sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O ser humano é redimido pela cruz - Joseph Ratzinger

O ser humano é redimido pela cruz; o crucificado é, em sua abertura total, a verdadeira salvação do ser humano. Em outro contexto já tentamos explicar para mentalidade atual essa afirmação central da fé cristã. Analisando-a agora não pelo lado do conteúdo e sim a partir da estrutura, percebemos que ela exprime uma preferência pelo receber em detrimento do fazer e do realizar próprios quando está em jogo a razão última do ser humano.

Talvez se localize aí a diferença mais profunda entre o princípio cristão da esperança e o seu homônimo marxista. É verdade que o princípio marxista também baseia uma idéia de passividade, pois afirma que o proletariado sofredor será a salvação do mundo. Mas esse padecimento do proletariado que deverá desencadear a reviravolta de uma sociedade sem classes precisa realizar-se concretamente pela forma ativa da luta de classes. Essa é a única maneira de o padecimento se tornar "salvífico", destituindo do poder a classe dominante e introduzindo a igualdade de todos os homens.

Se a cruz de Cristo é um sofrer "em prol de", a paixão do proletariado é, na visão marxista, uma luta contra; se a cruz é essencialmente a obra do indivíduo em prol do todo, a outra paixão é essencialmente a tarefa que uma massa organizada em forma de partido realiza em proveito próprio. Vê-se, portanto, que os dois caminhos correm em direções opostas, apesar de estar próximos em seu ponto de partida.

Na perspectiva cristã é esta a situação de fato: o ser humano não chega verdadeiramente a si próprio por meio do que ele faz e sim por meio do que ele recebe. Ele precisa aguardar o dom do amor, pois o amor só pode ser recebido como dom. Não se pode "produzi-lo" sem a participação do outro; é necessário esperar até que o outro nos dê amor. E só existe uma única maneira de se tornar totalmente ser humano: ser amado, permitir que sejamos amados.

O facto do amor ser a maior possibilidade e a mais profunda necessidade do ser humano, e o fato de essa condição mais necessária ser ao mesmo tempo a mais livre e incoercível, significa que o ser humano necessita de um recebimento para ser "salvo". Quando ele se recusa a receber esse dom, ele destrói a si próprio. Uma atividade que se coloca a si mesma como absoluta e que pretende realizar a condição humana exclusivamente por suas próprias forças está em contradição com a sua natureza. Louis Evely conseguiu expressar essa verdade de uma forma esplêndida:

"Toda a história da humanidade foi desvirtuada e sofreu uma ruptura por causa da idéia falsa que Adão tinha de Deus. Ele queria ser igual a Deus. Espero que vocês nunca tenha identificado o pecado de Adão nessa pretensão... Não fora o próprio Deus que o convidara a pensar assim? Adão apenas se enganou no modelo. Ele pensou que Deus fosse um ser independente, autônomo, auto-suficiente; e foi para ser como ele que ele se revoltou e desobedeceu. Mas quando Deus se revelou, quando Deus quis mostrar quem ele era, ele se manifestou como amor, carinho, como derramamento de si próprio, como agrado infinito num outro. Afeto, dependência. Deus se mostra obediente, obediente até a morte. Pensando em tornar-se Deus, Adão se desvirtuou completamente dele. Ele se isolou na solidão, enquanto Deus era comunhão." in Introdução ao Cristianismo


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