domingo, 23 de março de 2014

Primeira entrevista a Bento XVI, Papa emérito


Desta vez, o Papa Francisco conseguiu. Bento XVI aceitou dar uma entrevista ao jornalista Wlodzimierz Redzioch, para um livro dedicado a João Paulo II. É um facto consumado. A entrevista já foi gravada e o texto já está na gráfica.


A editora garante que o livro vai estar em todas as bancas de Itália a tempo da canonização de João Paulo II, a 27 de Abril, e neste momento os jornalistas já têm autorização para espreitar as 256 páginas do livro. Isso quer dizer que os leitores deste jornal também estão autorizados a espreitar. Se gostam de leituras indiscretas, é só pedir.

Além da entrevista a Bento XVI, o livro reúne histórias únicas, verdadeiramente impressionantes, das pessoas mais próximas de João Paulo II. Mas como o espaço não dá para tudo, falemos só de Bento XVI.

Nos anos 60, o Bispo Karol Wojtyla e o Pe. Joseph Ratzinger estiveram no Concílio Vaticano II e trabalharam até no mesmo documento, a Constituição pastoral «Gaudium et spes», mas o Concílio era tão grande que nunca se encontraram.

Na década seguinte, já tinham lido trabalhos um do outro, e queriam conhecer-se pessoalmente, mas as oportunidades falhavam. Cruzaram-se finalmente no conclave que elegeu João Paulo I mas, logo a seguir, quando os bispos polacos foram à Alemanha, João Paulo I escolheu o Cardeal Ratzinger como seu representante pessoal para ir à República do Equador... e perdeu-se mais uma oportunidade.

Ratzinger recorda a categoria intelectual de Wojtyla, nos encontros prévios ao conclave de 1978. «Mas, sobretudo, − diz Bento XVI − imediatamente percebi com força o fascínio da sua personalidade e, vendo-o rezar, dei-me conta de que vivia profundamente unido a Deus».

Um capítulo divertido são os convites de João Paulo II, recém-eleito, pedindo a Ratzinger que fosse para Roma e as desculpas que ele dava, para não ir. Em 1980, perante a insistência de João Paulo II, Ratzinger começa finalmente a perceber que devia obedecer ao Papa, mas ainda pôs uma última condição, que lhe parecia impossível de aceitar. Só que João Paulo II concordou! E deste modo começou uma colaboração estreitíssima, durante mais de 20 anos.

Reuniões todas as semanas, almoços de trabalho que eram ao mesmo tempo momentos aprazíveis de amizade... Quantos projectos desenvolvidos em conjunto! Ainda por cima, João Paulo II conhecia muito bem a literatura alemã contemporânea, o que fazia as delícias do Cardeal Ratzinger. 

Salto as recordações de Bento XVI sobre os temas que teve de afrontar, por encargo e sob a orientação de João Paulo II: os equívocos da teologia da libertação, as dificuldades do ecumenismo, os assuntos de Moral, de Sagrada Escritura... Salto também a síntese que faz do magistério de João Paulo II. E os aspectos mais espirituais que Bento XVI testemunhou, relacionados com a Eucaristia, o sacerdócio e a devoção a Nossa Senhora... que o convenceram de que João Paulo II era verdadeiramente um santo.

Destaco apenas um pequeno parágrafo, a meio de uma resposta:

− «[João Paulo II] era de uma bondade extraordinária e de uma enorme compreensão.

Muitas vezes teria tido motivos suficientes para culpar-me ou para pôr fim à minha função de Prefeito [da Congregação para a Doutrina da Fé] e no entanto apoiou-me sempre com uma fidelidade e uma simpatia absolutamente inexplicáveis. Deixe-me dar-lhe um exemplo. Depois da agitação que a Declaração “Dominus Iesus” originou, disse-me que, na alocução do “Angelus”, ia defender inequivocamente o documento. Pediu-me que escrevesse um texto firme, definitivo, que eliminasse qualquer margem para dúvidas. Ele queria que ficasse perfeitamente claro que aprovava incondicionalmente o documento. Preparei um breve discurso, evitando ser demasiado brusco, procurando ser claro, sem dureza. Quando o leu, o Papa ainda me perguntou: “Isto é suficiente para acabar completamente com as dúvidas? ”. Eu achei que sim. (...) Mas, houve logo quem dissesse que o Papa tinha querido distanciar-se do texto».

Afinal, cabem mais duas linhas:

− «A minha recordação de João Paulo II é plena de gratidão. Não podia nem devia tentar imitá-lo, mas procurei continuar a sua herança e a sua missão o melhor que pude. Por isso estou seguro de que ainda hoje a sua bondade me acompanha e a sua bênção me protege».

José Maria C. S. André in Correio dos Açores (16/III/2014)


blogger

Sem comentários: