segunda-feira, 26 de junho de 2023

São João e São Paulo: mártires nomeados no Cânone Romano

Os dois irmãos são-nos apresentados como dignitários da corte imperial, herdeiros de Constantina, a filha de Constantino, falecida em 354. Entram em conflito com o novo imperador, Juliano, justamente em razão dos bens que receberam, pois não terão permitido que fossem confiscados em benefício dos deuses falsos e mentirosos. Esses bens talvez fossem a própria casa que foi encontrada sob a Basílica a eles intitulada no Célio, em Roma, e que documenta a presença de cristãos.

A Passio abre com as palavras de Juliano: “O vosso Cristo diz no Evangelho que quem não renuncia a tudo o que possui não pode ser seu discípulo”. Diante do convite do imperador a que lhe fossem fiéis, os dois cristãos recusam: “Abandonaste a fé para seguir coisas que sabes muito bem não terem nenhuma relação com Deus. Por essa apostasia deixamos de te dirigir a nossa saudação”. Por isso, acrescentam, nos retiramos da “societate imperii vestri”.

Juliano manda então aos dois irmãos uma mensagem ameaçadora: “Vós também fostes educados na corte, por isso não podeis eximir-vos de estar ao meu lado; aliás, eu quero-vos entre os primeiros da minha corte. Mas cuidado: se eu receber uma resposta desdenhosa de vós, não poderei consentir que fiqueis impunes”. Os dois irmãos mandam informar esta sua resposta: “Nós não faltamos com respeito ao antepor a ti uma outra pessoa qualquer. Essa pessoa é Deus, que fez o céu, a terra, o mar e todas as coisas que neles estão contidas. Temam a tua ira, portanto, os homens apegados ao mundo. Nós tememos apenas incorrer na inimizade do Deus eterno. Por isso queremos que saibas que nunca aderiremos ao teu culto (numquam ad culturam tuam), nem iremos ao teu palácio”.

O imperador concede-lhes 10 dias “para reflectir”, para que “vos resolvais a vir a mim, não à força, mas espontaneamente”. Os dois irmãos rebatem: “Considera que já se passaram os 10 dias”. E Juliano: “Pensais que os cristãos farão de vós mártires?...”.

Paulo e João então chamam os seus amigos: Crispo, padre da comunidade de Roma, Crispiniano e Benedita. Contam-lhes tudo e celebram a Eucaristia. Depois convidam os cristãos, dando disposições relativas a todos os seus bens. Passados 10 dias, começam as prisões domiciliares. Quando recebem a notícia, Crispo e os outros amigos acorrem, mas não obtêm permissão para entrar. 

Entram apenas o instructor de campo Terenciano (aquele que a Passio diz ter sido o redator do relato, depois de convertido) e os seus capangas. Aos dois irmãos, que rezavam, ordena que adorem um ídolo, caso contrário seriam atravessados pela espada, “mesmo não sendo conveniente matar publicamente homens que cresceram na corte”. Juliano queria evitar de todas as formas que houvesse mártires entre os cristãos. E, se houvesse, que fossem dissimulados. “Para nós”, respondem os dois, “não há outro senhor a não ser o único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, que Juliano não temeu renegar; e, sendo que foi repelido por Deus, quer arrastar também outros à sua ruína”.

Dia 26 de Junho de 362. Depois de algumas horas os dois cristãos são justiçados. Foram secretamente sepultados no criptopórtico da sua própria casa. E espalha-se o boato de que os dois tinham sido mandados para o exílio. Crispo, Crispiniano e Benedita desconfiam do seu destino, mas não podem fazer nada além de chorar por eles e rezar que um dia encontrem o lugar da sua sepultura. Mas eles também sofrem a decapitação pelas mãos do filho de Terenciano. Piménio e João (padres) e Flaviano, ilustre ex-prefeito de Roma, tendo levado às escondidas os corpos dos novos mártires, sepultam-nos também ao lado de João e Paulo. 

A Passio conta ainda que o filho de Terenciano, tendo vindo à casa dos mártires, põe-se a gritar que João e Paulo o atormentavam. Terenciano fica aterrorizado, prostra-se com a face por terra e procura justificar-se: sou um pagão, obedeci apenas à ordem de César, sem me dar conta. Converte-se e na Páscoa seguinte recebe o baptismo. Ele e o seu filho serão também trucidados e sepultados.

Lorenzo Cappelletti


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