Em tempos de eleições presidenciais, legislativas ou autárquicas, é recorrente o recurso ao argumento do voto útil. Na gíria política entende-se por voto útil a escolha do candidato ou do partido que, mesmo não reunindo as condições que o eleitor desejaria sufragar, é no entanto o menos mau dos candidatos com hipóteses de ganhar. Na perspectiva eleitoral, o voto num partido ou candidato que nunca poderá vencer é sempre um voto perdido ou, pior ainda, um voto nas candidaturas que ficariam beneficiadas com a inutilidade prática desse voto idealista.
À medida que se aproxima um acto eleitoral, esfumam-se os axiomas éticos e os princípios, que cedem o seu lugar à pressão das sondagens e das conveniências do momento, quase sempre apresentadas como inadiáveis exigências de salvação nacional. À conta desses pretensos imperativos de ordem pública, engolem-se não poucos sapos e conspícuos cavalheiros travestem-se ideologicamente, em malabarismos de rara acrobacia e discutível moralidade. E quem não se disponibilizar para uma tal cambalhota eleitoral e decidir não vender, nem hipotecar, o seu voto, é certo e sabido que pagará cara a factura da sua verticalidade: à partida é, pelo menos, um utópico e, à chegada do desastrado resultado eleitoral que a sua atitude propiciou, é um cúmplice do inimigo, um traidor.
É sabido que a história do voto útil tem barbas. Nas vésperas da segunda guerra mundial, o voto útil funcionou a favor de duas grandes forças extremistas. Quando a Alemanha se encontrava numa muito delicada situação interna e externa, os nazis apareceram como a força mais eficaz para deter o triunfante bolchevismo, que ameaçava a liberdade alemã e europeia. É certo, em termos históricos, que muitos dos apoiantes de Hitler o fizeram à conta do voto útil: mesmo não concordando com as teses nazis, entenderam que essa era a única força política capaz de deter o comunismo internacional e, por isso, deram-lhe o seu voto. Em sentido contrário, o voto útil também funcionou a favor do bolchevismo que, para muitos anti-nazis, parecia ser o mal menor ou, pelo menos, a única estrutura partidária com força suficiente para se opor, com eficácia, ao nacional-socialismo. Mas é óbvio que tanto uns como os outros, quer votando de olhos fechados em Hitler, quer dando o seu contrariado voto aos seguidores de Estaline, favoreceram as respectivas tiranias e votaram contra a liberdade, a democracia e o bem comum. Os seus votos foram úteis, sem nenhuma dúvida, mas para o mal.
Não é só na vida privada que o crime não compensa, porque também na vida política essas leviandades pagam-se caras, como sabem os que sofreram a ditadura nazi na Alemanha, ou os que padeceram os horrores do comunismo na Rússia e nos outros países que também viveram, ou ainda vivem, sob a ditadura do proletariado. Na realidade, tanto os que sufragaram Hitler como os que apoiaram Estaline perderam, porque a vitória moral e política foi daqueles «inúteis» que souberam privilegiar uma atitude de coerência ética, sem se deixarem intimidar pelos falsos argumentos de uma suposta utilidade nacional ou internacional.
Se, por absurda hipótese, houvesse que escolher entre Estaline e Hitler, seria caso para dizer que venha o diabo e que escolha porque, por mais útil que fosse votar em Hitler, para que Estaline não pudesse ganhar, ou votar em Estaline, para que Hitler não saísse vencedor, seria sempre uma escolha dos diabos. E a quem o não seja, só lhe resta uma hipótese digna: não votar em nenhum dos dois, por mais inútil que uma tal atitude pudesse parecer.
Em Portugal, Hitler e Estaline não vão a votos, felizmente. Mas, mesmo sendo eticamente lícita a votação no menos mau dos candidatos, resta saber se uma tal opção é suficientemente digna. Sendo escassas as garantias de idoneidade moral dos prováveis eleitos, por ausência de princípios éticos humanistas, ou por falta de coerência na sua aplicação – recorde-se, a este propósito, a promulgação da lei dos casamentos de pessoas do mesmo sexo – é provável que a opção mais coerente e honrosa não passe pelo voto no menos mau candidato, nem no péssimo, pelo menos para quem, na sua vida pessoal e na sua actuação pública, não se pauta por conveniências contingentes, mas por princípios e valores permanentes.
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