sábado, 14 de maio de 2016

Barrigas de Aluguer: o testemunho de uma Mãe

Assim como chove lá fora, hoje também chove no meu coração.

No mesmo dia em que o Parlamento aprovou as "barrigas de aluguer" em Portugal. Ora o aluguer, como aprendi na faculdade de Direito, é uma forma de locação, quando esta incide sobre coisa móvel. E por locação entende-se o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. Só por isto poderíamos dizer, Dr. Passos Coelho: as barrigas não se alugam.

Mas a questão é bem mais radical. Em Agosto de 2010 soube que estava à espera da minha primeira filha. À espera não, porque na verdade ela já lá estava bem presente, e na segunda ecografia, com 8 semanas e picos, o coraçãozinho da Pilar já era bem audível, para sorriso rasgado do Pai e lágrimas descontroladas da Mãe. Durante 9 meses de enjoos, infecções sem fim, mais 26 quilos, noites sem dormir, dias inteiros só a dormir, aprendi a conviver com a minha bebé. Aprendi que sempre que ouvia os acordes de uma guitarra portuguesa, a Pilar saltava de alegria. E por isso, ao longo de 9 meses, muitas guitarradas lhe foram dedicadas. Aprendi que, sempre que me virava para dormir do lado direito, subia escadas a correr ou me enervava, a Pilar dava pontapés de insatisfação e só eu sabia disso, eu, a sua Mãe. Geri toda a alimentação para que nada lhe fizesse mal, porque uma Mãe quer o melhor para os seus filhos. 

A barriga cresceu, o resto também, e ao fim de 9 meses percebi a relação íntima que uma mulher tem com o seu útero. E depois de uma cesariana, ficaram ainda mais visíveis as marcas físicas da passagem do ser maravilhoso que é a nossa filha pelo meu corpo. Meu corpo? Meu não, dela, porque o meu útero foi feito para lá estarem os meus filhos, e o meu peito para os amamentar. Nós mulheres, somos veículos de Vida. E quando a Pilar nasceu, acalmava-se quando a encostava ao meu coração, porque estes foram os batimentos que ela se habituou a ouvir. 

A Pilar conhecia o meu cheiro e por isso, (e passados 8 meses ainda é assim), não há colo como o da Mãe. E esta relação de cumplicidade, esta experiência, única e irrepetível, não se aluga, nem se compra. Assim como não se alugam e não se compram os bebés. A partir do momento em que tratamos as crianças como meros objectos, coisas, para preencher um vazio numa relação, para completar a fotografia de família ou apenas porque lhes apetece ter algo para entreter, temos crianças adoptadas que são devolvidas às instituições porque, simplesmente, não tiveram boas notas, como se fossem cães que não tivessem atingido o objectivo dos seu treinadores. 

Assim, hoje, por estas crianças, e pelas que não nasceram porque não lhes foi dada sequer a oportunidade de viver, chove no meu coração.

Catarina Nicolau Campos


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3 comentários:

Unknown disse...

Catarina, Gostei muito do seu comentário.Verdade tudo isso que sentiu, eu também o senti aquando dos meus dois filhos. Aluguer é uma Palavra que deve ser substituida, porque pressupõe um pagamento.
Não se alugam "barrigas" efectivamente. É um assunto polemico, que me faz pensar, naquelas MULHERES que infelizmente não podem ter essa realização.
Durante alguns anos pensei ser o meu caso, é que infeliz me sentia, após algum tratamento consegui minha primeira filha, 6 ANOS depois um outro filho veio aumentam NOSSA alegria.
Por isso me questions. E se não é só para compôr o retrato de família? E se é para saborear um pouco a alegria de sentir aqueles braços nós apertarem e dizerem, Mãe.
As adoções não são solução, AINDA, porque a burocracia é demasiada.

Anónimo disse...

Porquê corrigir uma dificuldade - burocracia na adopção - com uma lei egoísta do ponto de vista da criança??
O nosso sofrimento não se pode curar à custa do sofrimento de outros!!!

Anónimo disse...

Para ler, assinar e divulgar

MANIFESTO POR UM VERDADEIRO DEBATE PÚBLICO SOBRE A LEI DA PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA E GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO:

https://docs.google.com/forms/d/1NKGbapaTVUJY-TL_W73S2HOBuFFvGZN37Cd1ntwNCL4/viewform?c=0&w=1