quinta-feira, 13 de março de 2025

Jejum na Quaresma

Queres que te mostre que jejum deves praticar? Jejua do pecado, não tomes qualquer alimento de maldade, não aceites refeições de volúpia, não te aqueças com o vinho da luxúria. 

Jejua das más acções, abstém-te de palavras invejosas, guarda-te de maus pensamentos. Não toques em pães roubados de uma doutrina perversa. Não desejes os alimentos enganadores da filosofia, que te afastam da verdade. É esse o jejum que agrada a Deus. 

Ao dizer isto, não quero aconselhar-te a relaxares as rédeas da abstinência cristã, visto que temos os dias da quaresma que são consagrados aos jejuns, para além do quarto e do sexto dias da semana, em que jejuamos, de acordo com o costume estabelecido; e o cristão é livre de jejuar em qualquer momento, não por escrúpulo de observância, mas por virtude de continência.

Pois como havemos de guardar a castidade, se ela não estiver sustentada no rigoroso apoio da abstinência? Como havemos de nos entregar às Escrituras, como havemos de nos aplicar à ciência e à sabedoria? Não será pela continência do ventre e da garganta? 

Eis um bom motivo para os cristãos jejuarem. Mas há outro, também ele religioso, cujo elogio é feito nos escritos dos apóstolos. Com efeito, encontramos a seguinte afirmação numa carta: «Feliz o que jejua também para alimentar o pobre»: o seu jejum é muito agradável a Deus e, na verdade, é extremamente digno, pois imita Aquele que deu a vida pelos seus irmãos.

Orígenes (185-253) in Homilia sobre o Levítico



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quarta-feira, 12 de março de 2025

Gregório Magno, a peste e São Miguel com a espada ensanguentada

No ano de 590, Gregório, da família senatorial da gens Anicia, foi eleito Papa com o nome de Gregório I (540-604).

A Itália estava a ser esmagada por doenças, fome, agitação social e a onda devastadora dos lombardos. Entre 589 e 590, uma violenta epidemia de peste, a terrível luesinguinaria, depois de devastar o território bizantino no leste e o dos francos no Oeste, semeou a morte e o terror na península e atingiu a cidade de Roma. Os cidadãos romanos interpretaram essa epidemia como um castigo divino pela corrupção da cidade.
 
A primeira vítima colhida em Roma pela peste foi o Papa Pelágio II, que morreu a 5 de Fevereiro de 590 e foi enterrado em São Pedro. O clero e o senado romanos elegeram Gregório como seu sucessor, que, depois de ser o praefectus urbis, morava na sua cela monástica no monte Célio. Depois de ser consagrado a 3 de Outubro de 590, o novo Papa imediatamente enfrentou o flagelo da peste.

Gregório de Tours (538-594), que foi contemporâneo e cronista desses eventos, diz que num sermão memorável proferido na igreja de Santa Sabina, o Papa Gregório convidou os romanos a seguir, contritos e penitentes, o exemplo dos habitantes de Nínive: «Olhai em volta: aqui está a espada da ira de Deus brandindo sobre todo o povo. A morte súbita arrebata-nos do mundo, quase sem nos dar um minuto de tempo. Neste exacto momento, oh quantos são levados pelo mal, aqui à nossa volta, sem sequer pensar em penitência.»

O Papa, portanto, pediu que se olhasse para Deus, que permite tais tremendos castigos para corrigir os seus filhos e, para apaziguar a ira divina, ordenou uma "ladainha septiforme", ou seja, uma procissão de toda a população romana, dividida em sete cortejos, de acordo com sexo, idade e condição. A procissão movida desde várias igrejas de Roma até à Basílica do Vaticano, foi acompanhada com o canto das ladainhas. Essa é a origem das chamadas "ladainhas maiores" da Igreja, ou rogações, com as quais oramos a Deus que nos defenda das adversidades.

Os sete cortejos movimentaram-se pelos edifícios da Roma antiga, num ritmo lento, com os pés descalços e a cabeça coberta de cinzas. Enquanto a multidão viajava pela cidade, imersa em silêncio sepulcral, a praga chegou ao ponto de raiva que, no curto espaço de uma hora, oitenta pessoas caíram no chão mortas. Porém, Gregório não parou nem por um instante de instar o povo a continuar orando e queria que a imagem da Virgem preservada em Santa Maria Maior e pintada pelo evangelista São Lucas fosse levada antes da procissão (Gregório de Tours, Historiae Francorum, liber X, 1, em Opera omnia, ed. JP Migne, Paris 1849, p. 528).

A lenda dourada, de Jacopo da Varazze, que é um compêndio das tradições transmitidas desde os primeiros séculos da era cristã, conta que, à medida que a imagem sagrada progredia, o ar tornava-se mais saudável e claro e os miasmas da praga se dissolviam, como se não pudessem suportar a sua presença. Quando chegaram à ponte que liga a cidade ao mausoléu de Adriano, conhecida na Idade Média como Castellum Crescentii, de repente um coro de anjos cantava: «Regina Coeli, laetare, Alleluja - Quia quem meruisti portare, Alleluja - Resurrexit sicut dixit, Aleluia.» O Papa Gregório respondeu em voz alta: "Ora pro nobis rogamus, Aleluja!" Assim nasceu a Regina Coeli, a antífona com a qual na Páscoa a Igreja saúda Maria Rainha pela ressurreição do Salvador.

Depois da música, os Anjos organizaram-se em círculo ao redor da imagem de Nossa Senhora e o Papa, olhando para cima, viu no topo do Castelo um Anjo que, depois de secar a espada que pingava sangue, colocou-a na bainha, como um sinal da cessação da punição: «Tunc Gregorius vid super Castrum Crescentii angelum Domini gludium cruentatum detergens in vagina revocabat: intellexit que Gregorius quod pestisilla cessasset et sic factum est. Unde et castrum illud castrum Angels deinceps vocatum est." Gregório entendeu que a praga havia terminado e assim aconteceu: e esse castelo passou a ser chamado de Castelo do Santo Anjo (Iacopo da Varazze, lenda dourada, ed. crítica editada por Giovanni Paolo Maggioni, Sismel-Edizioni del Galluzzo, Florença 1998, p. 90).

O Papa Gregório I foi canonizado e proclamado Doutor da Igreja, e entrou na história com o apelido de "Magno". Após a sua morte, os romanos começaram a chamar ao edifício de Adriano "Castel Sant'Angelo" e, em memória do prodígio, colocaram no alto do castelo a estátua de São Miguel, chefe das milícias celestes, no processo de embainhar a espada. Ainda hoje, no Museu Capitolino, há uma pedra circular com as pegadas que, segundo a tradição, teriam sido deixadas pelo Arcanjo quando ali se deteve para anunciar o fim da praga. Também o cardeal Cesare Baronio (1538-1697), considerado por o rigor de sua pesquisa, um dos maiores historiadores da Igreja, confirma a aparição do Anjo no topo do castelo (Odorico Ranaldi, anais eclesiásticos retirados do cardeal Baronio, ano 590, Appresso Vitale Mascardi, Roma 1643, pp. 175 -176).

Observamos apenas que, se o Anjo, graças ao apelo de São Gregório, embainhou a espada, significa que antes a havia desembainhado para punir os pecados do povo romano. Os Anjos são de facto os executores dos castigos divinos dos povos, como nos lembra a visão dramática do Terceiro Segredo de Fátima, exortando-nos ao arrependimento: «Um Anjo com uma espada de fogo na mão esquerda. Ao cintilar despedia chamas que pareciam incendiar o mundo. Mas, apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro. O anjo, apontando com a mão direita para a Terra, com voz forte dizia: - Penitência, penitência, penitência!»

Professor Roberto de Mattei


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terça-feira, 11 de março de 2025

Assim seria o som da Hagia Sofia há mais de 500 anos

A Hagia Sophia (Santa Sofia), que se encontra em Istambul (Constantinopla), foi a maior igreja do Mundo durante mil anos. Um estudo, analisando o rebentamento de um balão dentro do edifício, demonstrou a magnífica acústica com que a igreja foi construída. Isto permite ter uma ideia do que seria estar lá dentro enquanto decorria a Divina Liturgia, com os belíssimos hinos Bizantinos.




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segunda-feira, 10 de março de 2025

Quaresma

O Dilúvio durou 40 dias e 40 noites...
foi a preparação para uma nova humanidade.

Durante 40 anos esteve Israel no deserto...
a caminho da Terra Prometida.

Durante 40 dias fizeram penitência os Ninivitas...
antes de receberem o perdão de Deus.

Durante 40 dias e 40 noites caminhou Elias...
até chegar à Montanha de Deus.

Durante 40 dias e 40 noites Moisés e Jesus jejuaram...
no início da Missão.

Assim os 40 dia da Quaresma,
são também um tempo especial
de conversão e renovação,
de preparação para a Páscoa.


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sábado, 8 de março de 2025

Síria: Cristãos obrigados a ler o Corão em funeral de jovem assassinado

A situação na Síria é caótica depois de jihadistas estrangeiros, apoiados por Israel e pelos regimes homossexuais ocidentais, terem invadido o país.

Os cristãos, que tinham plena liberdade durante o governo de Assad, estão agora a ser alvo de ataques.

O OraProSiria.Blogspot.com recorda o assassinato do jovem ortodoxo Lucian Haddad em Latakia, em Janeiro.

Para permitir a realização do seu funeral, o regime jihadista do país ordenou a leitura de passagens do Corão durante a liturgia fúnebre.

O regime está também a impor a islamização com a imposição do véu nos transportes públicos em Alepo e noutras cidades.

in gloria.tv


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Dia da Mulher




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sexta-feira, 7 de março de 2025

Oração de S. Tomás de Aquino para rezar antes da Missa

Deus omnipotente e eterno, eis que me vou aproximar do Sacramento de Vosso Filho Unigénito, Nosso Senhor Jesus Cristo. E eis que venho como enfermo, ao médico da vida, como manchado, à fonte de misericórdia; como um cego à luz da eterna claridade; e como pobre indigente, ao Senhor do Céu e da Terra. 

Invoco, pois, a abundância de Vossas generosidades, que são sem limites, a fim de que Vos digneis curar a minha enfermidade, lavar as minhas máculas, iluminar a minha cegueira, enriquecer a minha pobreza, e vestir a minha nudez, de forma que receba o Pão dos Anjos, o Rei dos reis e o Senhor dos senhores, com tanto respeito e humildade, com uma contrição e uma devoção tão vivas, com uma pureza e uma fé tão grandes, com um bom propósito e uma intenção tais, como o exige a salvação da minha alma.

Concedei-me, Vos suplico, a graça de receber, não somente o Sacramento do Corpo e do Sangue do Senhor, como também o efeito e a virtude deste Sacramento.

Ó Deus clementíssimo, visto que me é dado receber o Corpo de vosso Filho único, N. S. Jesus Cristo, esse Corpo que Ele assumiu no seio da Virgem Maria, fazei que O receba com disposições tão perfeitas que mereça ser incorporado no seu Corpo Místico e contado entre Seus membros.

Ó Pai amantíssimo, concedei-me, enfim, a graça de contemplar face a face, durante toda a eternidade, o Vosso Filho amantíssimo, que me proponho receber hoje, nesta viagem terrestre, debaixo dos véus do Sacramento.

Ele que, sendo Deus, convosco vive e reina, em união com o Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amem.


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quinta-feira, 6 de março de 2025

Ainda sobre o dia de ontem





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Santa Perpétua e Santa Felicidade, Mártires

Origens

Uma nobre e uma escrava. O que sabemos sobre as origens das duas é pouco, porém digno de nota. Perpétua era uma senhora nobre da cidade de Car­tago, no Norte da África. Felicida­de era escrava de Perpétua, também de Cartago. As duas tinham cerca de 20 anos e eram cristãs numa região dominada pelo Império Romano, em tempos de perseguição contra os cristãos.

Senhora e escrava unidas pela Fé

Perpétua era rica, de família tradicional e nobre. O seu pai era pagão. Quando da prisão, ela tinha apenas vinte e dois anos e era mãe de um bebé recém-nascido. Felicidade estava com oito meses de gravidez.

Prisão

As duas foram presas no ano 203, por ordem do imperador romano Severo, pelo simples facto de serem cristãs. Severo, cujas origens familiares também estavam na África, tinha emitido um decreto de pena de morte aos cristãos. As duas sofreram as atrocidades da prisão unidas pela Fé, em oração e encorajando uma a outra.

O diário da prisão

Estando na prisão, Perpétua escreveu um diário que está entre os mais comoventes e realistas da História da Igreja. Nesse diário ela narra todo o sofrimento pelo qual passaram e descreve esperança cristã na vida eterna de maneira maravilhosa. No diário conta que o seu pai foi visitá-la à prisão para pedir que ela renunciasse à Fé e, assim, salvasse a sua vida. Ela, porém, preferiu a morte em vez de negar o Senhor da sua vida, Jesus Cristo.

Um parto na prisão

Temendo a pena de morte, Felicidade pedia diariamente a Deus que o seu filho nascesse antes que ela fosse executada. Assim aconteceu. Embora tivesse um parto muito sofrido, o seu filho nasceu livre. O filho de Santa Felicidade nasceu apenas dois dias antes que a sua mãe fosse martirizada na arena.

Baptismo na prisão

As Santas Perpétua e Felicidade, senhora e escrava, mantinham-se firmes na oração e no sustento da fé, apoiadas por outros 6 cristãos também presos. Estes tornaram-se seus companheiros de vida, de morte e de testemunho para o mundo. Perpétua e Felicidade, mesmo demonstrando tanta fé, ainda não tinham sido baptizadas. Por isso, receberam o baptismo na prisão. Isto fortaleceu ainda mais a fé dessas duas santas.

Torturas e martírio

Segundo os relatos oficiais da época, presentes no diário de Santa Perpétua, os cristãos homens foram martirizados primeiro, tendo sido lançados aos leopardos famintos. Foram despedaçados por esses animais. Perpétua e Felicidade foram lançadas aos touros selvagens. Perpétua viu a sua amiga e irmã ser atingida pelos animais e ainda conseguiu ampará-la nos seus braços e recompor a sua roupa estraçalhada, numa demonstração de respeito, dignidade e amor. 

Os pagãos que assistiam ao “espectáculo” emocionaram-se durante um curto espaço de tempo. Porém, logo começaram a gritar pedindo a morte de Perpétua. Então, os touros atingiram as duas e, logo em seguida, elas foram degoladas. Aconteceu no dia 7 de Março do ano 203. 

Oração a Santas Perpétua e Felicidade

Deus Todo-Poderoso, que destes às mártires Santas Perpétua e Felicidade a graça de sofrer por Cristo, ajudai também a nossa fraqueza, para que possamos viver firmes na Fé, como elas que não hesitaram em morrer por vosso amor. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso filho, na unidade do Espírito Santo. Amém. 

Santas Perpétua e Felicidade, rogai por nós.

in Cruz Terra Santa


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quarta-feira, 5 de março de 2025

Quarta-feira de Cinzas: o dia em que tudo muda

O mundo estava ontem ocupado com os seus prazeres, enquanto os verdadeiros filhos de Deus tomavam uma alegre despedida dos regozijos: mas nesta manhã tudo muda. O solene anúncio feito pelo profeta foi proclamado em Sião
: o solene jejum da Quaresma, um tempo de expiação, a aproximação do grande aniversário de Nosso Redentor. Animemo-nos, pois, e nos preparemos para o combate espiritual.

Mas neste combate do espírito contra a carne precisamos de uma boa couraça. A Santa Igreja sabe o quanto precisamos disto; e por isso ela nos convoca a entrar ao templo de Nosso Senhor, para que ela possa nos armar para este santo embate. O que esta couraça é, sabemo-lo de São Paulo, que a descreve: “Estai, pois, firmes, tendo cingido os vossos rins com a verdade, vestindo a couraça da justiça, tendo os pés calçados de zelo para ir anunciar o Evangelho da paz; sobretudo tomai o escudo da Fé, para que possais apagar todos os dardos inflamados do (espirito) maligno; tomai também o elmo da salvação e a espada do espírito, que é a palavra de Deus”. 

O próprio príncipe dos apóstolos também nos endereça estas palavras solenes: “Tendo, pois, Cristo sofrido (por nós) na carne, armai-vos também vós do mesmo pensamento: aquele que sofreu na carne, deixou de pecar”. Entramos hoje numa longa campanha de guerra sobre a qual os apóstolos nos falaram: quarenta dias de batalha, quarenta dias de penitência. Não haveremos de retornar cobardemente, uma vez que as nossas almas sejam impressionadas com a convicção de que a batalha e a penitência haverão de passar. Demos ouvidos à eloquência do rito solene que abre a nossa Quaresma. Deixemo-nos ir para onde nossa Santa Madre Igreja nos guia.

Os inimigos com os quais devemos lutar são de duas espécies: interno e externo. O primeiro são as nossas paixões; o segundo são os demónios. Ambos foram trazidos a nós pelo orgulho, e o orgulho do homem teve início no momento em que se recusou a obedecer a Deus. Deus perdoou os pecados do homem mas puniu-o por eles. A punição era a morte e esta foi a forma da sentença divina: “porque tu és pó e ao pó hás-de tornar”. Que nós nos lembremos disto! A lembrança do que nós somos e do que nos haveremos de tornar teria controlado esta altiva rebelião que tantas vezes nos fez romper com a lei de Deus. 

E se, pelo tempo que ainda nos resta perseverarmos na fidelidade a Nosso Senhor, devemos humilhar-nos, aceitar a sentença e olhar para a vida presente como um caminho para o túmulo. O caminho pode ser longo ou curto; mas haverá de nos levar ao túmulo. Lembrando-nos disto, haveremos de ver todas as coisas na sua verdadeira luz. Haveremos, pois, de amar Deus, que Se dignou de colocar o Seu Coração sobre nós, apesar de sermos criaturas de morte: iremos odiar, com profunda contrição, a insolência e a ingratidão, por meio das quais passamos grande parte de nossos dias, isto é, pecando contra o nosso Pai Eterno: e nós não apenas desejaremos, mas estaremos ansiosos a passar esses dias de penitência, que Nosso Senhor tão misericordiosamente nos dá para repararmos a Sua justiça ultrajada.

Este foi o motivo pelo qual a Igreja teve em enriquecer a sua liturgia com este rito solene, no qual tomamos assistência nesta Quarta. Quando, há mais de mil anos, a Igreja decretou a antecipação do início da Quaresma para os últimos quatro dias da semana da Quinquagésima, instituiu esta cerimônia impressionante onde marca a fronte dos seus filhos com cinzas, enquanto lhes estas terríveis palavras, com as quais Deus nos sentenciou à morte: “Lembra-te, homem, de que és pó e ao pó hás-de voltar”.

Mas o uso de cinzas como um símbolo de humilhação e penitência é de um tempo muito anterior à instituição a qual aludimos. Encontramos referências frequentes disto no Antigo Testamento. Job, apesar de gentio, aspergiu a sua carne com cinzas, que, pois, humilhado, poderia propiciar a misericórdia divina: e isto ocorreu dois mil anos antes da vinda de Nosso Senhor. O profeta real (Sofonias), falando de si mesmo, relata que misturou cinzas com o seu pão, por conta da ira e indignação divina. Muitos exemplos similares se podem encontrar nas Sagradas Escrituras; mas é tão óbvia a analogia entre o pecador que assim demonstra sua contrição e o objeto através do qual ele o demonstra, que lemos tais casos sem surpresa. 

Quando um homem decaído se humilha diante da justiça divina, que sentenciou o seu corpo a retornar ao pó, como poderia ele mais apropriadamente expressar a sua contrita aceitação da sentença do que aspergindo a si próprio ou à sua comida com cinzas de madeira consumida pelo fogo? Este fervoroso reconhecimento de si próprio como pós e cinzas é um acto de humildade e a humildade dá confiança em Deus, que resiste aos orgulhosos e perdoa os humildes.

É provável que, quando a Igreja instituiu a cerimônia da Quarta-feira na semana da Quinquagésima, não a tenha intencionado para todos os fiéis, mas apenas para aqueles que cometeram alguns daqueles crimes que a Igreja infligia penitência pública. Antes da Missa do dia iniciar, eles apresentavam-se na Igreja onde todos os fiéis se encontravam. O sacerdote recebia a confissão dos seus pecados e vestia-os com vestes de saco e colocava a cinza nas suas cabeças. Após esta cerimónia, o clero e os fiéis prostravam-se e recitavam em voz alta os sete Salmos Penitenciais. 

Seguia, então, uma procissão na qual os penitentes tomavam parte descalços; e, por sua vez, o Bispo endereçava estas palavras aos penitentes: “Olhai! Nós vos banimos das portas da Igreja em razão dos vossos crimes e pecados, assim como Adão, o primeiro homem, foi banido do Paraíso em razão das suas transgressões”. O clero cantava, então, diversos responsórios tirados do livro do Génesis, nas partes em que se menciona a sentença pronunciada por Deus, quando condenou o homem a comer o pão do suor de seu trabalho, pois a Terra estava condenada por causa do pecado. As portas eram, então, fechadas e os penitentes não tinham permissão de ultrapassar os limites até a Quinta-Feira Santa, quando podiam se aproximar e receber a absolvição.

Datando do século XI, a disciplina de penitências públicas caiu em desuso e o sagrado rito de impor as cinzas na cabeça de todos os fiéis se tornou tão comum que, por extensão, foi considerado como uma parte essencial da liturgia Romana. Antigamente era prática aproximar-se descalço para receber este solene ‘memento’ da nossa insignificância. No século XII, até mesmo o Papa, ao passar da Igreja de Santa Anastácia para a Igreja de Santa Sabina, onde se fazia a cerimónia, percorria toda a distância descalço, assim como faziam os cardeais que o acompanhavam. A Igreja já mais exige essa penitência exterior; mas está tão ansiosa como nunca para que esta santa cerimónia, a qual estamos para tomar assistência, produza em nós os sentimentos de penitência e arrependimento.

Dom Prosper Guéranger


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terça-feira, 4 de março de 2025

O adeus às panquecas

Hoje é dia de Carnaval. A etimologia desta palavra está relacionada com o adeus à carne. Isto por ser o dia anterior à Quarta-Feira de Cinzas, com o qual inicia a Quaresma e começa a restrição do consumo de carne, até à Páscoa.

Este dia é também conhecido por Terça-Feira Gorda porque as pessoas comiam como se não houvesse amanhã, antes do grande jejum que se aproximava (todos os dias da Quaresma eram dias de jejum menos os Domingos e dias Santos de Guarda).

Relacionado com isso aparece outro nome dado a esta Terça-Feira: dia da Panqueca. Como estivessem também os laticínios restritos durante a Quaresma, as pessoas aproveitavam para comer esta iguaria que é feita à base de ovos, leite e açúcar.

Bom dia da panqueca para todos!



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Começa hoje a Novena da Graça a São Francisco Xavier

Esta poderosa novena foi muito elogiada por Santa Teresinha do Menino Jesus. Quem a faz deve confessar-se e receber a Sagrada Comunhão pelo menos em um dos dias da novena (de 4 a 12 de Março). Orações para cada um dos nove dias:

Ant. Veio-lhe um suor como gotas de sangue que corriam à terra; um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e logo saiu sangue e água.
V.) Senhor, socorrei a vossos servos.
R.) Que remistes com o Vosso Preciosíssimo Sangue.

OREMOS
Senhor Jesus Cristo, que por amor de nós descestes do céu e derramastes na cruz o Vosso Preciosíssimo Sangue, para nossa salvação, nós Vos rogamos humildemente, por Vossas cinco chagas e por aquela grande amargura em que Vossa sacratíssima alma se separou do corpo, pelos merecimentos e pela intercessão de São Francisco Xavier, o qual teve sempre em seu coração a Vossa amarga paixão, queirais ouvir-nos, propício, naquilo que pedimos de Vossa infinita misericórdia. Vós, que viveis e reinais nos séculos dos séculos. Amém.

Ant. Vossa Imaculada Conceição, ó Virgem, Mãe de Deus, trouxe alegria a todo o mundo, pois de Vós nasceu o Sol da Justiça, Jesus Cristo, Nosso Deus.
V.) Em Vossa Conceição ficastes imaculada.
R.) Rogai por nós, ó Santa Mãe de Deus.

OREMOS
Ó Deus, que, pela Conceição Imaculada da Virgem Maria, preparastes ao Vosso Filho uma digna habitação, preservando-A, em virtude de Sua sagrada paixão e morte, de toda a mancha do pecado, nós Vos pedimos, lavai-nos também de nossos pecados, por Sua intercessão e pela de São Francisco, o qual sempre venerou tão devotamente a Imaculada Conceição, para que tenhamos parte na graça de Deus, tão almejada. Por Cristo Nosso Senhor, Amém.

Ant. Santos anjos, tronos e dominações, principados e potestades, virtudes do céu, querubins e serafins, louvai ao Senhor e sede nossos intercessores junto a Deus.
V.) O Senhor pôs os Seus anjos junto de ti:
R.) Para que te guardem em todos os teus caminhos.

OREMOS
Ó Deus, que com providência admirável assinalais os ministérios aos anjos e aos homens, concedei, propício, que também nós, em nossa vida, sejamos guardados por eles, assim como sempre protegeram a São Francisco, e que alcancemos, por sua intercessão, aquilo que pedimos. Por Jesus Cristo Nosso Senhor. Amém.

Ant. Este é um amador dos irmãos, que muito reza pelo povo e por toda a cidade santa.
V.) O Senhor conduziu o justo por caminhos rectos.
R.) E mostrou-lhe o reino de Deus.

OREMOS
Ó Deus, que quisestes agregar à Vossa Igreja os povos da Índia, pela pregação e pelos milagres de São Francisco, concedei-nos, propício, que, em relação àquele de quem veneramos os méritos gloriosos, imitemos também os exemplos das virtudes. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.

ORAÇÃO A SÃO FRANCISCO XAVIER:
Amabilíssimo e amantíssimo Santo, em união convosco adoro reverentemente a Divina Majestade e pelo muito que me regozijo dos especialíssimos dons da graça com que vos favoreceu durante a vossa vida mortal, e pela glória de que gozais agora, rendo-vos afectuosíssimas graças, e peço à Divina Majestade, do fundo de minha alma e por vossa poderosa intercessão, me conceda a graça importantíssima de viver e morrer santamente. E vos suplico também... (dizer aqui o que se pede nesta novena). E se o que peço não convier à glória de Deus e ao proveito de minha alma, quero alcançar aquilo que a uma e outra seja mais conforme.

3 Pais Nossos
3 Avé Marias
3 Glória ao Pai


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segunda-feira, 3 de março de 2025

Mistérios Gozosos meditados por S. Luís Maria Grignion de Montfort

1º Mistério – Anunciação do Anjo e encarnação do Verbo

Padre Nosso: A caridade de Deus, imensa.

1ª Ave Maria, para lamentar o desgraçado estado de Adão desobediente, a sua justa condenação e a de todos os seus filhos.

Ave Maria, para honrar:
2ª os desejos dos patriarcas e profetas, que pediam a vinda do Messias;
3ª os desejos e as preces da Santíssima Virgem, que apressaram a vinda do Messias;
4ª a caridade do Pai Eterno, que nos deu Seu divino Filho;
5ª o amor do Filho, que se entregou por nós;
6ª a embaixada e a saudação do arcanjo Gabriel;
7ª o temor virginal de Maria;
8ª a fé e o consentimento da Santíssima Virgem;
9ª a criação da alma e a formação do Corpo de Jesus Cristo no seio de Maria, pelo Espírito Santo;
10ª a adoração do Verbo Encarnado, pelos anjos, no seio de Maria.
 
2º Mistério – Visitação da Virgem Maria à sua prima Santa Isabel

Padre Nosso: A majestade de Deus, adorável.

Ave Maria, para honrar:
1ª o gozo do Coração de Maria e a morada durante nove meses, do Verbo em seu seio;
2ª o sacrifício que Jesus Cristo fez de Si mesmo ao Pai, ao entrar neste Mundo;
3ª as complacências de Jesus no seio humilde e virginal de Maria, e de Nossa Senhora, no gozo do seu Deus;
4ª a dúvida de São José acerca da maternidade de Maria;
5ª a eleição dos escolhidos, combinada entre Jesus e Maria, em seu seio;
6ª o fervor de Maria na sua visita a Santa Isabel;
7ª a santificação de João Baptista no ventre de sua mãe;
8ª a gratidão da Santíssima Virgem para com Deus, no Magnificat;
9ª a sua caridade e humildade em servir sua prima;
10ª a mútua dependência de Jesus e de Maria, e a devoção que devemos ter para com um e outra.
 
3º Mistério – Nascimento de Jesus

Padre Nosso: As riquezas de Deus, infinitas.

Ave Maria, para honrar:
1ª os desprezos e injúrias feitas a Maria e a São José em Belém;
2ª a pobreza do estábulo onde Deus veio ao mundo;
3ª a alta contemplação e o excessivo amor de Maria no momento de dar à luz;
4ª a saída do Verbo Eterno do seio de Maria sem romper o selo de sua virgindade;
5ª as adorações e cânticos dos anjos no nascimento de Jesus;
6ª a formosura arrebatadora de Sua divina infância;
7ª a vinda dos pastores ao estábulo, com seus presentes;
8ª a circuncisão de Jesus Cristo e Suas dores amorosas;
9ª a imposição do nome de Jesus Cristo e as suas grandezas;
10ª a adoração dos reis magos e os seus presentes.
 
4º Mistério – Apresentação de Jesus no Templo e a purificação de Nossa Senhora

Padre Nosso: Sabedoria de Deus, eterna.

Ave Maria, para honrar:
1ª a obediência de Jesus e de Maria à Lei;
2ª o sacrifício que ali fez Jesus da sua humanidade;
3ª o sacrifício que ali fez Maria da sua honra;
4ª o gozo e os cânticos de Simeão e Ana, a profetisa;
5ª o resgate de Jesus pela oferenda de duas rolas;
6ª a matança dos santos inocentes;
7ª a fuga de Jesus para o Egipto, pela obediência de São José à voz do Anjo;
8ª a estada misteriosa no Egipto;
9ª o regresso para Nazaré;
10ª o seu crescimento em idade, sabedoria e graça.
 
5º Mistério – Encontro de Jesus no Templo

Padre Nosso: A Santidade de Deus, incompreensível.

Ave Maria, para honrar:
1ª a Sua vida oculta, laboriosa e obediente na casa de Nazaré;
2ª a Sua perda e encontro no Templo entre os doutores;
3ª o seu jejum e tentações no deserto;
4ª o Seu Baptismo por São João Baptista;
5ª a Sua pregação admirável;
6ª os Seus milagres portentosos;
7ª a eleição dos doze Apóstolos e os poderes que lhes deu;
8ª a Sua transfiguração maravilhosa;
9ª o lava-pés dos Apóstolos;
10ª a instituição da Sagrada Eucaristia.


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domingo, 2 de março de 2025

O que aprendem as crianças com a Missa Tradicional

Com a Missa Tradicional, as crianças aprendem muitas coisas que, provavelmente, nunca aprenderão com a Missa moderna de Paulo VI.   

1. A Missa é um mistério de fé, um sacrifício santo. O rito antigo conserva e expressa, da maneira mais perfeitamente possível, que na Missa se faz presente e actualiza o Sacrifício da Cruz, a imolação de Nosso Senhor Jesus Cristo, que realizou e continua a realizar a nossa salvação e a de todo o mundo.     

Na Missa Tradicional, é relativamente pouca a catequese necessária para compreender o significado dos gestos do sacerdote e entender como é que ilustram esse significado. Basta saber um pouco do que Jesus fez na Última Ceia e na Sexta-feira Santa. Os vários gestos e as orações relacionam-se com uma série de mistérios encadeados: mediação, redenção, expiação, satisfação, adoração. O Ofertório prefigura este sacrifício; o Cânone Romano, que muitos seguem no seu missal, está impregnado de linguagem sacrificial; a consagração e a elevação da Hóstia e do cálice, no meio de um silêncio estrondoso, precedidas e seguidas de genuflexão, criam o ambiente para fazer presente o Calvário.        

Durante os anos em que ainda assistia às celebrações do Novus Ordo, descobri que os meus filhos e os dos meus amigos não estabeleciam, habitualmente, essas relações. O rito centrava-se mais nos fiéis, falava-se muito e a Comunhão não é mais do que algo acessório. O que menos captavam os sentidos era que essa liturgia é um sacrifício. O que se vê é a manipulação de pão e vinho sobre uma mesa, uma refeição que evoca a ceia pascal. Não é que silencie a dimensão sacrificial; é que, em grande parte, essa está ausente. Numa Missa dita em língua vernácula, versus populum, como se faz habitualmente, escolhendo sempre a oração eucarística II, quanto há, no texto ou na cerimónia, que transmite, de forma clara e contundente, a realidade do sacrifício? Poder-se-ia dizer que, na melhor das hipóteses, o Novus Ordo enfatiza a presença de Cristo entre nós, mas não o Seu sacrifício.  

Constatei, com grande consternação, que me tocava sempre a mim afirmar, enfaticamente e sem que houvesse uma forma palpável de demonstrá-lo, que o Novus Ordo era o sacrifício da Missa, embora não parecesse, e, para além disso, faltava a ampla variedade de textos e cerimónias que destacavam a natureza sacrificial do acto. Aquilo desagradava-me e continua a desagradar-me. Parecia que aquele rito tinha sido idealizado por alguém que não queria que fosse fácil compreender que a Missa é a representação incruenta do sacrifício cruento do Calvário. No Novus Ordo, é necessário fazer muitos malabarismos extra-litúrgicos, caso contrário não se chega a saber a verdade. Como a liturgia não transmite a mensagem, deve-se dedicar mais tempo a explicar, afirmar e esperar que esse frágil fideísmo não abra a porta a catástrofes como o esquecimento, o aborrecimento ou a heresia.   

2. Máxima reverência ao Santíssimo Sacramento. As crianças só vêem o sacerdote a tocar e a distribuir Nosso Senhor. Se assistirem a uma Missa solene, observarão que se trata a Hóstia com tanta reverência que, durante todo o Cânone, um sub-diácono segura, com um umeral, uma patena vazia[1]. Em momento algum verão um leigo subir ao presbitério e manusear hóstias e cálices. A Comunhão é distribuída aos fiéis ajoelhados em postura de adoração, como os Reis Magos diante do Menino Jesus. E recebe-se na língua, da maneira como os seus pais alimentam os filhos pequenos e como Deus alimenta o mundo através da Sua Providência. Coloca-se uma patena sob o queixo dos fiéis ajoelhados e não é raro que o comungatório esteja coberto com um pano. Terminada a Comunhão, o celebrante lava os dedos e lava os vasos sagrados com o máximo cuidado. A liturgia não poupa esforços para proclamar alto e claramente a fé da Igreja no milagre da transubstanciação. Nem tampouco os poupa para impedir que se desperdice a mais pequena migalha do Corpo de Cristo ou a menor gota do Seu Sangue.  

3. O sacerdote é mediador entre Deus e os homens. Olha para Oriente, na direcção contrária ao povo. Para Quem? Para Deus, a Santíssima Trindade, em cuja honra se realiza o sacrifício. O Verbo feito carne e verdadeiramente presente no altar do Sacrifício. Representa-nos diante de Deus. E também representa Deus que veio ao nosso encontro. Note-se que a missão do sacerdote, como mediador, é, essencialmente, diferente da dos leigos: «Porque todo o Sumo Sacerdote escolhido de entre os homens é constituído a favor dos homens, nas coisas concernentes a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados» (Heb 5, 1). Diante do altar, o sacerdote age in persona Christi, representa, pessoalmente, o Sumo Sacerdote Eterno, que Se ofereceu, por amor, para redimir a humanidade.              

Como se vê, o rito antigo distingue claramente o sacerdote e os fiéis; não os amontoa, como o novo rito, mas trata-os de acordo com a sua distinção ontológica[2]. Por exemplo:

— O sacerdote reza primeiro o Confíteor, por si mesmo, e, depois, os acólitos rezam por eles e pelos fiéis.

— Na Missa solene, o sacerdote é o único que dá o tom no Glória e no Credo e, depois, continua a rezá-los sozinho, enquanto o coro ou os fiéis cantam[3].  

— No Ofertório, a oração Suscipe, Sancte Pater revela claramente o papel mediador do celebrante, bem como a sua própria natureza pecadora ao ter que cumprir uma função tão elevada: «Recebei, Pai Santo, Deus Todo-Poderoso e eterno, esta hóstia imaculada que eu, indigno servo Vosso, Vos ofereço, meu Deus, vivo e verdadeiro, pelos meus inumeráveis pecados, ofensas e negligências; por todos os presentes e também por todos os fiéis cristãos vivos e defuntos; a fim de que, a mim e a eles, aproveite para a salvação na vida eterna. Amém».    

— O sacerdote comunga primeiro para completar o Sacrifício e, depois, oferece-o ao povo. Diz, por três vezes, “Dómine, non sum dignus” e, depois, também podem os acólitos e os fiéis rezá-lo três vezes[4].        

— A oração Placeta tibi, no fim da Missa, destaca, novamente, a função do sacerdote: «Seja-Vos agradável, ó Santíssima Trindade, a homenagem do Vosso servo; e este sacrifício, que eu, indigno, ofereci aos olhos da Vossa Majestade, seja-Vos agradável, e a mim, e a todos aqueles por quem o ofereci, seja, pela Vossa piedade, propiciatório». Esta não é a oração de alguém que simplesmente preside à Eucaristia ou à assembleia.     

4. As próprias palavras da Missa são sagradas e sublimes. Isto é claramente destacado pelo latim em que se reza a Missa de princípio a fim (excepto na homilia, que não faz parte da liturgia propriamente dita, mas que é uma explicação de alguns aspectos da liturgia, do Credo ou das leituras para benefício dos ouvintes). O uso de uma linguagem arcaica demonstra, sem necessidade de explicação, que a liturgia não é algo rotineiro, como daria a entender o uso da língua vernácula[5]. Da mesma forma, é muito apropriada a grande reverência que se manifesta em relação ao missal durante toda a celebração litúrgica: é colocado sobre um atril dourado ou numa almofada delicada e os ministros transportam-no com uma atitude cerimonial e, se a Missa for solene, é até mesmo acompanhado por velas e incenso.

5. A música – e especialmente o canto – é muito singular e é dedicada a Deus. O efeito que produz uma língua sagrada antiga não pode deixar de ser aprimorado quando os textos litúrgicos são cantados com as subtis melodias do canto gregoriano, com os seus oito modos e o ritmo fluído na métrica, tão diferentes de tudo o resto que possa existir no âmbito da música. O canto gregoriano surgiu exclusivamente para o culto divino e não se presta a nenhum outro uso: é exclusivamente para Deus. É o equivalente sonoro do incenso, das casulas e dos cálices dourados que são usados apenas durante o culto. São coisas que se poderiam considerar a guarda de honra e os servos de Cristo, que evocam, com muita eficácia, a Sua presença e que nos guiam, com facilidade, à dita presença[6].   

6. A Missa é algo sério e solene. A liturgia centra-se inteiramente no presbitério, no altar, no sacrifício, no banquete celestial e no Pão dos anjos. É uma obra ordenada e disciplinada: há formalidade, harmonia nos gestos e nas palavras, concentra-se na oração. Se alguém interrompesse o celebrante, dizendo-lhe: «Porquê que não se vira para nós? Porquê que nos vira as costas e não nos diz para onde vai, nem quando volta?», ele poderia responder com as palavras do Menino Jesus no templo: «Porque Me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de Meu Pai?» (Lc 2, 49). Jesus disse isso aos seus santíssimos pais e deixou-os estupefactos. Recordou-lhes que o Reino de Deus está acima de tudo e que a glória devida ao Pai é superior à de todo o bem terreno.         

7. A fonte da nossa unidade e comunhão está em Cristo e emana d’Ele para todos nós. Em vez de ter um ambiente horizontal e enfatizar a horizontalidade, um círculo fechado de pessoas que se fazem notar mutuamente de modo pelagiano, na Missa Tradicional orientámo-nos sempre para Deus, adorando-O, implorando a nossa salvação, procurando n’Ele a nossa união e a nossa própria identidade. E, acima de tudo, algo tão moderno quanto a eclosão simultânea de, no Novus Ordo, se dar a paz, que transmite a mensagem subliminar de que a paz entre nós brota como se fosse concebida pela própria comunidade humana dos fiéis, não tem lugar no Rito Romano solene, que, pelo contrário, mostra que a pax vem do Cordeiro de Deus, Jesus Cristo, verdadeiramente presente no altar como Príncipe da Paz, e que desce, como uma cascata, de Deus, através do sacerdote, do diácono e do sub-diácono, até alcançar os fiéis. Do mesmo modo que a Comunhão começa pelo sacerdote, de seguida comungam os outros ministros e, por último, os fiéis.                    

8. A nossa religião é algo dado, que recebemos. As palavras da Missa, herdámo-las da Tradição, representada pelo missal que está no altar; a paz de Cristo, recebemo-la desde o altar; e a Sagrada Eucaristia é no-la dada por uma mão consagrada. A estabilidade e a imutabilidade do rito, juntamente com o seu ethos manifestamente antigo, transmitem claramente que a religião cristã é anterior a nós, às nossas intenções, aos esforços e boas ideias, e que continuará até muito depois termos voltado ao pó. Quão melhor não é que os homens de hoje sejam, para variar, em vez de produtores, fabricantes e inventores, humildes mendigos chamados, pela graça da vontade de Deus, à esplêndida mesa do Rei? O celestial banquete das bodas já estava em pleno andamento quando chegámos e continuará, para sempre, connosco (se Deus quiser) ou sem nós.   

9. A Missa transcende a congregação dos fiéis. Teoricamente, cada Missa celebrada pelos mil milhões de católicos do mundo é o Sacrifício do Calvário. Agora, como a Missa nova é celebrada em centenas de idiomas, com muitos estilos que se contradizem mutuamente, muitas possíveis opções, os estilos locais sobrepõem-se à fórmula universal e pode-se dizer que existem tantas formas de liturgia quanto paróquias. Isto fomenta uma mentalidade provinciana negativa que divide os católicos em tribos e taifas, bem ao estilo dos milhares de seitas protestantes.

De um extremo ao outro da Terra, a Missa Tradicional em latim é celebrada com as mesmas orações ancestrais, no mesmo idioma universal e exactamente de acordo com as mesmas rubricas. À medida que as crianças crescem e viajam para além da localidade em que vivem, qualquer Missa em latim em que participem, noutras cidades ou países, fará com que compreendam palpavelmente a unidade e a universalidade da Igreja. Beneficiando-se das diversas culturas, a Missa de sempre transcende as fronteiras e as particularidades dos povos. A verdade é que este culto divino supranacional liga-nos organicamente a todas as gerações passadas e futuras até ao fim dos tempos. As suas frequentes invocações aos santos anjos, na maioria suprimidas no Novus Ordo, põem-nos em comunhão com os sublimes coros celestes que servem a Deus neste mundo, vivendo numa dimensão que transcende o mundo dos seres de carne e osso.         

10. A Missa é a escola suprema de oração. Há que reconhecer que, para isso, é necessária a ajuda dos pais, mas a liturgia tradicional em latim cria um ambiente ideal para despertar a vida interior da criança e oferece-lhes uma oportunidade para ficarem sossegadas e em silêncio e descobrirem o significado e a eficácia da adoração e dos demais actos de oração. Ninguém o expressou melhor do que o padre Bryan Hougton, escritor inglês cujo personagem literário, Edmund Forrester, descreve (de maneira obviamente autobiográfica) como aprendemos a rezar: «Aprendi as orações básicas no colo materno e continuo a rezá-las todas as noites. Mas aprendi a rezar quando me levavam à Missa, aos domingos, mesmo que não tivesse muita vontade. Ali, o pai e a mãe não eram os mesmos. Não se falavam nem olhavam. A mãe manuseava um terço, enquanto que o pai folheava um exemplar do devocionário Garden of the Soul, agora usado por um sobrinho meu. A minha irmã mais velha, Gertrude, que se tornou monja beneditina, permanecia de joelhos com o corpo erguido e os olhos quase sempre fechados. Se olhasse em volta, via o mesmo com os meus demais parentes e vizinhos. O que mais me chamava à atenção era que ninguém me prestava a mínima atenção. Se eu tentasse puxar a saia de minha mãe, ela gentilmente me apartava com a mão. Se tentasse subir para as costas de meu pai, ele pegava em mim e punha-me no chão. Isso também era estranho; embora eu usasse a roupa dos domingos, deixavam-me rastejar no chão desde que eu não fizesse barulho. Uma criança como eu, estava perfeitamente ciente de que algo importante estava a acontecer.    

Diante do altar estava o padre Grey, um ancião severo de quem me escondia, na casa-de-banho, sempre que nos visitava. Quando oficiava, usava umas roupas coloridas que lhe davam o aspecto de uma borboleta. Durante a maior parte do tempo, não dizia nada; olhava na direcção oposta e fazia tão pouco caso de meus pais quanto de mim.     

Não creio que foi demasiado precocemente, mas, certamente, era muito pequeno quando percebi que, na igreja, todas as pessoas presentes rezavam sem recitar orações, tal como eu. Como as crianças imitam o que vêem, eu também queria rezar sem rezar. Disse-o à minha irmã Gertrude e ela respondeu-me: “Tu, deixa-te estar sentado e sossegado. És muito pequeno para te ajoelhares. Mantém as mãos quietas sobre as pernas. Tenta não olhar para os lados e mantém os olhos fechados, se puderes. Depois, repete “Jesus”, na tua cabeça, lentamente mas sem parar. Quando se tiver que dizer “meu Senhor e meu Deus”, far-te-ei um sinal para que o digas comigo”.                

Eu diria que,
 mutatis mutandis, foi assim que aprendemos todos a rezar. A própria Missa foi a nossa escola de oração. Lá aprendemos a ser humildes e indiferentes ao que estava ao nosso redor, a recolher-nos e a aderirmos à Divina Presença. E era também na Missa que os fiéis simples se exercitavam na oração ao longo da vida. Embora não soubessem muita teologia, rezavam como, em muitos casos, não faziam os próprios teólogos. Além disso, os mais simples dentre eles chegavam a superar-me quanto à vida de oração e à santidade»[7].  

«Deixai as criancinhas e não as impeçais de vir a Mim», disse Nosso Senhor Jesus Cristo (Mt 19, 14).              

Deixemos que vão até Ele no tremendo mistério da Fé, o Sacrifício que une Deus ao homem. Deixemos que vão ao Seu Corpo e Sangue com a maior reverência. Que O contemplem nos ministros a quem chamou a ser outros Cristos para que a Sua obra continue nas mãos deles. Que as crianças tenham a oportunidade de reconhecer a santidade pela visão, pela audição e pelo olfacto, enquanto contemplam, ouvem e estão na casa de Deus e enquanto são repetidas, para deleite do Céu e aborrecimento do Inferno, as palavras que incontáveis 
​​santos proferiram e entoaram. Deixemos que as crianças se apresentem diante o Senhor, com solene alegria, para experimentar a paz que ultrapassa todo o entendimento. Deixemos que recebam, de Jesus, dons em abundância e, acima de tudo, o do Seu Corpo. Que saibam que se incorporam à presença de exércitos de anjos que adoram o Cordeiro degolado desde a criação do mundo.   

Não os impeçamos por causa de uma liturgia defeituosa e cheia de falsidades (como, por exemplo, que não há muita diferença entre a nave e o presbitério da igreja ou entre o sacerdote e os ministros extraordinários da Sagrada Comunhão para repartir os divinos mistérios). Não coloquemos obstáculos às crianças, cobrindo ou manchando a exclusiva dignidade das mãos do sacerdote, ungidas para tocar algo tão santíssimo como o Corpo e o Sangue de Cristo. Não os impeçamos de se voltarem para o Senhor por causa de alguns dos costumes que caracterizam o Novus Ordo, motivados por uma falsa teologia que descatequiza e recatequiza as crianças, reeducando-as, ao estilo soviético, num novo paradigma do catolicismo.              

Lex orandi, lex credendi, lex vivendi. A nossa maneira de rezar demonstra e ensina aquilo em que acreditamos, e tal, por sua vez, molda a nossa vida à imagem e semelhança disso. Que tipo de fé professamos e como é que vivemos a nossa vida católica? Nota-se observando a liturgia.          

Peter Kwasniewski 
(Tradução: Dies Irae)



[1] Antigamente, na liturgia pontifical, o sub-diácono segurava num pedaço da Hóstia consagrada. Mesmo depois de cair em desuso esse costume, o rito manteve o gesto que nos recorda a santidade de tudo o que está relacionado, mesmo no mais pequeno, com a Sagrada Eucaristia.
[2] Isto contribui, de facto, para a maior unidade do corpo dos crentes. A hierarquia e a unidade são correlativas, não se opõem entre si, como entende falaciosamente a democracia.
[3] Num artigo, que publiquei no blogue New Liturgical Movement, Is It Fitting for the Priest to Recite All the Texts of the Mass?, defendi esta prática, clara influência da Missa baixa sobre a Missa solene, um costume que a maioria dos liturgistas abomina.     
[4] A maneira em que o Novus Ordo combina a comunhão do sacerdote com a dos fiéis é prova da influência protestante. Como ensina a teologia católica, embora seja desejável que o maior número possível de fiéis receba a Comunhão (desde que estejam em estado graça e com as devidas disposições), só é imprescindível que o sacerdote o faça para que seja válida a celebração. Isto obedece a que o sacerdote, ao representar Cristo, representa todo o Corpo Místico, tanto a Cabeça como os membros; o Sacrifício da Cruz efectua-se por si mesmo antes que os seus frutos se comuniquem aos membros individuais da espécie humana.
[5] Estou farto de que nos digam, como se não o soubéssemos, que os cristãos do rito oriental celebram na sua língua vernácula. Para começar, isso não é totalmente verdade; muitos ritos orientais continuam a usar, no todo ou em parte, línguas litúrgicas arcaicas santificadas por séculos de uso constante. E, em segundo lugar, no Oriente sempre houve diversidade e adaptação linguística de uma maneira totalmente estranha à tradição ocidental que, durante 1600 anos, teve o latim como única e exclusiva língua litúrgica. Das duas, uma: ou essa exclusividade linguística foi vontade de Deus ou a Igreja de Roma está confundida há muito tempo, pelo que será melhor tornarmo-nos ortodoxos. Não me custa crer que se deve à vontade de Deus e que, no Rito Romano, mudar para línguas vernáculas foi um erro crasso de clérigos arrogantes e míopes.
[6] Ainda que, por vezes, se utilizem, nas celebrações do Novus Ordo, o latim e o canto gregoriano, é preciso ter presente algo fundamental: a beleza que a Igreja nos proporciona é, antes de tudo, a beleza do próprio rito, que se expande para abarcar e inspirar outras artes. O latim e o canto gregoriano foram criados para apoiar o rito tradicional; melhor, como o corpo que corresponde à alma; a sua grandeza está ligada à sua essência.
[7] Retirado do romance epistolar Mitre and Crook, publicado, pela primeira vez, em 1979.


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