sábado, 26 de novembro de 2016

"Sejam cristãos o dia todo" - Irmã Guadalupe testemunha em Lisboa

A Irmã Maria de Guadalupe Rodrigo, religiosa argentina da Congregação do Verbo Encarnado, esteve na igreja da Encarnação no dia 23 de Novembro a dar um testemunho sobre os anos em que viveu na Síria. Começa por agradecer a presença de todos porque diz que uma das grandes dores da Síria, para além da guerra, é o silêncio e o abandono que sentem.

Esteve na Síria durante cinco anos, cinco anos de guerra. Conta ela que antes de ir para a Síria esteve doze anos em missão no Egipto, no fim dos quais já estava doente. Tendo em conta o estado de saúde em que se encontrava pediu aos seus superiores, em 2010, para ir para a Síria descansar. Queria ir para um sítio calmo e a Síria era um paraíso de convivência entre muçulmanos e cristãos, o lugar ideal para ir buscar forças depois de doze anos num sítio em que havia uma grande perseguição aos cristãos que eram uma minoria.

Passados uns meses de ter chegado a Alepo começaram a aparecer as chamadas manifestações pacíficas, por todo o mundo a comunicação social reportou-as como uma guerra civil em que o povo afirmava querer depor o seu governo ditatorial para poderem ter um democrático. Diz a Irmã, com toda a certeza, que eram ataques terroristas, que o povo estava contente com o governo que tinha há tanto tempo porque sabiam que era o único que conseguia dar estabilidade ao País.

Conta que, no primeiro ano, saíram milhares de pessoas às ruas a suplicar que fosse explicado que não era nada daquilo que eles queriam, que queriam continuar como antes. Mas o Ocidente desejava impor a sua forma de governo ao Médio Oriente e tudo o que o povo clamava era traduzido para todos de uma maneira completamente diferente; só quem lá estava percebia o que se passava na realidade, só quem testemunhava o dia-a-dia daqueles cidadãos compreendia o desespero que viviam. Afirma, convicta, que “temos de respeitar a soberania destes povos!

Diz ainda, desolada, que sabe que esta guerra foi decidida num escritório, por pessoas sedentas de poder, por aqueles que querem decidir o destino de todos os povos, por “pessoas de fora”. Os Bispos, desde o princípio, suplicavam pelo fim do financiamento de armamento, que, continuando, seria financiar um genocídio.

No primeiro ano de guerra, Alepo esteve cercada pelos terroristas que deixaram a população sem água, gás e comida. Estavam cinco milhões de pessoas encurraladas, pessoas estas que estavam habituadas a ter todos os confortos, que eram ricas e que, de um dia para o outro, ficaram sem nada. “Foi muito confuso, ninguém sabia por onde começar, ninguém sabia agir, mães que sempre tiveram quem lhes cuidasse dos trabalhos domésticos estavam na rua a tentar dar alguma coisa para comer aos seus filhos, foi muito triste”. De seguida começaram os ataques à cidade e ao país, os bairros católicos foram os mais castigados e 12 milhões de pessoas tiveram de fugir tornando-se refugiados. Reitera: “a única solução possível é o fim da «fábrica de refugiados» que é a guerra, é acabar com a perseguição aos cristãos”.

Salienta que até os muçulmanos que vivem na cidade estão preocupados com o desaparecimento dos cristãos porque sabem que são eles que mantêm o bom nível de ensino e os valores pessoais e culturais que lá não têm.

Apesar de todo o sofrimento vivido no país, diz que, para as Irmãs que lá estão, é um privilégio poder servir a Igreja sendo mártires, que é um presente de Deus. Agradece poder estar junto dos mártires nos dias antes das suas mortes, poder estar com eles todos os dias, “são os mártires dos nossos tempos, os santos dos dias de hoje; é um presente poder servi-los”. "Para nós é um privilégio estar na Síria e no Iraque todos os dias. Pensem no vosso santo mártir mais querido. Agora pensem que no século XXI existem santos mártires todos os dias. E nós estivemos ao lado deles, a acompanha-los. Há coisa melhor?" Há cinco anos que aquele povo vive com explosões diárias tendo que se habituar a conviver com a morte e a preparar-se, todos os dias, para morrer. Sempre que saem de casa para ir para a escola, para o trabalho ou simplesmente para ir à mercearia, despedem-se dos seus familiares como se não os fossem voltar a ver. Mas, apesar de tudo, continuam perseverantes na sua fé. A Irmã conta que na Páscoa e no Natal os ataques são mais fortes e que, mesmo sabendo disto, as igrejas estão sempre cheias porque estas pessoas “sofrem muito e por isso rezam muito e quando sofrem mais, rezam mais, rezam continuamente!” "Casamentos são a céu aberto porque as igrejas não têm tecto! A luz que entra é a do sol! Para casar são precisos os noivos e um padre. Tudo o resto é secundário."

Dá o exemplo de uma rapariga que lhe disse, com tristeza, que no Ocidente as pessoas andam preocupadas à procura de pokemons enquanto eles tinham que se preocupar a procurar familiares debaixo de escombros.

"As pessoas despedem-se todos os dias umas das outras. O pai que vai trabalhar despede-se. A mãe que vai ao pão despede-se. O filho que vai a escola despede-se. Porque podem não voltar."

Confirma que todos os dias se vêem coisas horrorosas mas que Deus vence sempre, há sempre milagres a acontecer à volta deles. Conta a história de um padre que ia ser morto enquanto o filmavam e que, no último instante, o assassino não o conseguiu fazer porque “sentiu uma força sobrenatural a puxá-lo para o sentido oposto”. 

Pede para que os cristãos perseguidos sejam um exemplo para nós: eles são cristãos 24 horas, em qualquer sítio, com quem quer que seja; sabem que são mártires; sofrem mas não se deixam ir abaixo porque sabem que lhes podem tirar tudo, mas que o céu ninguém lhos tira. Pede “que os cristãos perseguidos nos dêem um mote: ser cristãos o dia todo. Que se note que somos diferentes mesmo que por isso possamos ser perseguidos. Que estejamos apaixonados por Cristo. Apóstolos sem medo, manifestando-nós sem medo”. "No Egipto tatuam uma cruz para se distinguirem como cristãos. É incrível andar no autocarro e ver mais gente com esta cruz e pensar 'somos 4 neste autocarro. Somos imensos!' No Ocidente não falamos sobre isso. O que pensariam as pessoas? Vão dar conta que somos católicos? Parecemos uma Igreja clandestina... Parece que somos perseguidos."

Mostrando várias fotografias de jovens que convivem muito com as irmãs diz que eles têm uma alegria verdadeira e contagiante, que antes da guerra só se preocupavam com coisas materiais e fúteis e que hoje em dia só pensam no Céu, “eles têm a alegria do Céu”. Lembra-nos que eles convivem com a morte todos os dias e que, consequentemente vivem com a intensidade de quem sabe que vai morrer, eles fazem o que têm de fazer, sempre, para irem para junto de Nosso Senhor. "Estudam com velas porque só há 2 horas de luz por noite, formam-se e são felizes. Já há médicos que se estão a formar agora e que estudaram 5 anos com guerra, a luz das velas." Houve um ataque ao bairro da Irma Guadalupe e toda a gente pegou na mochila que têm sempre para as emergências: os estudantes levaram apontamentos para se sobreviverem poderem continuar os estudos. Cada dia é um dia.

Suplica-nos que aprendamos a sofrer e a oferecer o nosso sofrimento. Reitera que a saúde da alma é a única que verdadeiramente interessa e que temos de cuidar dela: "Claro que me preocupo que vás para a guerra. Mas o que me preocuparia mais seria se um filho meu morresse na alma" (mãe da Irmã Guadalupe sobre o facto de ela voltar para a Siria depois das férias na Argentina). Dizendo que para isso é preciso renúncia, sacrifício e abnegação. "Antes da guerra só nos preocupávamos com coisas ligeiras. E agora com a guerra demos importância ao que realmente interessa. Conviver com a morte tira-nos o medo de morrer. Mas estou feliz." "O que são 10 anos comparado com a eternidade?"

O que aquelas pessoas vivem não é algo de extraordinário, elas vivem o Evangelho. A perseguição faz parte da vida dos cristãos. O comportamento de um cristão choca com o Mundo e com os critérios mundanos e isso assusta os outros. Nosso Senhor disse: "vocês não são do mundo" mas eu escolhi-os tirando-os do mundo; por isso o mundo odeia-vos. O Mundo e o Evangelho não andam juntos e em todo o Mundo a Igreja e os seus valores são perseguidos. "Mesmo no Ocidente todos os dias a Igreja e os seus valores são perseguidos. Leis, notícias, opressão social..." Afirma que nós temos que analisar a nossa vida e ver o que estamos a fazer porque se estivermos conformados com o mundo não estamos bem.

Por fim pede-nos que não paremos de rezar: "No credo rezamos que acreditamos nas Comunhão dos Santos. Quer dizer que todos estamos ligados. Aproveitemos o sangue dos mártires."As vossas orações são a origem das graças que recebemos todos os dias. Nunca deixem de rezar. Obrigado!" E termina o testemunho cantando a mais antiga oração a Nossa Senhora em Siríaco:
"Sub tuum praesidium confugimus, Sancta Dei Genetrix. Nostras deprecationes ne despicias in necessitatibus nostris, sed a periculis cunctis libera nos semper, Virgo gloriosa et benedicta."

“À Vossa proteção nos acolhemos Santa Mãe de Deus. Não desprezeis as nossas súplicas nas nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita.”

Resumo por: Clara Goes


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1 comentário:

Anónimo disse...


Esta mulher é realmente contagiante, de um ânimo, força simplicidade tocantes. O seu testemunho foi maravilhoso e faz-nos rever a nossa fé e compreender a dimensão da união dos cristão do mundo inteiro onde as pequenas ou grandes diferenças se esfumam. Todo o seu discurso foi inquietante e comovente e as imagens projetadas também. É devastador ver um cristão amarrado a ser esfaqueado por cada um que passa até negar a sua fé ou converter-se a um credo que não é o seu. Oremos diariamente por todos os cristãos, especialmente os perseguidos