quarta-feira, 2 de maio de 2007

Conto de Páscoa

Quando Pedro acordou notou logo que não estava em casa, onde se deitara na noite anterior. Aquilo parecia uma gruta, uma funda e escura gruta. O primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi: "Afinal Platão tinha razão: sempre estamos numa caverna!"

À medida que os seus olhos se habituavam, ia notando que por ali andava muita gente. Depois de interrogar alguns sem obter respostas, uma senhora idosa disse-lhe: "Estás aqui precisamente como no mundo de onde vieste. Um dia aparecestes lá, sem nunca saberes bem a razão! Porque te inquietas?" De uma forma bizarra esta explicação satisfazia-a. E aos outros também.

Toda a gente parecia muito ocupada. Havia que apanhar comida, confeccionar roupas e outros utensílios. Alguns dedicavam-se à recolha de diamantes, que serviam de moeda, outros à produção e manuseamento de cacetes e outras armas.

Pedro achava tudo aquilo surpreendente. Como podiam, sem saber o significado da sua presença ali, acomodar-se e não pensar nas questões decisivas? Talvez fosse isso que ele fizera toda a vida, mas agora, que tomara consciência da sua inconsciência, queria como Platão conhecer a razão da caverna.

De súbito, encontrou a resposta. Ou pelo menos a pista para a resposta. Tudo ali só era possível por causa da luz. Toda a vida da caverna dependia da iluminação mortiça que banhava o local. De onde vinha a luz que os alumiava? Se soubesse a resposta a isso, Pedro sentia que obteria a solução para todos os enigmas. Olhando com atenção notou que era de um corredor, uns três metros acima do chão, que entrava a claridade. Pedro sentiu então que a única coisa que interessava era seguir por ali e encontrar a origem da luz. A luz que dava sentido a tudo o mais. Perto do corredor estava um homem velho, que sorriu quando Pedro lhe explicou o que pretendia. "É curioso que queiras saber de onde vem a luz. Hoje, a maior parte dos que procuram respostas sente-se mais atraída pela escuridão ali do fundo."

"Mas como?", perguntou Pedro. "Que se pode descobrir no escuro? A escuridão não dá respostas." "Talvez", continuou o homem, "mas o mistério da sombra hoje é mais atraente. E tu, que esperas encontrar na fonte da luz?".

Pedro confessou-lhe que era cristão. A sua fé ensinava-lhe o que esperar no fundo do corredor. Ele estava convencido de que, se seguisse por ali, haveria de chegar a um túmulo vazio, com "os panos de linho espalmados no chão, e o lenço, que tivera em volta da cabeça, não no chão juntamente com os panos de linho, mas de outro modo, enrolado noutra posição" (Jo 20, 6-7) A porta desse túmulo daria para o Céu.

"Ah! Bem me parecia que o Céu tinha de entrar", riu o homem. "Ainda hoje a maioria dos que querem seguir pelo corredor acreditam nisso. Mas nenhum volta para confirmar que há um Céu. Eu pensei algum tempo como tu, mas acabei por me convencer de que a luz vem simplesmente da rocha. Tenho a certeza de que a luz da caverna está na própria caverna. Não é preciso procurar forças exteriores. Isso é superstição. Como podes provar que existe o Céu e a sua porta no túmulo vazio?"

Pedro ficou uns momentos pensativo e depois respondeu. "Não posso provar, como tu não podes provar a existência da rocha luminosa de que falas. Ambos vivemos na fé. A fé a que entreguei a minha vida diz-me que existe o Céu e o túmulo que lá conduz."

"Sim, todos vivemos na fé", respondeu o outro. "Mas a minha fé não precisa de histórias mirabolantes, de Deus criador e redentor. E se é tudo mentira? Já pensaste nisso? E se fazes a viagem sem encontrar nada?", perguntou o homem.

Pedro, depois de pensar ainda um pouco, respondeu: "Eu sei que é verdade. A certeza que tenho é bem real. Tenho o testemunho de milhões de santos que, entregando-se totalmente à luz do túmulo vazio, não só transformaram o mundo mas, mais importante, viveram vidas felizes e plenas. Essa é a minha certeza, que já começo a sentir na própria vida. Uma certeza muito mais valiosa do que qualquer prova que possas invocar."

"Mas, mesmo que fosse tudo mentira", continuou Pedro, "duas coisas não posso negar. Primeiro, a minha ânsia por essa luz. Toda a minha existência exige que procure a fonte da única coisa que lhe pode dar sentido. Além disso, a segunda verdade inegável é que não posso imaginar outra forma de viver que responda melhor à minha busca de felicidade. Mesmo que não chegue ao Céu, amar a Deus e ao próximo é a melhor forma de viver na Terra." E Pedro trepou para o corredor.


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8 comentários:

João Silveira disse...

Sei que não é de bom tom postar e depois comentar, mas não resisto a chamar a atenção para o último parágrafo deste conto. Estas duas verdades são o que nos faz acreditar em Deus, e não por tradição, ou vontade de sermos "bonzinhos".

Francisco X. S. A. d'Aguiar disse...

Porque é que a barra lateral está a aparecer lá em baixo de tudo?

Senzhugo disse...

É isso mesmo João.
Não quero ser bonzinho. Quando se é assim, é sinal que estamos claramente num mau caminho.
Ser de Cristo não é ser bonzinho ou certinho. Às vezes só reparamos que estamos a ser bonzinhos ou certinhos se alguém nos chamar a atenção, se alguém nos disser isso mesmo, e aí é hora de arrepiar caminho e ver o que falta:
Combater o bom combate.
Gosto mais de pecadores combatentes do que pecadores bonzinhos - sim, porque pecadores somos todos; mas combatentes...

Senzhugo disse...

ps - espero q se entenda q isto não é o elogio do pecado; quando se é virtuoso, não se está a pecar.

Tiago disse...

Fiquei todo arrepiado a ler isto enquanto ouvia a música do blog! Tá lindo, apetece-me mostrar isto a toda a gente e dizer para abrirem os olhos!

Duarte 16 disse...

Isto é mais para nós próprios abrirmos os olhos!
Mas sim, por alguma razão Jesus é o homem perfeito - todo o que viver como Ele realiza-se ao máximo!

João Silveira disse...

Senzhugo, tens toda a razão.

O que nos define é para onde queremos ir...

inêsr. disse...

(volta e meia volto a não conseguir comentar nem postar... parece que hoje dá!)

tiago (e todos) o segredo e o que devemos fazer é abrir o nosso coração!! tendo sempre presente a direcção do Caminho.

Francisco, não te preocupes se a barra lateral está em cima ou em baixo ou no meio... aproveita o conteudo deste blog!! ;p