A massiva presença da novela "Morangos com Açúcar" exige um juízo e uma tomada de posição...
«O realismo exige que, para observar um objecto de modo a conhecê-lo, o método não seja imaginado, pensado, organizado ou criado pelo sujeito, mas sim imposto pelo objecto» (Luigi Giussani, O Sentido Religioso). Sugiro que sigamos esta indicação para perceber o fenómeno "Morangos com Açúcar".
Trata-se de um produto televisivo, por isso tem um conjunto de ingredientes típicos: como tudo na televisão, ao contrário do que se possa pensar, não pretende ser realista, mas sim ser um espectáculo, e não pretende dar informações, mas sim provocar emoções. Porque é dirigido ao lazer, a sua técnica consiste em apelar à lógica generalizada do lazer, ou seja, distrair; prescindir de qualquer esforço, especialmente o de pensar, e manter, o maior tempo possível, acesa a instintividade.
Porque o público-alvo são adolescentes e pré-adolescentes (embora possa atrair também crianças), importa relembrar algumas características típicas destas idades. Os adolescentes estão a experimentar a autonomia, mas ainda não sabem geri-la adequadamente; vivem um momento de explosão sensorial, sobretudo no que se refere a estímulos de natureza sexual; julgam-se invulneráveis a riscos, nomeadamente o de serem influenciados; estão a descobrir a capacidade de pensar logicamente, na qual se julgam independentes, mas não se apercebem de quanto assimilam e reproduzem chavões, que repetem julgando fazer afirmações de sua autoria.
Como formato, “Morangos com Açúcar” domina com mestria estes dois factores: produto televisivo e público-alvo. É uma telenovela, com particular intensidade de apresentação, tirando partido da dificuldade do seu público de gerir autonomamente e de forma adequada o seu tempo livre. Também joga com o desejo de autonomia típico dos adolescentes, já que os protagonistas são representados por actores mais velhos do que as idades que querem retratar, dando a ideia de que aquela idade corresponde a uma maturidade maior do que a real.
Tem um grafismo e cenários apelativos e cria uma atmosfera fantasiosa, onde quase todos os ambientes do quotidiano (escola e casa) são muito modernos, como se o comum das famílias portuguesas, em vez de decorações clássicas, optasse pelo último grito do design.
Na aparência das pessoas, nas conversas que têm e nos problemas que se lhes colocam há uma sobre-estimulação da sensualidade, o que tem um forte apelo nestas idades, especialmente por despertar também uma emoção de transgressão e clandestinidade. A superficialidade e o lugar-comum na abordagem dos temas aproveita a vulnerabilidade destas idades à assimilação de chavões, reforçando a tendência para a banalidade e pretensão de saber tudo.
Como conteúdo, o aspecto mais pernicioso parece-me ser o empobrecimento da ideia de adulto: os adultos de “Morangos com Açúcar”; ou são pessoas censuráveis e não fiáveis; ou são antipáticos e distantes; ou são laterais por passarem ao lado do que realmente interessa aos miúdos; ou são compinchas; ou são objectos sexuais. Os adolescentes, esses são senhores das suas vidas, porque, ou não têm uma autoridade que se afirme, ou enfrentam-na e vergam-na com sucesso. Acresce a sabida obsessão pela sexualidade: os adolescentes de "Morangos com Açúcar" são quase todos sexualmente activos (os que não são têm pena e a sua aparência é ridícula) e movem-se, na maior parte do tempo, por motivações sexuais.
Sublinho ainda a pobreza de valores: em "Morangos com Açúcar" é importante o não-racismo, a ecologia e a saúde pública. Tudo o resto é opcional e não absoluto. A existência e massiva presença de "Morangos com Açúcar" exige assim, um juízo e uma tomada de posição (a suposta não tomada de posição é, ao contrário do que pretende, altamente expressiva).
Deixo algumas mensagens subliminares que me parece que os Pais transmitem aos filhos quando se rendem à inevitabilidade desta novela: «Fazes o que queres: já tens idade para isso e não tenho o direito de interferir nas tuas escolhas»; «A nossa vida, a nossa casa e a escola que te escolhemos são cinzentas e sem graça; giras são as vidas, as casas e as escolas de "Morangos com Açúcar"» ; «Já estás crescido(a), por isso é normal que o sexo esteja no centro das tuas preocupações: vive a vida, faz as tuas experiências, mas toma cuidado com as doenças»; «Os valores que te transmitimos são os nossos, mas são tão bons como outros quaisquer; cada um tem que encontrar os seus»; «Não é preciso estar sempre a aprofundar tudo e em geral as coisas são tal e qual o que parecem»; «Uma telenovela é de facto algo de irresistível, compreendo que não passes sem "Morangos com Açúcar" Podes ver desde que faças antes os TPC»; «Veste-te como quiseres, és jovem, tu é que sabes o que se usa, não te quero forçar ao meu gosto nem tenho nenhum critério para te dar nessa matéria».
O que sugiro é a clareza de uma escolha e a coragem de a levar até às ultimas consequências: que podem passar por banir a televisão, proibir simplesmente de ver "Morangos com Açúcar" ou outras versões mais negociais. Lembro que quanto mais pequenos são os filhos mais os ajuda e protege uma posição firme. E posso prometer em nome da minha experiência profissional, que não ver ”Morangos com Açúcar”, ainda que todos os meninos da escola vejam, não causa traumas, nem provoca exclusão.
Como educadores, o que está em causa é a proposta de uma certeza. Não uma certeza de não errar, mas «a certeza como significado e como horizonte, como fonte de energia e como apoio e, portanto, como capacidade de atravessar qualquer contradição e obscuridade» (Luigi Giussani, Educar é um Risco). Remar contra a corrente é árduo, às vezes parece impossível, mas devemos aos que nos foram confiados a comunicação da totalidade do que encontrámos. Devemos-lhes essa provocação à vida.
in Revista Passos, Ano XI, nº 9, Outubro 2005
10 comentários:
Não sei qual é o stress com esta telenovela... toda a gente sabe que morangos com CHANTILY é muito melhor!
já agora, a solução é ter só Sportv: é o canal mais educativo!
E não estou a ser ironic.
Nada disso! Canal Canção Nova!
Ver os Morangos é bom!!!!!!!
Espectacularmente bem escrito e eloquente.
Como diria o Zé Figueiras: "quero ser assim!"
Bem, agora vou falar sério :)
Raramente vi esta telenovela. Calhou no sábado passado, enquanto adormecia e a televisão estava ligada na tvi.
De facto, houve uma cena em que se supôs que um parzinho de recém namorados se esticaram. Mas claro, só se viu o antes e o depois.
Contudo, julgo que são precisamente alguns dos pontos criticados neste artigo que jogam a favor dos cépticos desta novela:
Afinal, a fantasia nas decorações das casas, a caracterização excessiva das personagens, que em nada se compara com a realidade vivida por ninguém, ajudam e fazem os tele-espectadores compreender que se trata de uma obra de pura ficção, como toda a vida o foram as telenovelas.
Durante muitos anos recordo-me de ser espectador das mais diversas séries americanas, desde as que passavam antes de almoço até às que nos acompanhavam depois de jantar.
A história sempre foi a mesma: miúdas ou mulheres lindas, relações amorosas começavam e acabavam várias vezes ao longo do enredo, vidas humanas completamente distintas daquilo que via um pouco por toda a parte no meu (e de todos nós) dia-a-dia.
A questão hoje em dia é distinta. Antigamente, só existiam primeiro 2 e mais tarde 4 canais, sendo que, como a imagem era captada por antena, havia sempre algum que se apanhava menos bem.
Hoje não.
Hoje temos a TvCabo que nos brinda com um infindável número de opções. Temos o direito à escolha. São tantos os canais... talvez o problema seja não estar a par das programações. Cabe então aqui algum trabalho de casa, em pesquisar o que passa à mesma hora dos morangos.
Se os miúdos forem muito novos, desenhos animados são sempre uma bela opção! Assinem o Disney CHannel, ponham no Panda e vejam o Novita ou abram alas para o Noddy...
Não vejo por isso a necessidade de fazer um drama relativamente aos morangos (q nem sequer é fruta da época): há 30 anos que passam telenovelas e hoje mais que nunca há milhentas alternativas de entretenimento.
Mudei de ideias, depois de ouvir algumas pessoas.
Os morangos fazem mesmo mal. E acho q tá para vir coisa ainda pior, uma novela com nome de música do Paulo Zonzo... agora n me lembro qual.
o problema é que em muitas casas o consumo televisivo das crianças não é filtrado pelos pais. o caso dos morangos é um exemplo, mas n é caso isolado. há muitos desenhos animados no canal panda que parecem inofensivos e eu já vi lá cenas semelhantes aos morangos. a dita telenovela começou a preocupar-me qdo vi miudos a brincar aos morangos c açucar, brincadeira q constava em namorar, trocar de namorado, discutir, fugir de casa, etc. e quando a sobrinha de uma amiga, na flor dos seus 3 anos, lhe perguntou "tu dormes à noite agarradinha ao teu namorado?". parece-me q as crianças começam a aprender comportamentos desadequados à sua idd e obviamente não sabem distinguir o que é real do que é ficção, do que é p/a sua idd do q n é. as telenovelas querem educar para o ambiente (todos separam lixo, entregam os comprimidos fora de prazo na farmácia, andam menos de carro...)mas no que toca a valores morais isso já n lhes interessa, querem é audiências. e qto mais faixas etárias se deseducarem melhor, basta ver pelo circulozinho q indica q a novela em questão é para maiores de 10 anos (c AP aconselhamento dos pais - o q raramente acontece), qdo deveria lá estar, qdo mt, maiores de 16.
desenhos animados no panda iguais aos morangos???? é o q eu digo... só escapa a Sportv :) nesta altura do ano inda p cima tem programas de ski!
o problema dos "Morangos com Açúcar" relativamente às outras telenovelas é precisamente não ser direccionado a um público adulto (mas ter conteúdo adulto), nem ser transmitido a uma hora em que os pais possam acompanhar os filhos ( porque estão a trabalhar).
"Morangos com Açúcar é direccionado a adolescentes e pré-adolescentes e, jogando com as suas fragilidades emocionais e de carácter, apresenta um conteúdo adulto completamente inapropriado e que apela ao "ver às escondidas", na certeza de que os pais não os deixariam ver, se pudessem controlar. Pretende educar os jovens segundo um esquema que se baseia no apelo ao viver pelo instinto, pela animalidade.
É, por um lado, um esforço notável de deseducação e apelo à instintividade e, por outro, um esforço notável de instigação da rebeldia e de fascínio pelo que faz mal.
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