quarta-feira, 15 de julho de 2020

Padre Claude Barthe apoia as críticas de Mons. Viganò ao Concílio Vaticano II

Tomo a liberdade de reagir à declaração de Vossa Excelência, “Sobre o Vaticano II e as suas consequências” (Chiesa e post concilio, 9 de Junho de 2020), para sublinhar, modestamente, a importância desta declaração para a Igreja. 

Que me seja permitido resumi-la em cinco pontos:

1 – O Vaticano II contém textos “em oposição directa à doutrina até então expressa no Magistério” 

Vosso ataque ao Vaticano II visa:

A) Aquilo que está em desacordo directo com a doutrina anterior, como a liberdade religiosa, da declaração Dignitatis humanæ, e os fundamentos presente nas declaração Nostra ætate sobre as novas relações com as religiões não-cristãs; ao que poderíamos ainda acrescentar o decreto sobre o ecumenismo, Unitatis redintegratio, que introduziu a inovação da “comunhão imperfeita” que teriam aqueles que estão separados de Cristo e da Igreja;

B) Além de ambiguidades que podem ser utilizadas no sentido tanto da verdade quanto do erro, como o subsistit in do n. 8 da Constituição Lumen gentium: “A Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica”, em lugar de: “A Igreja de Cristo é a Igreja Católica”.

2 – Tais distorções doutrinais são a origem dos erros que se seguiram – de que o “espírito do Concílio” é a prova.

Vossa Excelência explica que os desvios ou elementos muito prejudiciais para a fé cristã, que marcaram o período pós-conciliar (como a Declaração de Abou Dhabi, mas também as jornadas de Assis, a reforma litúrgica, a prática da colegialidade), encontram sua origem nestas distorções.

Além disso, ressalta de vosso texto que o conceito “espírito do Concílio” confirma a especificidade inovadora dessa assembleia, “pois nunca houve um ‘espírito do Concílio de Niceia’, nem ‘espírito do Concílio de Ferrara-Florença’ e muito menos um ‘espírito do Concílio de Trento’, assim como nunca houve um ‘pós-concílio’ depois do Latrão IV ou do Vaticano I”. 

3 – Tais distorções não podem ser corrigidas

As tentativas visando corrigir os excessos do Concílio Vaticano II, escreveis, foram impotentes:

A) Seja porque se enveredou pela via insuficiente da “hermenêutica da continuidade”. Com efeito, isso é tanto mais inviável quando essa hermenêutica é tanto menos um retorno ao magistério anterior, mas representa a busca de uma terceira via entre inovação e tradição. Bento XVI, no seu discurso à Cúria Romana de 22 de Dezembro de 2005, defendia uma “hermenêutica da renovação na continuidade” contra a “hermenêutica da descontinuidade e da ruptura”. Mas esta última, porém, diz respeito tanto aos ‘tradicionalistas’ quanto aos ‘progressistas’, pois uns e outros consideram que o Vaticano II operou algumas rupturas.

B)  Seja porque se incitou o Magistério a “corrigir” os erros do Vaticano II. Justamente vós mostrais que este projecto, “mesmo com a melhor das intenções, mina as fundações do edifício católico”: com efeito, opor o magistério de amanhã ao de hoje, que contradisse o de ontem, levaria a que nenhum acto de Magistério jamais fosse definitivo. Assim, num complemento de 15 de Junho (Chiesa e post concilo), Vossa Excelência sustenta a opinião de que um Papa no futuro “poderia anular todo o Concílio”.

Se me é permitido ampliar a vossa análise, diria que a única solução para contradizer por um acto do Magistério um ato precedente é constatar que o acto em questão não é magisterial na plena força do termo. Por exemplo, Pastor Aeternus, do Concílio Vaticano I, em 1870, anulou de facto o decreto Frequens, do Concílio de Constança, em 1417, que pretendia institucionalizar a superioridade do Concílio sobre o Papa. Essa anulação foi possível porque a Santa Sé nunca reconheceu o valor dogmático de Frequens.

Do mesmo modo, com o Vaticano II, encontramo-nos num cenário como o de Frequens, uma vez que os órgãos do próprio Concílio Vaticano II (Dz 4351) e toda a interpretação posterior assegura que este Concílio foi de natureza simplesmente “pastoral”, isto é, não dogmática. De facto, o grande meio para sair da presente crise do Magistério é deixar aquilo a que se chama “pastoral” para trás, e entrarmos de novo no dogmático: que o Papa sozinho ou o Papa e os Bispos unidos a ele se expressem magisterialmente e não apenas “pastoralmente”.

4 – O presente pontificado é um esclarecimento paradoxal

Vossa Excelência escreve: “Aquilo que, desde há anos, ouvimos enunciado, vagamente e sem clareza, da mais alta Cátedra, encontramo-lo depois elaborado num verdadeiro e propriamente dito manifesto dos partidários do presente pontificado”.

Era o que muitos sentem quando tentam dar uma pia interpretatio (n.t.: interpretação piedosa) dos textos controversos do Vaticano II: eles dizem que (n.t.: a doutrina claramente heterodoxa professada a partir dum magistério ambíguo e sem clareza) não é possível, pois que a aplicação (n.t.: ortodoxa dos textos conciliares), de certo modo autêntica, é feita hoje em dia. Os textos deste pontificado são uma conclusão dos pontos litigiosos do Concílio, como, por exemplo, o reconhecimento errado dos direitos da consciência na Exortação Amoris lætitia, cujo n. 301 declara que em certas circunstâncias o adultério não é pecado.

5 – Um dever de consciência pesa sobre os prelados da Igreja, quais tenham consciência dessa situação

Falando de si mesmo, dizeis: “Eu mesmo, com honestidade e serenidade, obedeci, ao longo de sessenta anos, a ordens questionáveis, acreditando que representassem a voz amorosa da Igreja; e hoje, com igual serenidade e honestidade, reconheço que me deixei enganar”.

Numerosos prelados, desde as últimas assembleias do Sínodo, são notoriamente conduzidos a recuar diante das consequências actuais das causas que remontam há meio século. O vosso exemplo e encorajamentos podem ajudá-los a expressar, com consciência, e para o bem da Igreja, os seus desacordos com estas causas: os pontos defeituosos do Vaticano II. 

O Padre Claude Barthe é autor professor de Liturgia e autor de várias obras, como: ‘Trouvera-t-il encore la foi sur la terre? Une crise de l’Église, histoire et questions’ (François-Xavier de Guibert, 2006, 3a edição); La Messe de Vatican II. Dossier historique (Via Romana, 2018).

Tradução: Fratres in Unum



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1 comentário:

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