A Transmissão Textual do Novo Testamento
Breve refutação do livro 'O Último Segredo' de José Rodrigues dos Santos
Breve refutação do livro 'O Último Segredo' de José Rodrigues dos Santos
Nós cristãos devemos olhar para Jesus tal como Ele é, para além de verdadeiro Deus, olhá-lo como um verdadeiro homem, que lia livros, que rezava, que corria, que trabalhava, entre outras coisas próprias do seu tempo.
Jesus não jogava Playstation, mas se calhar já jogava às escondidas com os amigos; não lia o Senhor dos Aneis, mas se calhar leu escritores do seu tempo, entre eles a Sagrada Escritura, ...
Jesus não jogava Playstation, mas se calhar já jogava às escondidas com os amigos; não lia o Senhor dos Aneis, mas se calhar leu escritores do seu tempo, entre eles a Sagrada Escritura, ...
É também desta maneira que devemos olhar para a Bíblia, como um conjunto de livros escritos em anos específicos e em culturas específicas. E, ainda que eles revelem a verdadeira Palavra de Deus, este Deus quis que as Suas palavras ficassem escritas desse modo.
O artigo do SNPC* fala numa ciência chamada Crítica Textual, que tem como campo o estudo de textos antigos, da Grécia e Roma antigas, por exemplo, mas também o Novo Testamento, que é o conjunto de textos (Evangelhos, cartas, ...) cuja historicidade o José Rodrigues dos Santos põe em causa.
A maneira de estudar qualquer um destes textos é analisando as cópias dos originais que, no fundo, foi o que nos chegou até aos dias de hoje. Sim, é verdade, por enquanto não se conhecem os originais dos Quatro Evangelhos, mas conhecem-se muitas e muitas cópias, cópias muito muito próximas dos originais.
Não sei se as pessoas têm noção mas pôr em causa a historicidade do Novo Testamento é pôr em causa a validade de TODOS os documentos históricos até ao século IX mais ou menos. Por exemplo, duvidar de que Jesus morreu ou que profetizou a Sua morte antes de ela acontecer é o mesmo que duvidar das conquistas de Alexandre o Grande.
Na verdade é ainda mais grave.
Das obras literárias que se conhecem da Grécia e Roma antigas (antes de Cristo), as cópias/manuscritos mais recentes que se conhecem remontam ao século IX depois de Cristo. Quanto muito há um ou outro documento que temos, mas é do século IV depois de Cristo. Vejam a centena de anos que vai desde o manuscrito mais antigo que conhecemos até ao tempo do original.
E os manuscritos que conhecemos destas obras clássicas são muito poucos, não existem mais de 30 manuscritos no mundo inteiro de cada obra dessas. E este já é um número altíssimo.
(Eu posso dar os números em concreto, a quem quiser)
Agora vejam o número de manuscritos do Novo Testamento que a arqueologia conhece actualmente:
- Início do Século II: 2 manuscritos
- Final do Século II: 5 manuscritos
- Século III: 29 manuscritos
Nem vale a pena continuar pelos séculos, que o número de papiros só aumenta.
Não há nenhum texto tão bem comprovado historicamente como o Novo Testamento. E também não há nenhum tão estudado.
Intelectualmente, se eu puser a sua veracidade em causa, não posso acreditar em nada da Grécia e Roma antiga, entre tudo o resto.
Para perceberem a amplitude disto, é importante saber que todos os anos são descobertos cerca de 40kg de papiros só no Egipto. Não fazemos ideia do que isto é, de tanto peso. O processo de tratamento de cada papiro descoberto é muito lento, muitos vêm dobrados, é preciso tratá-los em salas escuras especialíssimas com produtos próprios, é bem capaz de demorar pouco menos de um ano analisar cada papiro.
Passado todo este tempo verifica-se que a maior dos parte dos papiros tem apenas coisas do género "O João comprou uma maçã ao Manel". No entanto, de vez em quando, lá aparece uma parte ou outra dos Sagrados Evangelhos. Felizardo do arqueólogo que os descobre!
É óbvio que entre todos estes manuscritos, que são cópias dos Evangelhos originais, existem variantes acrescentadas pelos copistas, mas a maior parte delas são vírgulas, ou casos em que o manuscrito que se conhece era de um leccionário, portanto tem um "Naquele tempo" a mais ou coisas do género.
De qualquer forma, nenhuma das alterações entre as cópias conhecidas implica uma alteração na Doutrina Católica.
Só para terem noção que isto está mesmo mesmo bem comprovado e estudado, num nível de estudo acima de qualquer outro documento da história da humanidade, existe uma edição do Novo Testamento muito conhecida entre aqueles que sabem disto chamada Novum Testamentum Graece, vulgarmente conhecida como a edição "Nestle-Aland".
"Nestle" e "Aland" são os apelidos dos senhores que começaram a edição crítica do Novo Testamento, em 1898.
Esta edição crítica contém o Novo Testamento todo no grego antigo original em que foi escrito. É uma edição crítica porque cada versículo tem em nota todas as variantes que existem desse versículo noutros manuscritos.
Se carregarem na imagem dá para ver em maior aproximação.
Esta é uma versão do Nestle-Aland com o inglês, para além do grego. Nesta imagem dá perfeitamente para ver o texto da carta de S. Paulo aos Coríntios em grego antigo, tal como se acha que S. Paulo a escreveu. Em baixo, nas notas, tem para cada versículo as variantes que existem noutros manuscritos. Óbvio que nem todos os versículos têm variantes...
Para tentarem perceber a imagem saibam, por exemplo, que as letras maiúsculas que aparecem lá para o meio das notas são as referências dos outros manuscritos onde estão as respectivas variantes.
Eis uma comparação entre dois manuscritos da mesma parte do Evangelho segundo S. Mateus:
Se carregarem na imagem podem ver um zoom.
Em Mat.1:6, por exemplo, vê-se bem a diferença entre as palavras.
Esta análise textual do Novo Testamento é uma coisa recente (≃século XIX), assim como a própria arqueologia. Muitas destas descobertas levaram a Santa Sé a fazer uma revisão do texto latino da Bíblia conhecido por Vulgata, usada desde o século V. A Neo Vulgata entrou em uso em 1979, sob o pontificado do Beato Papa João Paulo II.
Actualmente, em pleno século XXI, existem vários institutos académicos cujo objectivo é apenas o estudo da origem histórica do Novo Testamento.
Um deles é a Pontifícia Comissão Bíblica, da Congregação para a Doutrina da Fé, que tem uma vertente muito mais teológica, como é normal.
Dada a sucessiva descoberta de pergaminhos com o passar dos anos, o Papa João Paulo II pediu a esta Comissão para escrever um documento sobre como a Igreja Católica interpreta e deve interpretar a Bíblia, documento este que é referido no artigo do SNPC.
Já agora, sai uma nova edição do Nestle Aland, com coisas novas, praticamente todos os anos.
Tudo isto mostra a extraordinária veracidade do Novo Testamento como um livro histórico.
Não sei quais as conclusões todas que o José Rodrigues dos Santos tira no livro dele, O Último Segredo, mas sei que quase todos os argumentos dele jogam com esta questão das traduções.
No entanto, como disse, nenhuma variante altera o magnífico e verdadeiro Depositum Fidei da Igreja Católica e, portanto, de Deus.
No entanto, como disse, nenhuma variante altera o magnífico e verdadeiro Depositum Fidei da Igreja Católica e, portanto, de Deus.
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*Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura. O artigo a que me refiro é este:
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