I – O país de D. António de Castro Mayer
A seguir ao Concílio Vaticano II, apenas um bispo residencial em todo o mundo recusou terminantemente os livros litúrgicos promulgados por Paulo VI: D. António de Castro Mayer, bispo de Campos, uma pequena diocese do Norte do Estado do Rio de Janeiro (houve pelo menos outro, Mons. Laise, consagrado em 1971 em San Luís, na Argentina, que deixou tal liberdade à Missa Tradicional, que, também aí, não se andava longe da rejeição dos novos livros).
Esta recusa foi posta pelo “leão de Campos” não para si só, mas para toda a diocese. Por isso, até à sua resignação, em 1981, o missal de São Gregório Magno, de São Pio V e de São João XXIII permaneceu, efectiva e legalmente, como o missal a ser usado pelos sacerdotes e pelos fiéis da diocese. Da resistência de D. António de Castro Mayer – que, mais tarde, em 1988, viria a participar da consagração de quatro bispos desprovida de mandato pontifício, em Écône, junto a Mons. Lefebvre – nascerá depois a Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, reconhecida por Roma em 2001, e cuja jurisdição se confina ao território da diocese de Campos.
O Brasil é também a terra de Plinio Corrêa de Oliveira, fundador da TFP (Tradição, Família e Propriedade). Partindo de uma oposição solidamente fundada à nova liturgia (*), desde a morte do seu fundador, a TFP conheceu diversas cisões das quais nasceram novas associações que, à imagem da associação Montfort, frequentemente conservaram a liturgia tridentina e constituem, hoje em dia, âmbitos leigos dedicados à sua preservação e transmissão.
No Brasil, pode também encontrar-se uma fundação do Baroux, o mosteiro da Santa Cruz, em Nova Friburgo: depois de se ter separado do Barroux, em 1988, o seu superior acabou depois por seguir Mons. Williamson, que o consagrou bispo em 2016.
De facto, pode dizer-se que há analogias entre o Brasil e a França sob muitos aspectos: tanto num país como no outro a amplitude dos desvios doutrinais, pastorais e litúrgicos deu lugar a múltiplos focos de resistência em defesa da ortodoxia doutrinal e da tradição litúrgica. A proximidade dos intelectuais brasileiros de antanho com a cultura francesa, especialmente os católicos, mas também o inverso – pensamos, por exemplo, num George Bernanos que, no Brasil, procurava aquele perfume de uma jovem terra cristã que já não revia numa França definhada –, vieram favorecer que se gerasse uma certa semelhança nos respectivos percursos. Assim, é seguramente à personalidade de Gustave Corçao (1896-1978), um dos mestres da escola católica conservadora e colaborador habitual da revista Itinéraires de Jean Madiran, que se ficou a dever a fundação do novo mosteiro por Dom Gérard, em Nova Friburgo.
Por tudo isso, levantar no Brasil a questão relativa à forma extraordinária pareceu-nos algo natural a seguir aos nossos inquéritos europeus.
II – Os resultados
Sondagem realizada pela empresa Conecta entre 2 e 14 de Junho de 2017, segundo a técnica dos painéis em linha, sobre uma amostra de 1032 católicos de entre 3259 internautas brasileiros. (1)
1: Assiste à Missa?
Aos domingos e dias de festa: 33 %
Todos os meses: 20 %
Nas festas solenes: 9 %
Às vezes: 38 %
2: O Papa Bento XVI, há dez anos, lembrou que a missa podia ser celebrada tanto na forma moderna dita “ordinária” ou “de Paulo VI” – em português, com o sacerdote voltado para os fiéis e a comunhão a ser recebida de pé – como na forma antiga dita “extraordinária” ou “de João XXIII” – em latim, com o sacerdote voltado para o altar e a comunhão a ser recebida de joelhos. Sabia disso?
Sim: 41 %
Não: 59 %
3: Acharia normal ou não normal que as duas formas litúrgicas – aquela moderna, dita “ordinária”, em português, e aquela tradicional, dita “extraordinária”, em latim e com gregoriano – fossem celebradas na SUA paróquia?
Normal: 49 %
Não normal: 35 %
Não se pronunciam: 16 %
4: Se a Missa na forma extraordinária fosse celebrada na SUA paróquia, sem que substituísse a missa na forma ordinária, assistiria?
Todas as semanas: 27 %
Todos os meses: 22 %
Nas festas solenes: 13 %
Às vezes (casamentos, baptismos...): 29 %
Nunca: 9 %
(1) As pessoas inquiridas pertencem àquela parte da população brasileira que tem acesso à internet, o que corresponde a 62% da população.
III – Uma abertura extraordinária
Neste país que é o berço da teologia da libertação, onde o grau de ideologização do catolicismo é sem dúvida comparável ao do catolicismo alemão, seria de esperar uma oposição marcada à liturgia latina e gregoriana: nada disso! Como acontece sempre, a ideologização pertence mais às elites do que ao povo dos fiéis. Se 6 católicos brasileiros em cada 10 ainda não ouviram falar do motu proprio de Bento XVI, já 1 em cada 2 acha normal a coexistência das duas formas do rito romano na sua paróquia, e apenas 1 em cada 10 em caso algum pensa vir a assistir.
O pormenor dos resultados, por grupo etário, categoria social e região de origem, revela-se homogéneo, e entre 21% (da classe social A, isto é, a elite económica do país) e 31% (dos católicos compreendidos entre os 35 e os 54 anos) dos católicos dizem-se dispostos a fazer da forma extraordinária da missa a sua forma litúrgica semanal de preferência. No total, 49% do conjunto dos católicos assistiriam pelo menos uma vez por mês à forma extraordinária, se a mesma fosse celebrada na respectiva paróquia.
IV – Comentário na especialidade
1) 35 % de católicos ?
A sondagem indica 35% de católicos, apesar de o recenseamento de 2010 indicar a cifra de 64%. Como nos foi explicado pela encarregada de estudos do instituto de sondagens, a percentagem de católicos praticantes medida em linha é inferior à da população global em virtude da especificidade daqueles (sobretudo citadinos, mais instruídos, mais abastados). Uma tal cifra não deixa, porém, de ser um sinal de que a grande agressividade das seitas protestantes continua a arrebatar sempre mais fiéis ao catolicismo.
Em todo o caso, isso em nada estorva o nosso propósito, na medida em que a grande homogeneidade das respostas presente nos resultados específicos por grupo etário, região e classe social, permite inferir que o resultado de um inquérito “fora de linha” não teria divergido do que se obteve.
2) Um catolicismo em busca do sagrado
O jornal francês La Croix eccrevia o seguinte, por ocasião das JMJ do Rio, em 2013: «Numerosos católicos vão à casa dos católicos para comer e à dos evangélicos para rezar.» Esta frase resume dramaticamente a falência do catolicismo no país da teologia da libertação e das comunidades eclesiais de base.
De acordo com os recenseamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil contava em 1970 com 92 % de católicos, 84 % em 1991, 74 % em 2000, e acima de 64 % em 2010. Tendo presente que os católicos no país eram 99 % em 1872, data do primeiro recenseamento nacional, isto significa que a proporção dos fiéis se manteve estável ao longo de um século, até começar a desabar depois de uma data que coincide precisamente com o advento da reforma litúrgica e dos erros pós-conciliares. No entanto, com mais de 270 dioceses e mais de 300 bispos, o Brasil ergue-se ainda como uma praça forte do catolicismo mundial.
O que a nossa sondagem ilustra é que o que resta do catolicismo neste país se mostra aberto ao enriquecimento litúrgico permitido e desejado por Bento XVI. Depois de os católicos mais socialistas se terem passado para o campo político e sindical, os mais emotivos apostataram numa ou noutra das numerosas seitas evangélicas que pululam pelo país e os mais superficiais mergulharam na indiferença relativista. Os que ainda subsistem continuam a procurar no seio da Igreja um modo de saciar as necessidades das suas almas. E como em todos os lados no mundo inteiro, esta demanda identitária passa por um regresso ao sagrado, ao silêncio, à adoração.
3) Os católicos brasileiros, como todos os demais católicos no mundo inteiro...
… são, pois, favoráveis a um alargamento do acesso à liturgia latina e gregoriana. A metade dos praticantes acharia normal que esta missa fosse celebrada na respectiva paróquia. E se isso viesse a acontecer, 27 % assistiria à missa tradicional todas as semanas, o que coloca o Brasil entre a Alemanha (25 % em 2010) e a Espanha (27,4 % em 2011). No Brasil, como em todos os lados no mundo inteiro, cinquenta anos após a reforma litúrgica, a grande procura da forma extraordinária marca o fracasso da nova liturgia.
2 comentários:
A TL deixou o cstolicatol brasileiro em ruínas. Agora esse resto fiel terá que restaurar todo o estrago.
O trabalho é árduo, mas nao há problema que com o Santo Terço nao se possa resolver!
Que a Santíssima Virgem Maria nos ajude.
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