Não é propriamente uma originalidade dos dias que correm a invocação da Misericórdia infinita de Deus para desculpabilizar a gravidade do pecado mortal e as suas consequências no destino eterno da pessoa humana. Já Orígenes, de resto um excelente teólogo, admitia uma restauração final em que os condenados ao Inferno e o próprio diabo seriam resgatados e salvos. Em meados do século vinte Giovanni Pappini, no seu livro O Diabo, caiu no mesmo engodo. A Igreja sempre condenou essa teoria, porque não concorde com a Sagrada Escritura nem com a Tradição, reafirmando a eternidade da condenação ao Inferno. A existência deste e a sua eternidade são aliás um Dogma de Fé, isto é, uma verdade Revelada por Deus.
Um outro grande e cultíssimo teólogo contemporâneo, em dois dos seus últimos livros, não advogando embora a apocatástases (restauração final dos condenados, do diabo e demais demónios) defende que o cristão não só pode como deve esperar que todos os homens se possam salvar. Esperar, não significa ter a certeza. Para ele significa que cada um deve viver com tal radicalidade, generosidade e empenho a sua Fé de modo a que “completando na sua carne o que falta à paixão de Cristo” carregue com os pecados dos outros passando, de algum modo, a Graça que lhe é dada para eles, de modo a que se possam converter.
Chega a interpretar o sofrimento dos místicos, as suas noites escuras, e o sofrimento dos inocentes como uma participação na Paixão de Cristo capaz de transformar a liberdade inquinada ou ímpia dos outros em liberdade de tender para Deus. Afinal, como diz a Escritura “ Deus quer que todos os homens se salvem”. Adverte, no entanto, que cada um deve, como exorta S. Paulo, “trabalhar com temor e tremor” na sua própria salvação, não a dando, de modo nenhum, como adquirida. O inferno não terá sido criado directamente por Deus mas produzido pela liberdade da criatura (angélica) que ao rebelar-se definitivamente contra Ele, se fechou ao Seu amor ou ao Amor que Ele é: “Ide para o fogo eterno destinado ao demónio e aos seus anjos” (Mateus 25, 41).
Uma vez que não existirá nenhum pronunciamento solene explícito do Magistério da Igreja declarando, segundo este teólogo, a existência de qualquer ser humano no Inferno podemos e devemos esperar, segundo ele, que todos se possam salvar. A verdade, porém, é que também não há nenhuma declaração do Magistério da Igreja afirmando que o Inferno está vazio de pessoas humanas.
A vulgarização desta hipótese ou especulação teológica acabou por gerar naqueles poucos que ainda aderiam à verdade Revelada da existência do Inferno a convicção de que ninguém lá estaria nem se poderia condenar. Daí se passou à desculpabilização sistemática de toda e qualquer pessoa, por maiores que fossem as enormidades que ela cometesse.
Grandes teólogos reagiram, entre eles o eminente (Cardeal) Avery Dulles, a muitas das afirmações deste autor. Reconhecendo embora os seus méritos, e muita da doutrina exposta, contestam a necessidade de um pronunciamento solene e explícito do Magistério sobre o assunto e mostram como asserções da Sagrada Escritura, da Tradição e de documentos do Magistério seriam incompreensíveis sem a admissão da eterna perdição efectiva, não só de pessoas angélicas (demónios) mas também de pessoas humanas.
É verdade, como dizia o então Cardeal Ratzinger, que a Fé nos foi dada não para que nos salvemos e os outros se percam, mas para que através da nossa Fé os outros também se possam salvar. No entanto, também não é menos verdade, como dizia numa outra obra, que Deus criou-nos livres e leva a nossa liberdade a sério.
Estou em crer que a Misericórdia de Deus não deve ser invocada em vão, nem para aquietar as consciências dos que procederam mal infundindo-lhes uma falsa esperança de que se podem salvar permanecendo, embora, nos seus pecados porque afinal a última palavra caberá à Misericórdia Divina, que tudo ignorará. Não! A Misericórdia, como nos ensina a parábola do filho pródigo, deve ser invocada para chamar as pessoas ao arrependimento e há conversão, enquanto é tempo, e o tempo é breve. “Morte certa. Hora incerta. Juízo particular. Inferno ou Céu para sempre”. Afinal é isso mesmo que nos diz a Carta de S. Tiago: “Haverá Juízo sem misericórdia para aquele que não usou de misericórdia” (2, 13).
Evidentemente que não usa de misericórdia, ou seja, não é misericordioso, todo aquele que pratica, é cúmplice, coopera formalmente ou é indiferente em relação aquelas monstruosidades legisladas e promulgadas a que me referi no texto de ontem.
Que ninguém duvide: cada um será julgado segundo as suas obras. (Obras praticadas pelo amor, gerado pela Fé que nos foi dada, sem mérito algum da nossa parte. A graça precede sempre, acompanha e guia a vontade.) Por isso podemos ler no Evangelho as palavras severas de Jesus, na parábola do Juízo final, “retirai-vos de Mim, malditos! … para o fogo eterno … ” (Mateus, 25, 41).
E S. Paulo adianta: “ … (C)om a tua dureza e o teu coração impenitente, estás a acumular ira sobre ti, para o dia da cólera e do justo julgamento de Deus, que retribuirá a cada um conforme as suas obras: para aqueles que, ao perseverarem na prática do bem, procuram a glória, a honra e a incorruptibilidade, será a vida eterna; para aqueles que, por rebeldia, são indóceis à verdade e dóceis à injustiça, será ira e indignação. Tribulação e angústia para todo o ser humano que pratica o mal … Glória, honra e paz para todo aquele que pratica o bem …” (Romanos 2, 5-10).
Padre Nuno Serras Pereira
1 comentário:
Em "O Evangelho como me foi revelado" Jesus fala sobre a Sua Misericórdia, através da Confissão e diz aos Apóstolos: "A dignidade de um Cristão é tão grande, que vo-lo repito, é pouco inferior à de um Sacerdote...E o Cristão servirá a Deus com a Oração, com o Sacrifício e com a Caridade Fraterna...Por isso, "ouvireis a Confissão dos pecados, como Eu ouvi os vossos, e PERDOEI AO VER O VOSSO ARREPENDIMENTO. Observai uma vida Santa, para que Deus aumente em vós as luzes Sobrenaturais, que vos ajudarão a chegar ao coração de qualquer Homem. Podereis, assim, com Amor ou Autoridade, dizer aos pecadores temerosos, ou aos rebeldes em CONFESSAR OS SEUS PECADOS, o estado dos seus corações. Podereis, então, ajudar os tímidos ou repreender os IMPENITENTES! Vós sereis o que EU era: Justo, paciente, misericordioso,, MAS NÃO FRACO!!"
" Julgai cada Homem sem vos corromperdes por simpatias ou antipatias, por presentes ou por ameaças, sendo IMPARCIAIS!..."
"...Estendei a mão a quem cai, pois, não sabeis se é a sua última oportunidade de Salvação!
Mas, ao contrário, SEDE SEVEROS COM OS IMPENITENTES, que não tiverem respeito pelo Meu Sangue e, depois de serem lavados com o BANHO DIVINO, vão jogar-se na lama, uma e cem vezes mais! NÃO OS AMALDIÇOEIS, MAS SEDE SEVEROS! EXORTAI-OS SETENTA VEZES SETE e RECORREI AO CASTIGO EXTREMO DE OS SEPARAR DO POVO DE DEUS, para que não vos torneis CÚMPLICES, escandalizando os outros irmãos!"
"...Lembrai-vos daquilo que vos disse: Se um irmão pecou, corrige-o em particular; se não te ouve, corrige-o na frente de duas testemunhas; se não bastar , leva-o, então, à Igreja; e se ele continuar impenitente, CONSIDERA-O UM GENTIO!"
Acho que estas Palavras de Jesus mostram bem, como Ele era JUSTO, mas não UM FRACO!
E como Se importava, com a SALVAÇÃO DAS ALMAS, pois, se assim não fosse, NUNCA, exortaria os Seus Apótolos a serem tão SEVEROS e, sobretudo, na EXIGÊNCIA DO ARREPENDIMENTO!!
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