terça-feira, 17 de abril de 2012

Nenhuma Colaboração com o Mal - Randall Smith

Há um ensinamento da Igreja Católica que tem sido mal citado recentemente. Trata-se da distinção entre cooperação “formal” e “material” com o mal. Alguns comentadores têm insistido vivamente em tentar convencer os católicos de que o decreto da Health and Human Services [que obriga todas as organizações, incluindo as religiosas, a fornecer aos seus funcionários seguros de saúde que cobrem serviços contraceptivos e abortivos] não levanta problemas morais porque financiar serviços contraceptivos é apenas uma cooperação “material” num mal e, segundo eles, a cooperação material não é problemática.

Nessa linha David Gibson, da Religion News Service, escreveu no USA Today a criticar os bispos pela sua continuada oposição ao decreto da HHS. “Isto é teologia moral básica”, afirma um teólogo, e “acho que os bispos e os seus consultores não pensaram muito bem os valores todos que estão em jogo”, diz outro.

Ambos falaram “sob condição de anonimato”, explica Gibson, “com medo de enfurecer a hierarquia num tema tão sensível”, porque como sabemos os teólogos morais dissidentes são pessoas muito acanhadas. O artigo chama-se “Objecção à contracepção chumba no raciocínio moral católico”.

Será verdade?

No que toca a “Teologia Moral Básica”, sobretudo no campo de cuidados de saúde, não há melhor fonte que o texto padrão “The Ethics of Health Care” (3ª Edição), pelos padres Benedict Ashley e Kevin O’Rourke, O.P. Eis o que eles dizem, para que fique claro:

Às vezes as pessoas cooperam com alguém que pratica um acto mau, aprovando o que ela faz ou, voluntariamente e com conhecimento participam do acto... Isto é cooperação formal num acto antiético e é sempre errado. Por outro lado, posso cooperar com alguém não porque aprovo ou coopero livremente, mas porque sou obrigado a isso... quando há coacção em jogo a cooperação é conhecida como material e pode ser de dois graus. Se o acto de cooperação for essencial para desempenhar o acto mau, então é cooperação material imediata. Se for uma cooperação acidental ou não essencial para o acto em si, então é cooperação material mediata.

Por exemplo, se uma pessoa trabalha numa clínica de aborto unicamente porque precisa de um emprego para sustentar a família, isso é cooperação material. Mas o grau de cooperação material depende da forma como se coopera com a pessoa responsável pelo mau acto. Se for o operador do aspirador que aborta os fetos, então é algo essencial para o acto mau que é o aborto, logo é cooperação material imediata. Este tipo de cooperação com o mal não é ético, mesmo que haja coacção.

Contudo, se o trabalho consistir em cuidar das mulheres depois de terem abortado, ou cortar a relva da clínica, então não se está a contribuir de forma essencial para o acto do aborto em si e isso seria um acto de cooperação material mediata. Por fim, a possibilidade de causar escândalo pode proibir mesmo actos de cooperação material mediata, uma vez que mesmo que o objecto moral do acto seja bom, pode conduzir outros a pecar.

Percebem a ideia? Mesmo a cooperação material mediata é de se evitar. Não há aqui nenhuma safa para uma consciência verdadeira.

Perguntei uma vez ao vice-presidente de uma grande farmacêutica, um bom católico e chefe de família, se alguma vez tinha enfrentado dilemas morais graves no seu trabalho. “Bom, havia uma bomba”, respondeu, “que podia ser usada para muitas coisas, mas toda a gente sabia que era principalmente usada para fazer abortos. Era uma coisa que me preocupava muito”.

“E então o que é que fizeste?”, perguntei. “Uma colega minha organizou um grupo de oração”, que se encontrava com regularidade para, como ele me disse, “rezar para que a bomba desaparecesse”. E a verdade é que o FDA [Federal Drug Administration] acabou por alterar as especificações da bomba e a empresa decidiu que era demasiado caro alterar as máquinas e por isso deixaram de a fabricar. Por vezes a solução mais prática é mesmo rezar.

Mas há outra história sobre essa bomba. Acontece que sempre que a linha de produção se avariava, levava muito mais tempo do que era habitual para arranjar. Por isso o patrão do meu amigo pediu-lhe para ir até à fábrica descobrir porquê. Quando ele perguntou ao gerente da fábrica este respondeu, um bocado envergonhado: “Ah, pois. Essa bomba! O meu chefe de manutenção é católico. Ele sabe para que é que a bomba é usada e recusa-se a trabalhar nela.” E não o fazia.

Reparem que o chefe de manutenção poderia ter escolhido considerar que o seu trabalho de reparação era meramente uma “cooperação material com o mal”, e assim passar ao lado da responsabilidade. Mas não o fez. Ele estava disposto a ser despedido mas, estranhamente, não foi. O gerente da fábrica não o despediu – podemos assumir que ele já tinha uma boa dose de credibilidade em termos de honestidade, decência e trabalho bem feito. O vice-presidente católico que me contou a história não insistiu no assunto e o presidente a quem reportou deve ter reclamado mas, por alguma razão, também deixou passar. Eventualmente Deus interveio e fez com que a bomba desaparecesse.

As coisas poderiam ter sido diferentes, claro. O homem da manutenção estava a colocar muita coisa em risco: o seu rendimento, dinheiro para a sua família, a sua reputação. Sempre considerei a sua coragem uma fonte de humildade.

Mas lembremo-nos que, durante o holocausto, um homem operava os comboios, outro abria as portas e outro mandava entrar os prisioneiros, de modo que nenhum deles se tinha de responsabilizar pelo mal que estava a ser feito. Aqueles que quiserem violar a sua consciência procurarão primeiro desinformá-la e depois calar a sua voz.

É bom que comecemos a pensar no tipo de sacrifícios que vamos ter de fazer nos próximos anos. Depois talvez devêssemos duplicar essa estimativa e rezar pela graça de nos mantermos fiéis quando chegar a hora.


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