Vittorio Messori, jornalista famoso em matérias relacionadas com a Santa Sé, entrevistou em tempos Umberto Eco. A entrevista focou-se sobretudo no facto de Umberto Eco ter deixado de ser Católico.
Agora, depois de Eco morrer, Messori escreveu um texto sobre essa entrevista.
Fica marcada a forma como Umberto Eco encarava a morte. Ao contrário de muitos católicos, que não aceitam a doutrina da Igreja, Umberto sabia que não iria mudar a sua opinião diante de Deus após a morte - antes pelo contrário, iria mantê-la para sempre. E isto é precisamente o que acontece: quem não acreditou em Deus até morrer, não passará a acreditar depois de morrer.
O intelectual formado no culto cristão que aterrou numa posição relativista:
Encontrando-o, entrevistando-o, lendo-o, não posso fugir a uma espécie de lamento. Justamente porque lhe admirava muito a inteligência, a cultura, o estilo, a ironia, o savoir vivre, senti (e disse-lhe também uma vez, recebendo um sorriso enigmático), senti a tristeza do crente diante de um homem que falava da sua "definitiva apostasia" de qualquer fé religiosa, a começar obviamente pela Católica. Um jovem que foi dirigente da Giac, a juventude de acção católica, um homem que aprendeu na universidade pelos crentes antigos e modernos, um homem de comunhão diária e confissão semanal e que escolheu São Tomás para a sua tese, pensando na fé a defender e não num título a conquistar.
E eis que, em vez do extraordinário apologeta do catolicismo, do polémico cintilante que os crentes teriam recebido como um dom, eis que do ateneu de Turim, sai o Umberto liberal. Um Eco que se tornou apologeta sim, mas primeiro do agnosticismo e depois - como admitiu - de um relativismo ateu (nomina nuda tenemus [nada temos além dos nomes]), decidido com a habitual ligeireza de uma aparência distraída, mas na realidade impenetrável. A desilusão não me impediu, no que me toca, de sentir afecto sincero e agora tristeza porque não teremos mais piadas como aquela que lhe ouvi dizer no nosso primeiro encontro: «Se Pascal habitasse no meu condomínio, falar-nos-íamos com educação, mas não nos daríamos muito. Se, pelo contrário, no meu andar estivesse Tomás de Aquino, ao jantar jogaríamos à bisca mas acabaríamos por discutir, à procura de argumentos um contra o outro [andare per avvocati]. E talvez ele me denunciasse à Digos (forças secretas italianas) por suspeita de terrorismo».
Por umas minhas Perguntas sobre o cristianismo (o título do livro que lancei com muitas entrevistas, sobretudo com ex-crentes, para perceber as suas razões), passámos juntos uma tarde milanesa que aproveitei não para falar genericamente de cultura, mas de fé, de vida e de morte. Pedi-lhe a ele, que conduzia o discurso em direcção à filosofia, que deixasse os esquemas verbais e que fosse ao concreto. A decisão por Deus ou contra Deus vem mais da de uma questão existencial do que de argumentações teóricas. Por que motivos (assumindo que seja capaz de decifrá-los) uma pessoa abraçava o Evangelho - e com tanto fervor - como o jovem Eco, decide retirar a sua esperança de Cristo? Parecia-me, com todo o respeito, que os argumentos da sua resposta não fugiam à suspeita de terem sido elaborados a posteriori para racionalizar uma repulsa que vinha do coração e da vida, mais do que da razão. Disse-lhe eu. E ele respondeu com sinceridade: «Concedo-lhe de bom grado que qualquer 'prova' ou raciocínio serve apenas para nos convencer daquilo de que já estamos convencidos. É verdade: o aspecto racional não chega para explicar a minha história. Mas também não é suficiente o aspecto biográfico.»
«Outros que tiveram uma vivência parecida com a minha permaneceram crentes. A mim parece-me que a perda da fé foi como uma interrupção de um circuito eléctrico. As causas verdadeiras, profundas? Quem sabe?» Falámos da morte: um drama que, disse-me, vivera na carne, desde quando o seu pai morreu de um modo inesperado. «Passaram tantos anos desde então, mas penso nisso todos os dias. Não procuro, à Freud, vingar-me do meu pai, mas vingá-lo. Também vem daqui o que me tornei profissionalmente. Eu, um coleccionador de honras, como disse alguém? Não, uma pessoa que quer dar aos seus filhos a satisfação que eu esperava ter tido como seu filho e que não tive.» Então perguntei-lhe, onde está o seu pai? Onde estão todos os mortos? Onde iremos nós também? Resposta: «Para além daquelas portas de bronze é o caos, a confusão.»
«Mas talvez também esteja o Nada ou um deserto plano e desolado, sem fim.» A morte, lembrei-o, é a decisão por excelência, aberta a muitas saídas possíveis. E se tivessem razão aqueles que dizem que será Jesus o Cristo a vir ao nosso encontro? Não pareceu hesitar, como quem já pensou nisso muitas vezes: «Oiça, se por acaso esse Nazareno existir mesmo e quiser pôr-me um processo, digo-lhe mais ou menos as coisas que lhe estou a dizer a si: pensei assim e assim e cheguei à conclusão que não serás tu a esperar-me. Penso que poderemos chegar a caminhos razoáveis. Se pelo contrário for o Deus cruel e vingativo de certas seitas protestantes, então é melhor não ter nada a ver com ele. Ele que me mande então para o inferno onde ao menos há boa gente». Uma pausa e depois: «Mas veja que estou convencido que se Deus existisse mesmo, seria o de São Tomás, com quem discutiria na vida, mas que era um homem com quem, apesar de tudo, se podia argumentar sobre as coisas que importam.» Ora, parece que Umberto Eco «sabe». E ao respeito que merece da parte de todos por uma vida tão activa, os crentes, com discrição em relação às convicções, acrecentaram uma oração diante do túmulo diante do qual - com coerência, sem hipocrisia - não se quis uma presença religiosa.
Vittorio Messori in Corriere della Sera
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