai, da conquista da Terra Santa, do retorno do exílio babilónico e, para os cristãos, as acções redentoras de Jesus Cristo. Os actos comuns, tal como a bênção e efusão da água, ou a consagração do pão e do vinho, ultrapassam as próprias potencialidades simbólicas da natureza. Estes permitem-nos participar nos acontecimentos salvíficos que se encontram nas próprias fontes da nossa existência religiosa.
4. As tradições são necessárias para iniciar e integrar os indivíduos em qualquer comunidade que exija lealdade e compromisso por parte dos seus membros. Para uma nação, a bandeira, feriados nacionais, hinos, e promessas de lealdade, são uma grande ajuda para estabelecer solidariedade entre os cidadãos. A Igreja precisa de tradições semelhantes. Sem o uso de crucifixos, de dias de festa, de hinos e profissões de fé, o Catolicismo dificilmente se poderia manter como uma sociedade mundial duradoura. Muitas dessas tradições foram severamente abaladas nos anos que se seguiram ao Vaticano II. Hoje precisam de ser reconstituídas e reforçadas. Sem uma integração mais efectiva na Igreja, pode acontecer que os fiéis deixem de ter a possibilidade de aceitar ou de interpretar correctamente as Escrituras, os símbolos normativos, e as afirmações declarações de fé que vêm do passado.
1 comentário:
Verdade...
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