quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Educar no pudor (2): A infância e a adolescência

(A primeira parte do artigo, referente aos primeiros anos, pode ser encontrada aqui)

A adolescência é uma etapa fundamental na vida de cada pessoa. É necessário sentir a liberdade e ao mesmo tempo é preciso sentir-se ligado aos outros. A educação nesta etapa é diferente. 

O período que vai, aproximadamente, entre os sete e os doze anos – quando já começam a aparecer algumas características da adolescência –corresponde à época mais suave do crescimento para pais e filhos, sobretudo se a educação foi previamente bem conduzida. O filho ou a filha já é capaz de tratar por si só dos seus assuntos, mas conta muito com os pais e costuma confiar-lhe todas as suas coisas. Há um verdadeiro interesse de saber, de apagar qualquer incógnita. E, quando se utilizam as palavras adequadas, compreendem muito bem o que se lhes transmite. 

Essa relativa tranquilidade não deve ser desculpa para descuidar a tarefa educativa, pensando, talvez, que as coisas vão bem por si próprias. Deve ser, pelo contrário, a época em que se consolidam na cabeça as ideias e os critérios que configurarão a sua vida no futuro. Poderia dizer-se que é o momento de explicar tudo, adiantando-se mesmo àquilo com que se enfrentarão mais tarde. 

Os anos suaves 

Chegaram os anos já adequados para explicar aos filhos não somente as manifestações do pudor, mas o seu próprio sentido. Entenderão, por exemplo, que a roupa não só tapa o corpo, mas também que veste a pessoa, que mostra como nos queremos dar a conhecer, que representa o respeito que pedimos e que damos. 

Simultaneamente, os filhos devem aprender a administrar a sua intimidade, de forma que só a descubram na medida adequada e diante das pessoas adequadas. A prudência – é a virtude aqui em jogo – adquire-se com a retidão, a experiência e o bom conselho e nesta aprendizagem os pais têm muito a dizer. Os filhos esperam deles uma relação de confiança, um interesse e uma orientação que os faça sentir mais seguros neste incipiente desenvolvimento da personalidade. Ratificando ou corrigindo, conforme os casos, aprendem o que é que se deve confiar, a quem e porquê.

O risco que existe nestas idades é que o interesse em aprender derive para uma curiosidade indiscriminada, por vezes indiscreta; e num desejo de experimentar novidades, também com o próprio corpo. Daí a importância de que os pais dêem importância a todas as perguntas que lhes possam formular, sem se escapulir ou deixá-las para um futuro incerto, e lhes dêem resposta de modo adequado à sensibilidade dos filhos. Por exemplo, estas idades são o momento certo para a educação afetiva bem entendida. No lhes mintais: eu matei todas as cegonhas. Dizei-lhes que Deus se serviu de vós para que eles viessem à terra, que são o fruto do vosso amor, da vossa entrega, dos vossos sacrifícios... Para isso tendes de ser amigos dos filhos, dar-lhes pé para que falem das suas coisas confiadamente [1]. Neste contexto transmite-se o valor do corpo humano e a necessidade de o tratar com respeito, evitando tudo o que leve a considerá-lo como um objecto, seja de prazer, de curiosidade ou de brincadeira.

Convém também antecipar-se aos acontecimentos, explicando as mudanças corporais e psicológicas que lhes aparecerão com a adolescência, que saberão, assim, aceitar com naturalidade quando chegar o momento. Tem de se evitar que rodeiem esta matéria de malícia, que aprendam algo – que é em si mesmo nobre e santo – de uma má confidência de um amigo ou de uma amiga [2]. Também aqui deve imperar o sentido positivo. Sem omitir a referência aos perigos de um ambiente permissivo, de que de resto as crianças costumam aperceber-se logo em idades precoces, trata-se de encarar a questão como uma oportunidade de crescimento para as suas almas e os seus corpos, se sabem esforçar-se por reagir positivamente perante estímulos negativos. O pudor constituirá – já o constitui – uma efectiva defesa e ajuda para guardar a pureza do coração.

Os anos difíceis 

Os anos correspondentes ao início da adolescência, e à própria adolescência, são, no tema que nos ocupa, mais difíceis para os pais. Em primeiro lugar, porque os filhos se tornam mais defensores da sua intimidade. Às vezes adotam também atitudes contestatárias, que podem parecer não ter outro motivo que não seja o de ser do contra. Isto pode causar um certo desconcerto nos pais, que intuem – com razão – que parte da sua intimidade já não a partilham com eles, mas com os amigos ou amigas. São também desconcertantes as alterações do humor; os filhos passam de momentos em que exigem que ninguém entre no seu mundo, para outros em que reclamam uma atenção talvez desproporcionada. É importante saber detectar estes últimos e fazer o possível por escutá-los, pois não se pode saber quando se apresentará a oportunidade seguinte. 

Estes desejos de independência e intimidade não são apenas necessários; são também uma nova oportunidade para fomentar o crescimento da sua personalidade. Os adolescentes têm especialmente a necessidade de cultivar espaços de intimidade e devem aprender a mostrá-la ou a reservá-la de acordo com as circunstâncias. A ajuda que os pais lhes podem dar neste campo consiste, em grande parte, em saber ganhar a sua confiança e saber esperar. Estar disponíveis e interessar-se pelas suas coisas, e saber aproveitar esses momentos – sempre os há – em que os filhos os procuram ou em que as circunstâncias exigem una conversa. 

A confiança ganha-se, não se impõe. Menos ainda se consegue espiando os filhos, lendo as suas agendas ou diários, escutando o que falam com os amigos, ou entrando em contacto com eles – usando uma identidade falsa – através das redes sociais. Embora alguns pais pensem que o fazem para seu bem, intrometer-se desse modo na intimidade dos filhos é o melhor modo de arruinar a confiança mútua e, em condições normais, é objectivamente injusto. 

As características enumeradas anteriormente têm como efeito que os adolescentes se olhem muito a si próprios, de todos os pontos de vista, entre os quais ocupa um lugar relevante o físico. Daí tem de se deduzir que o primeiro pudor que convém ajudá-los a cuidar se refere a eles próprios. Isto sucede tanto com as raparigas como com os rapazes, ainda que, em cada caso, com matizes diferentes. Nelas, a tendência é de se compararem com modelos estéticos que apreciam e sentirem-se atraentes para o outro sexo. Neles, domina mais o desejo de serem vistos como desenvolvidos e bem constituídos diante dos seus companheiros, sem que também não falte o desejo de serem admirados pelas raparigas. Grande parte deste narcisismo juvenil pratica-se sem testemunhas, mas se se observar com atenção será fácil ver algum sintoma desta atitude, como por exemplo quando eles não são capazes de resistir a contemplarem-se diante de algo que reflicta a sua imagem, mesmo que seja ao ir pela rua; ou, nas raparigas, a obsessiva pergunta acerca de como lhes fica o que vestem. 

Pensar que «são coisas da idade» e que já lhes passarão, para inibir-se, suporia uma desfocagem da questão. São, evidentemente, coisas da idade mas, por isso mesmo, devem ser educadas. A adolescência é a idade em que despertam os grandes ideais e estes devem ser fomentados. Os filhos compreendem com relativa facilidade que esses ensinamentos acabam por os impedir de ver as necessidades dos outros. E a partir daí, podem apreciar que o pudor consigo próprios – cuidar do próprio corpo, mas sem excessos; evitar curiosidades malsãs, etc. – é um requisito para ter o coração generoso que desejam ter. 

Modéstia e moda

O remédio não está em isolar os filhos do grupo: necessitam dos seus amigos ou amigas, também para amadurecer. O que é preciso é ensinar a ir contracorrente. E há que saber fazê-lo. Se o filho ou a filha se escudam em que todos os seus amigos «andam assim», os pais, em primeiro lugar, devem explicar-lhes a importância de valorizar a sua própria personalidade e ajudá-los a que tenham boas amizades; e, em segundo lugar, devem procurar estabelecer, eles próprios, amizade com os pais dos amigos, para assim se porem de acordo neste e noutros assuntos.

Em todo caso, não se deve ceder. Qualquer forma de vestir que seja contrária ao pudor ou a um elementar bom gosto não deve entrar no lar. Os pais devem estar atentos e, quando chegar o momento, falar com os filhos, com serenidade, mas com firmeza, e dando-lhes as razões do seu comportamento. Se durante a infância combina que quem explicasse estes temas fosse o pai ao filho e a mãe à filha, agora – em muitas ocasiões – costuma ser oportuno que também intervenha o outro. Assim, por exemplo, diante de uma filha adolescente que não entende porque não deve utilizar uma roupa que a exibe demasiado, o seu pai pode contribuir para o que, talvez, não compreenda: que dessa maneira atrai os olhares dos rapazes, mas de modo algum o seu apreço.

Como noutros assuntos, pai e mãe podem contar aos filhos, de uma forma prudente, as lições que eles próprios aprenderam quando eram adolescentes, bem como o que verdadeiramente procuravam na pessoa com que pensavam que poderiam partilhar a sua vida. São conversas que porventura, num primeiro momento, parecem não ter muito efeito, mas que a longo prazo têm, e os filhos acabam por agradecê-las.

Quando falamos da formação no pudor, a tarefa dos pais deve também estender-se, na medida das suas possibilidades, ao ambiente em que os filhos se movem. Uma primeira manifestação é a escolha dos lugares de férias. Em muitos países, as praias no verão são pouco aconselháveis; mesmo quando se põem meios para evitar um panorama pouco edificante, o clima geral é tão descuidado que dificulta o decoro. Analogamente, se se inscreve o filho nalguma atividade recreativa ou num acampamento, seria absurdo não se informar bem dos meios que os organizadores disponibilizam para que o tom humano seja elevado.

Outro campo que é necessário ter em conta é o dos lugares de diversão dos filhos, sobretudo porque a pressão do grupo é mais forte na adolescência. É importante que os pais conheçam os locais por onde se movem os jovens, e que procurem dar alternativas pondo-se de acordo com outros pais. Um terceiro local, têm-no mais à mão: o quarto dos filhos. É normal que queiram colocar elementos decorativos a seu gosto, mas essa independência deve ter um limite marcado, sobretudo, pela dignidade do que se quer colocar.

De resto, é lógico que alguma vez os pais encontrem resistências nos filhos, pela natural tendência dos adolescentes para querer afirmar a sua independência dos pais e dos adultos em geral e pela sua falta de experiência. Muitas vezes uma desobediência – não é possível, nem desejável, controlar tudo – traz consigo uma lição e com ela um aviso que se tem de saber aproveitar. Quando acontece uma dificuldade, não há que perder a serenidade. Talvez os pais tenham assim aprendido, mais do que uma vez, quando tinham a idade dos filhos. A ação educativa requer sempre uma grande dose de paciência, especialmente em âmbitos como este, em que os critérios que se lhes quer transmitir podem parecer, num primeiro momento, exagerados aos jovens . Já chegará o tempo em que eles os entenderão melhor e os assumirão como próprios, sempre e quando não falte a insistência – com carinho, bom humor e confiança – por parte de uns pais convencidos de que vale a pena educar assim.

J. De la Vega in opusdei.pt

[1] S. Josemaria, Pregação oral, recolhida por Carlos Soria em “Maestro de buen humor”, ed. Rialp, Madrid, p. 99.

[2] Temas actuais do cristianismo, n. 100.


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