quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Da Igreja útil à Igreja inútil

Quando a Igreja, em relação ao mundo, se considera apenas útil, depressa acaba por ser considerada inútil. Naturalmente, neste caso, a sua Doutrina Social chegou ao fim.

Na encíclica Caritas in veritate lemos que o Cristianismo não só é útil mas é necessário para o desenvolvimento do homem (n. 4), porque «sem Deus o homem não sabe para onde ir e nem sequer pode compreender quem é» (n. ° 4). 78). Necessário significa que não pode faltar; útil, em vez disso, significa uma presença acidental que, existindo, produz algum efeito positivo mas não essencial e, se não estiver presente, não causa dano. De acordo com Augusto Del Noce (ele diz isso em 'The Problem of Atheism') o modo de pensar da modernidade transformou o Cristianismo de necessário em útil, porque fez do pecado um simples acidente que a dialética histórica ou a práxis humana são capazes de superar por si mesmas. A secularização do pecado e, acima de tudo, a negação do pecado original, produziu um Cristianismo útil, mas não indispensável.

Um mundo sem pecado original é capaz de se fazer por si mesmo e de se dar a salvação ao seu próprio nível, é autónomo e não precisa de Deus nem da Igreja. Mesmo um mundo aniquilado pelo pecado original - como acontece na visão protestante - não precisa de Deus e também nesse caso a religião e a Igreja não têm função essencial e insubstituível. No primeiro caso porque o mundo pensa que faz tudo por si mesmo, no segundo porque o mundo pensa que nada pode fazer de forma alguma, em ambos os casos o mundo é autónomo, adulto, adulto, senhor de si mesmo.

Na Igreja Católica, há muito tempo testemunhamos o seu afastamento do mundo e, ao mesmo tempo, a sua imersão no mundo. A retirada diz respeito à sua crença de que não tem mais algo decisivo e indispensável para trazer ao mundo; a imersão no mundo deriva dessa mesma convicção, pela qual já não acredita ter especificidade (ou missão) própria em relação ao mundo.

A Igreja considera-se apenas útil, mas existem muitas coisas úteis que o mundo usa, mas realmente não precisa de nenhuma delas. A Igreja torna-se um dos tantos instrumentos úteis, mas também, por isso mesmo, inúteis. Se a sua presença no mundo falha, ninguém percebe, nem mesmo os homens da Igreja.

Temos muitas evidências de que isso só pode ser considerado útil, especialmente nos últimos anos e mesmo nos últimos dias. A Igreja que já não defende o direito natural, que já não defende a sua própria doutrina sobre questões morais decisivas, que já não defende a vida, o casamento, a gestão correcta da sexualidade, que aceita fechar igrejas por decreto governamental, que não quer nada mais "católica" na sociedade...é uma Igreja que, depois de se ter considerado útil, passa a considerar-se inútil.

Hoje a Igreja quer tornar-se útil na defesa do meio ambiente colaborando com as agências internacionais, quer trabalhar para defender a democracia do perigo do populismo, pretende ser muito "constitucional" em defesa da Constituição republicana, pensa ser útil por não condenar mais leis injustas, mas trabalhar arduamente para melhorá-las. A Igreja quer ser útil derrubando muros e abençoando tudo o que a sociedade exprime. Para ser útil para o acolhimento ou a reconciliação renuncia para especificar a sua própria doutrina, diante de todos os problemas, não se mostra mais interessada em quê, mas em como, propondo apenas caminhos úteis de diálogo, comparação e unidade.

Mas uma Igreja tão útil já é inútil. Ser “útil para ...” sem especificar o quê, significa deixar o mundo esclarecer, segundo as suas próprias categorias, para que pode e deve ser útil. A Igreja, para ser útil, optou por renunciar à exclusividade dos fins últimos, que dão sentido a todos os fins intermediários. Desta forma, tornou-se inútil. Uma agência entre outras dedicada ao diálogo, fraternidade, hospitalidade, acompanhamento, proximidade, solidariedade, tolerância, caminhar juntos, inclusão, sustentabilidade.



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1 comentário:

Maria José Martins disse...

Gostei imenso de tudo o que li, e acho que está aqui a razão obvia para toda a atual CONFUSÃO na Igreja.
E peço desculpa, se vou dizer algum disparate, porque os meus conhecimentos de Teologia são básicos: ao banirmos o "pecado original" da História da Humanidade e toda a conjuntura que o envolveu, assim como todas as suas consequências, acabamos por não entender, NUNCA, o Amor de Deus por nós e por tudo aquilo que Criou!
Daí, muitas pessoas se revoltarem contra Ele, porque não entendem a Origem do Mal e, muito menos, o porquê de Deus, na Sua Infinita Misericórdia, Enviar ao mundo o Seu Único Filho Jesus Cristo, para nos Resgatar das mãos do Maligno e, através da Instituição da Sua Igreja, poder Restaurar TUDO o que a desobediência e o Orgulho dos nossos Primeiros Pais provocaram.
Por experiência--e dentro dos meus poucos conhecimentos--quando tento explicar às pessoas o porquê do mundo estar como está, das doenças, dos desiquilibrios, dentro daquilo que entendo e aprendi, a maoir parte entende e aceita, sem revolta. Assim, acredito, que se a Igreja fosse MAIS FIEL às Suas Origens, e ENSINASSE A VERDADE, em vez de FILOSOFAR, haveria muitas mais Conversões e, consequentemente, o mundo, estaria MUITO MELHOR e com muito menos SOFRIMENTO!
Parabéns pelo Artigo!