sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Tempo de compromisso no mundo para os cristãos - Bento XVI

"Dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", foi a resposta de Jesus quando lhe foi perguntado o que pensava sobre o pagamento dos impostos. Aqueles que o interrogavam, obviamente, queriam colocá-lo numa armadilha. Queriam forçá-lo a tomar posição no debate político sobre o domínio romano na terra de Israel. E tinha ainda mais em jogo: se Jesus era realmente o Messias esperado, então certamente ele teria ficado contra os dominadores romanos. Portanto a pergunta estava pensada para desmascará-lo como uma ameaça ao regime ou como um impostor.

A resposta de Jesus leva habilmente a questão para um nível superior, colocando, com finura, em guarda seja com relação à politização da religião seja com a deificação do poder temporal, como também da incansável busca da riqueza. Os seus ouvintes deviam compreender que o Messias não era César, e que César não era Deus. O reino que Jesus vinha instaurar era de uma dimensão absolutamente superior. Como respondeu a Pôncio Pilatos: “O meu Reino não é deste mundo”.

As narrações de Natal do Novo Testamento têm o objectivo de expressar uma mensagem semelhante. Jesus nasce durante um "censo de todo o mundo", querido por César Augusto, o imperador famoso por ter levado a Pax Romana a todas as terras submetidas ao domínio romano. No entanto, esta criança, que nasceu em um canto obscuro e distante do império, estava prestes a oferecer ao mundo uma paz muito maior, verdadeiramente universal no seu propósito e transcendente de todos os limites de espaço e tempo.

Jesus é-nos apresentado como o herdeiro do Rei David, mas a libertação que Ele trouxe para o seu povo não era a de ter sob vigilância os exércitos inimigos; tratava-se, pelo contrário, de vencer para sempre o pecado e a morte.

O nascimento de Cristo desafia-nos a repensar as nossas prioridades, os nossos valores, o nosso modo de vida. E enquanto o Natal é certamente um momento de grande alegria, é também uma ocasião de profunda reflexão, ou melhor, de um exame de consciência. No final de um ano que significou privações económicas para muitos, o que podemos aprender da humildade, da pobreza, da simplicidade da cena do presépio?

O Natal pode ser o momento em que aprendemos a ler o Evangelho, a conhecer a Jesus não só como o Menino da manjedoura, mas como aquele em que nós reconhecemos o Deus feito Homem.

É no Evangelho que os cristãos encontram inspiração para a vida cotidiana e para o seu envolvimento nos assuntos do mundo - quer isso aconteça no Parlamento ou na Bolsa. Os cristãos não deveriam fugir do mundo; pelo contrário, deveriam comprometer-se com ele. Mas o seu envolvimento na política e na economia deveria transcender toda a forma de ideologia.

Os cristãos combatem a pobreza porque reconhecem a dignidade suprema de todo ser humano, criado à imagem de Deus e destinado à vida eterna. Os cristãos trabalham para uma partilha equitativa dos recursos da terra porque estão convencidos de que, como administradores da criação de Deus, nós temos o dever de cuidar dos mais frágeis e dos mais vulneráveis. Os cristãos se opõem à ganância e à exploração convencidos de que a generosidade e um amor que esquece de si, ensinados e vividos por Jesus de Nazaré, são o caminho que conduz para a plenitude da vida. A fé cristã no destino transcendente de todo ser humano implica a urgência da tarefa de promover a paz e a justiça para todos. 

Porque tais objetivos são compartilhados por muitos, é possível uma grande e frutuosa colaboração entre os cristãos e os outros. E no entanto, os cristãos dão a César só o que é de César, mas não o que pertence a Deus. Por vezes, ao longo da história, os cristãos não puderam aceder aos pedidos feitos por César. Do culto ao imperador da Roma antiga até os regimes totalitários do século XX, César tentou tomar o lugar de Deus. Quando os cristãos se recusam a se curvar diante dos deuses falsos propostos em nossos tempos não é porque eles têm visões ultrapassadas do mundo . Pelo contrário, isso acontece porque eles são livres das amarras da ideologia e animados por uma visão tão nobre do destino humano, que não podem aceitar compromissos com nada que o possa prejudicar.

Na Itália, muitos presépios são adornados com ruínas das antigas construções romanas no fundo. Isso mostra que o nascimento do menino Jesus marca o fim da velha ordem, o mundo pagão, no qual os pedidos de César pareciam impossíveis de desafiar. Agora há um novo rei, que não confia na força das armas, mas no poder do amor. Ele traz esperança a todos aqueles que, como ele mesmo, vivem à margem da sociedade. Traz esperança para aqueles que são vulneráveis ​ às instáveis sortes de um mundo precário. Da manjedoura, Cristo nos chama a viver como cidadãos do seu reino celestial, um reino que todas as pessoas de boa vontade podem ajudar a construir aqui na terra. 

in Financial Times


blogger

Sem comentários: