quinta-feira, 30 de abril de 2020

Catarina: de analfabeta a conselheira do Papa e Doutora da Igreja


Santa Catarina nasceu em Sena no ano de 1347. Ainda muito jovem, ingressou na Ordem Terceira de São Domingos, sobressaindo pelo seu espírito de oração e penitência. Levada pelo seu amor a Deus, à Igreja e ao Romano Pontífice, trabalhou incansavelmente pela paz e unidade da Igreja nos tempos difíceis do desterro de Avignon. Foi a esta cidade e pediu ao Papa Gregório XI que voltasse quanto antes para Roma, de onde o Vigário de Cristo na terra deveria governar a Igreja. “Se morrer, sabei que morro de paixão pela Igreja”, declarou uns dias antes da sua morte, ocorrida no dia 30 de abril de 1380.

Escreveu inúmeras cartas, das quais se conservam cerca de quatrocentas, algumas orações e elevações, e um só livro, o Diálogo, que relata as conversas íntimas da Santa com o Senhor. Foi canonizada por Pio II e o seu culto estendeu-se rapidamente por toda a Europa. Santa Teresa diz que, depois de Deus, devia a Santa Catarina, muito singularmente, o progresso da sua alma. Pio IX nomeou-a segunda padroeira da Itália e Paulo VI declarou-a Doutora da Igreja.

I. SEM PARTICULAR INSTRUÇÃO, aprendeu a escrever quando já era bastante crescida, e numa existência muita curta, Santa Catarina teve uma vida cheia de frutos, “como se tivesse pressa de chegar ao eterno tabernáculo da Santíssima Trindade”(1). Para nós, é um modelo de amor à Igreja e ao Romano Pontífice, a quem chamava “o doce Cristo na terra”(2), e de clareza e valentia para se fazer ouvir por todos.

Os Papas residiam naquela altura em Avignon, e Roma, o centro da cristandade, ia-se transformando numa grande ruína; como é evidente, tal situação acarretava inúmeras dificuldades à Igreja universal. E o Senhor fez com que Santa Catarina compreendesse a necessidade de que os Papas voltassem à sede romana para darem início à ansiada e imprescindível reforma. E ela correspondeu: orou incansavelmente, entregou-se à penitência, escreveu ao Papa, aos cardeais, aos príncipes cristãos...

Ao mesmo tempo, proclamou por todo o mundo a obediência e o amor ao Romano Pontífice, acerca do qual escreve: “Quem não obedece a Cristo na terra, àquele que está no lugar de Cristo no Céu, não participa do fruto do sangue do Filho de Deus”(3).

Com enorme vigor, dirigiu prementes exortações a cardeais, bispos e sacerdotes, implorando-lhes a reforma da Igreja e a pureza dos costumes. E não deixou de censurá-los gravemente, embora sempre com humildade e respeito pela dignidade de que estavam revestidos, pois “são ministros do sangue de Cristo”(4(. Estava convencida de que da conversão e do exemplo dos pastores da Igreja dependia a saúde espiritual do rebanho.

Pedimos hoje a Santa Catarina de Sena que saibamos alegrar-nos com as alegrias da nossa Mãe a Igreja e sofrer com as suas dores. E nos perguntamos como é a nossa oração pelos pastores que a governam, se oferecemos diariamente algum sacrifício, horas de trabalho, contrariedades suportadas com serenidade... pelas intenções do Santo Padre, desejosos de ajudá-lo a enfrentar essa imensa carga que Deus colocou sobre os seus ombros. Pedimos também a Santa Catarina que nunca faltem bons colaboradores ao lado do “doce Cristo na terra”.

“Para tantos momentos da história, que o diabo se encarrega de repetir, parece-me uma consideração muito acertada aquela que me escrevias sobre lealdade: «Trago o dia todo, no coração, na cabeça e nos lábios, uma jaculatória: Roma!»”(5) Esta única palavra é suficiente para nos ajudar a manter a presença de Deus durante o dia e a manifestar a nossa unidade com o Romano Pontífice e a nossa oração por ele.

II. SANTA CATARINA revelou sempre uma requintada sensibilidade, foi profundamente feminina(6). Ao mesmo tempo, foi extraordinariamente enérgica – como são as mulheres que amam o sacrifício e permanecem junto da Cruz de Cristo –, e não permitia desfalecimentos e fraquezas no serviço de Deus. Estava convencida de que, tratando-se da salvação própria e da salvação das almas, resgatadas por Cristo com o seu Sangue, não tinha cabimento algum enveredar por caminhos de excessiva indulgência, adoptar por comodismo ou covardia atitudes de débil filantropia, e por isso gritava: “Basta de unguentos! Pois com tanto ungüento estão-se apodrecendo os membros da Esposa de Cristo!”

Foi sempre fundamentalmente optimista, e não desanimava se, depois de ter feito o que estava ao seu alcance, os assuntos não se resolviam à medida dos seus desejos. Durante toda a sua vida, foi uma mulher profundamente delicada. Os seus discípulos recordaram sempre o seu sorriso aberto e o seu olhar franco; andava sempre bem arrumada, amava as flores e costumava cantar enquanto caminhava. Quando um personagem da época, incitado por um amigo, a procurou para conhecê-la, esperava encontrar uma pessoa de olhar oblíquo e sorriso ambíguo. Teve a grande surpresa de encontrar uma mulher jovem, de olhar claro e sorriso cordial, que o acolheu “como a um irmão que voltava de uma longa viagem”.

Pouco tempo depois de ter retornado a Roma, o Papa morreu. E com a eleição do sucessor iniciou-se o cisma que tantos rasgões e tantas dores havia de produzir na Igreja. Santa Catarina falou e escreveu a cardeais e reis, a príncipes e bispos... Tudo em vão. Exausta e cheia de pena, ofereceu-se a Deus como vítima pela Igreja. Num dia do mês de Janeiro, quando rezava diante do túmulo de São Pedro, sentiu sobre os seus ombros o imenso peso da Igreja, como aconteceu com outros santos. Mas o tormento durou poucos meses: no dia 29 de abril, por volta do meio-dia, Deus a chamou para a sua glória.

Do leito de morte, dirigiu ao Senhor esta comovente oração: “Ó Deus eterno!, recebe o sacrifício da minha vida em benefício deste Corpo Místico da Santa Igreja. Não tenho outra coisa para oferecer-te a não ser aquilo que me deste”(7). Uns dias antes, tinha dito ao seu confessor: “Asseguro-lhe que, se morrer, a única causa da minha morte será o zelo e o amor à Igreja que me abrasa e me consome...”

Os nossos dias são também de provas e dor para o Corpo Místico de Cristo. Por isso, “temos de pedir ao Senhor, com um clamor que não cesse (cfr. Is LVIII, 1), que os abrevie, que olhe com misericórdia para a sua Igreja e conceda novamente a luz sobrenatural às almas dos pastores e às de todos os fiéis”(8). Ofereçamos a nossa vida diária, com as suas mil pequenas incidências, pelo Corpo Místico de Cristo. O Senhor haverá de abençoar-nos e Santa Maria – Mater Ecclesiae – derramará a sua graça sobre nós com particular generosidade.

III. SANTA CATARINA ensina-nos a falar com clareza e valentia quando se debatem assuntos que afectam a Igreja, o Sumo Pontífice ou as almas. Não serão poucos os casos em que teremos a grave obrigação de esclarecer a verdade, e, nessas ocasiões, poderemos aprender de Santa Catarina, que nunca retrocedeu diante do fundamental, porque tinha a sua confiança posta em Deus.

Diz-nos o Apóstolo S. João: "Eis a mensagem que ouvimos de Jesus e vos anunciamos: Deus é luz e nele não há nenhuma espécie de trevas"(9). Aqui estava a origem da força dos primeiros cristãos, bem como da dos santos de todos os tempos: não ensinavam uma verdade própria, mas a mensagem de Cristo que nos foi transmitida de geração em geração. É o vigor de uma Verdade que está por cima das modas, da mentalidade de uma época concreta. Devemos aprender cada vez mais a falar das coisas de Deus com naturalidade e simplicidade, mas ao mesmo tempo com a segurança que Cristo pôs na nossa alma.

Perante a campanha sistematicamente organizada para obscurecer a verdade ou silenciar tudo o que sejam obras boas e retas, que às vezes quase não têm eco nos grandes meios de comunicação, nós, cada um no seu ambiente, temos de atuar como porta-vozes da verdade. Alguns Papas falaram da conspiração do silêncio(10), que se tece em torno das boas obras – literárias, cinematográficas, religiosas, de benemerência social – promovidas por bons católicos ou por instituições organizadas por católicos. São silenciadas ou deixadas na penumbra pelo facto de serem promovidas por católicos, enquanto se orquestram louvores a obras ou iniciativas que atentam contra os valores humanos, que pregam uma falsa liberdade e a anti-solidariedade, ou que cancelam do horizonte do homem as ânsias de Deus.

Nós podemos fazer muito bem neste apostolado da opinião pública. Às vezes, não conseguiremos esclarecer senão os vizinhos, os amigos que visitamos ou nos visitam, os colegas de trabalho... Noutros casos, poderemos ir um pouco mais longe por meio de uma carta aos jornais, de uma chamada telefónica a uma emissora de rádio ou de televisão, não nos furtando a responder ao questionário de uma pesquisa de opinião pública... Devemos afastar a tentação do desalento, o sentimento de que “pouco podemos fazer”. Um rio caudaloso é alimentado por pequenos regatos que, por sua vez, se formaram talvez gota a gota. Que não falte a nossa. Assim começaram os primeiros cristãos.

Peçamos hoje a Santa Catarina que nos comunique um pouco do seu amor à Igreja e ao Sumo Pontífice, e que tenhamos ânsias de dar a conhecer a doutrina de Cristo em todos os ambientes, por todos os meios ao nosso alcance, com imaginação e com amor, com sentido optimista e positivo, sem negligenciar uma única oportunidade. E, com palavras da Santa, peçamos também a Nossa Senhora: “A ti recorro, Maria! Ofereço-te a minha súplica pela doce Esposa de Cristo e pelo seu Vigário na terra, a fim de que lhe seja concedida luz para governar a Santa Igreja com discernimento e prudência”(11).

(1) João Paulo II, Homilia em Sena, 14-X-1980; (2) Santa Catarina de Sena, Cartas, III; (3) idem, Carta 207, III; (4) cfr. Paulo VI, Homilia na proclamação de Santa Catarina de Sena como Doutora da Igreja, 4-X-1970; (5) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 344; (6) cfr. João Paulo II,Homilia, 29-IV-1980; (7) Santa Catarina de Sena, Carta 371, V; (8) Josemaría Escrivá, Amar a Igreja, Prumo-Rei dos Livros, Lisboa, 1990, pág. 59; (9) 1 Jo 1, 5; (10) cfr. Pio XI, Enc. Divini Redemptoris, 10-III-1937; (11) Santa Catarina de Sena, Oração, XI.

Pe. Francisco Fernández Carvajal in hablarcondios.org



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quarta-feira, 29 de abril de 2020

O que aprendem as crianças com a Missa Tradicional

Com a Missa Tradicional, as crianças aprendem muitas coisas que, provavelmente, nunca aprenderão com a Missa moderna de Paulo VI.   

1. A Missa é um mistério de fé, um sacrifício santo. O rito antigo conserva e expressa, da maneira mais perfeitamente possível, que na Missa se faz presente e actualiza o Sacrifício da Cruz, a imolação de Nosso Senhor Jesus Cristo, que realizou e continua a realizar a nossa salvação e a de todo o mundo.     

Na Missa Tradicional, é relativamente pouca a catequese necessária para compreender o significado dos gestos do sacerdote e entender como é que ilustram esse significado. Basta saber um pouco do que Jesus fez na Última Ceia e na Sexta-feira Santa. Os vários gestos e as orações relacionam-se com uma série de mistérios encadeados: mediação, redenção, expiação, satisfação, adoração. O Ofertório prefigura este sacrifício; o Cânone Romano, que muitos seguem no seu missal, está impregnado de linguagem sacrificial; a consagração e a elevação da Hóstia e do cálice, no meio de um silêncio estrondoso, precedidas e seguidas de genuflexão, criam o ambiente para fazer presente o Calvário.        

Durante os anos em que ainda assistia às celebrações do Novus Ordo, descobri que os meus filhos e os dos meus amigos não estabeleciam, habitualmente, essas relações. O rito centrava-se mais nos fiéis, falava-se muito e a Comunhão não é mais do que algo acessório. O que menos captavam os sentidos era que essa liturgia é um sacrifício. O que se vê é a manipulação de pão e vinho sobre uma mesa, uma refeição que evoca a ceia pascal. Não é que silencie a dimensão sacrificial; é que, em grande parte, essa está ausente. Numa Missa dita em língua vernácula, versus populum, como se faz habitualmente, escolhendo sempre a oração eucarística II, quanto há, no texto ou na cerimónia, que transmite, de forma clara e contundente, a realidade do sacrifício? Poder-se-ia dizer que, na melhor das hipóteses, o Novus Ordo enfatiza a presença de Cristo entre nós, mas não o Seu sacrifício.  

Constatei, com grande consternação, que me tocava sempre a mim afirmar, enfaticamente e sem que houvesse uma forma palpável de demonstrá-lo, que o Novus Ordo era o sacrifício da Missa, embora não parecesse, e, para além disso, faltava a ampla variedade de textos e cerimónias que destacavam a natureza sacrificial do acto. Aquilo desagradava-me e continua a desagradar-me. Parecia que aquele rito tinha sido idealizado por alguém que não queria que fosse fácil compreender que a Missa é a representação incruenta do sacrifício cruento do Calvário. No Novus Ordo, é necessário fazer muitos malabarismos extra-litúrgicos, caso contrário não se chega a saber a verdade. Como a liturgia não transmite a mensagem, deve-se dedicar mais tempo a explicar, afirmar e esperar que esse frágil fideísmo não abra a porta a catástrofes como o esquecimento, o aborrecimento ou a heresia.   

2. Máxima reverência ao Santíssimo Sacramento. As crianças só vêem o sacerdote a tocar e a distribuir Nosso Senhor. Se assistirem a uma Missa solene, observarão que se trata a Hóstia com tanta reverência que, durante todo o Cânone, um sub-diácono segura, com um umeral, uma patena vazia[1]. Em momento algum verão um leigo subir ao presbitério e manusear hóstias e cálices. A Comunhão é distribuída aos fiéis ajoelhados em postura de adoração, como os Reis Magos diante do Menino Jesus. E recebe-se na língua, da maneira como os seus pais alimentam os filhos pequenos e como Deus alimenta o mundo através da Sua Providência. Coloca-se uma patena sob o queixo dos fiéis ajoelhados e não é raro que o comungatório esteja coberto com um pano. Terminada a Comunhão, o celebrante lava os dedos e lava os vasos sagrados com o máximo cuidado. A liturgia não poupa esforços para proclamar alto e claramente a fé da Igreja no milagre da transubstanciação. Nem tampouco os poupa para impedir que se desperdice a mais pequena migalha do Corpo de Cristo ou a menor gota do Seu Sangue.  

3. O sacerdote é mediador entre Deus e os homens. Olha para Oriente, na direcção contrária ao povo. Para Quem? Para Deus, a Santíssima Trindade, em cuja honra se realiza o sacrifício. O Verbo feito carne e verdadeiramente presente no altar do Sacrifício. Representa-nos diante de Deus. E também representa Deus que veio ao nosso encontro. Note-se que a missão do sacerdote, como mediador, é, essencialmente, diferente da dos leigos: «Porque todo o Sumo Sacerdote escolhido de entre os homens é constituído a favor dos homens, nas coisas concernentes a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados» (Heb 5, 1). Diante do altar, o sacerdote age in persona Christi, representa, pessoalmente, o Sumo Sacerdote Eterno, que Se ofereceu, por amor, para redimir a humanidade.              

Como se vê, o rito antigo distingue claramente o sacerdote e os fiéis; não os amontoa, como o novo rito, mas trata-os de acordo com a sua distinção ontológica[2]. Por exemplo:

— O sacerdote reza primeiro o Confíteor, por si mesmo, e, depois, os acólitos rezam por eles e pelos fiéis.

— Na Missa solene, o sacerdote é o único que dá o tom no Glória e no Credo e, depois, continua a rezá-los sozinho, enquanto o coro ou os fiéis cantam[3].  

— No Ofertório, a oração Suscipe, Sancte Pater revela claramente o papel mediador do celebrante, bem como a sua própria natureza pecadora ao ter que cumprir uma função tão elevada: «Recebei, Pai Santo, Deus Todo-Poderoso e eterno, esta hóstia imaculada que eu, indigno servo Vosso, Vos ofereço, meu Deus, vivo e verdadeiro, pelos meus inumeráveis pecados, ofensas e negligências; por todos os presentes e também por todos os fiéis cristãos vivos e defuntos; a fim de que, a mim e a eles, aproveite para a salvação na vida eterna. Amém».    

— O sacerdote comunga primeiro para completar o Sacrifício e, depois, oferece-o ao povo. Diz, por três vezes, “Dómine, non sum dignus” e, depois, também podem os acólitos e os fiéis rezá-lo três vezes[4].        

— A oração Placeta tibi, no fim da Missa, destaca, novamente, a função do sacerdote: «Seja-Vos agradável, ó Santíssima Trindade, a homenagem do Vosso servo; e este sacrifício, que eu, indigno, ofereci aos olhos da Vossa Majestade, seja-Vos agradável, e a mim, e a todos aqueles por quem o ofereci, seja, pela Vossa piedade, propiciatório». Esta não é a oração de alguém que simplesmente preside à Eucaristia ou à assembleia.     

4. As próprias palavras da Missa são sagradas e sublimes. Isto é claramente destacado pelo latim em que se reza a Missa de princípio a fim (excepto na homilia, que não faz parte da liturgia propriamente dita, mas que é uma explicação de alguns aspectos da liturgia, do Credo ou das leituras para benefício dos ouvintes). O uso de uma linguagem arcaica demonstra, sem necessidade de explicação, que a liturgia não é algo rotineiro, como daria a entender o uso da língua vernácula[5]. Da mesma forma, é muito apropriada a grande reverência que se manifesta em relação ao missal durante toda a celebração litúrgica: é colocado sobre um atril dourado ou numa almofada delicada e os ministros transportam-no com uma atitude cerimonial e, se a Missa for solene, é até mesmo acompanhado por velas e incenso.

5. A música – e especialmente o canto – é muito singular e é dedicada a Deus. O efeito que produz uma língua sagrada antiga não pode deixar de ser aprimorado quando os textos litúrgicos são cantados com as subtis melodias do canto gregoriano, com os seus oito modos e o ritmo fluído na métrica, tão diferentes de tudo o resto que possa existir no âmbito da música. O canto gregoriano surgiu exclusivamente para o culto divino e não se presta a nenhum outro uso: é exclusivamente para Deus. É o equivalente sonoro do incenso, das casulas e dos cálices dourados que são usados apenas durante o culto. São coisas que se poderiam considerar a guarda de honra e os servos de Cristo, que evocam, com muita eficácia, a Sua presença e que nos guiam, com facilidade, à dita presença[6].   

6. A Missa é algo sério e solene. A liturgia centra-se inteiramente no presbitério, no altar, no sacrifício, no banquete celestial e no Pão dos anjos. É uma obra ordenada e disciplinada: há formalidade, harmonia nos gestos e nas palavras, concentra-se na oração. Se alguém interrompesse o celebrante, dizendo-lhe: «Porquê que não se vira para nós? Porquê que nos vira as costas e não nos diz para onde vai, nem quando volta?», ele poderia responder com as palavras do Menino Jesus no templo: «Porque Me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de Meu Pai?» (Lc 2, 49). Jesus disse isso aos seus santíssimos pais e deixou-os estupefactos. Recordou-lhes que o Reino de Deus está acima de tudo e que a glória devida ao Pai é superior à de todo o bem terreno.         

7. A fonte da nossa unidade e comunhão está em Cristo e emana d’Ele para todos nós. Em vez de ter um ambiente horizontal e enfatizar a horizontalidade, um círculo fechado de pessoas que se fazem notar mutuamente de modo pelagiano, na Missa Tradicional orientámo-nos sempre para Deus, adorando-O, implorando a nossa salvação, procurando n’Ele a nossa união e a nossa própria identidade. E, acima de tudo, algo tão moderno quanto a eclosão simultânea de, no Novus Ordo, se dar a paz, que transmite a mensagem subliminar de que a paz entre nós brota como se fosse concebida pela própria comunidade humana dos fiéis, não tem lugar no Rito Romano solene, que, pelo contrário, mostra que a pax vem do Cordeiro de Deus, Jesus Cristo, verdadeiramente presente no altar como Príncipe da Paz, e que desce, como uma cascata, de Deus, através do sacerdote, do diácono e do sub-diácono, até alcançar os fiéis. Do mesmo modo que a Comunhão começa pelo sacerdote, de seguida comungam os outros ministros e, por último, os fiéis.                    

8. A nossa religião é algo dado, que recebemos. As palavras da Missa, herdámo-las da Tradição, representada pelo missal que está no altar; a paz de Cristo, recebemo-la desde o altar; e a Sagrada Eucaristia é no-la dada por uma mão consagrada. A estabilidade e a imutabilidade do rito, juntamente com o seu ethos manifestamente antigo, transmitem claramente que a religião cristã é anterior a nós, às nossas intenções, aos esforços e boas ideias, e que continuará até muito depois termos voltado ao pó. Quão melhor não é que os homens de hoje sejam, para variar, em vez de produtores, fabricantes e inventores, humildes mendigos chamados, pela graça da vontade de Deus, à esplêndida mesa do Rei? O celestial banquete das bodas já estava em pleno andamento quando chegámos e continuará, para sempre, connosco (se Deus quiser) ou sem nós.   

9. A Missa transcende a congregação dos fiéis. Teoricamente, cada Missa celebrada pelos mil milhões de católicos do mundo é o Sacrifício do Calvário. Agora, como a Missa nova é celebrada em centenas de idiomas, com muitos estilos que se contradizem mutuamente, muitas possíveis opções, os estilos locais sobrepõem-se à fórmula universal e pode-se dizer que existem tantas formas de liturgia quanto paróquias. Isto fomenta uma mentalidade provinciana negativa que divide os católicos em tribos e taifas, bem ao estilo dos milhares de seitas protestantes.

De um extremo ao outro da Terra, a Missa Tradicional em latim é celebrada com as mesmas orações ancestrais, no mesmo idioma universal e exactamente de acordo com as mesmas rubricas. À medida que as crianças crescem e viajam para além da localidade em que vivem, qualquer Missa em latim em que participem, noutras cidades ou países, fará com que compreendam palpavelmente a unidade e a universalidade da Igreja. Beneficiando-se das diversas culturas, a Missa de sempre transcende as fronteiras e as particularidades dos povos. A verdade é que este culto divino supranacional liga-nos organicamente a todas as gerações passadas e futuras até ao fim dos tempos. As suas frequentes invocações aos santos anjos, na maioria suprimidas no Novus Ordo, põem-nos em comunhão com os sublimes coros celestes que servem a Deus neste mundo, vivendo numa dimensão que transcende o mundo dos seres de carne e osso.         

10. A Missa é a escola suprema de oração. Há que reconhecer que, para isso, é necessária a ajuda dos pais, mas a liturgia tradicional em latim cria um ambiente ideal para despertar a vida interior da criança e oferece-lhes uma oportunidade para ficarem sossegadas e em silêncio e descobrirem o significado e a eficácia da adoração e dos demais actos de oração. Ninguém o expressou melhor do que o padre Bryan Hougton, escritor inglês cujo personagem literário, Edmund Forrester, descreve (de maneira obviamente autobiográfica) como aprendemos a rezar: «Aprendi as orações básicas no colo materno e continuo a rezá-las todas as noites. Mas aprendi a rezar quando me levavam à Missa, aos domingos, mesmo que não tivesse muita vontade. Ali, o pai e a mãe não eram os mesmos. Não se falavam nem olhavam. A mãe manuseava um terço, enquanto que o pai folheava um exemplar do devocionário Garden of the Soul, agora usado por um sobrinho meu. A minha irmã mais velha, Gertrude, que se tornou monja beneditina, permanecia de joelhos com o corpo erguido e os olhos quase sempre fechados. Se olhasse em volta, via o mesmo com os meus demais parentes e vizinhos. O que mais me chamava à atenção era que ninguém me prestava a mínima atenção. Se eu tentasse puxar a saia de minha mãe, ela gentilmente me apartava com a mão. Se tentasse subir para as costas de meu pai, ele pegava em mim e punha-me no chão. Isso também era estranho; embora eu usasse a roupa dos domingos, deixavam-me rastejar no chão desde que eu não fizesse barulho. Uma criança como eu, estava perfeitamente ciente de que algo importante estava a acontecer.    

Diante do altar estava o padre Grey, um ancião severo de quem me escondia, na casa-de-banho, sempre que nos visitava. Quando oficiava, usava umas roupas coloridas que lhe davam o aspecto de uma borboleta. Durante a maior parte do tempo, não dizia nada; olhava na direcção oposta e fazia tão pouco caso de meus pais quanto de mim.     

Não creio que foi demasiado precocemente, mas, certamente, era muito pequeno quando percebi que, na igreja, todas as pessoas presentes rezavam sem recitar orações, tal como eu. Como as crianças imitam o que vêem, eu também queria rezar sem rezar. Disse-o à minha irmã Gertrude e ela respondeu-me: “Tu, deixa-te estar sentado e sossegado. És muito pequeno para te ajoelhares. Mantém as mãos quietas sobre as pernas. Tenta não olhar para os lados e mantém os olhos fechados, se puderes. Depois, repete “Jesus”, na tua cabeça, lentamente mas sem parar. Quando se tiver que dizer “meu Senhor e meu Deus”, far-te-ei um sinal para que o digas comigo”.                

Eu diria que,
 mutatis mutandis, foi assim que aprendemos todos a rezar. A própria Missa foi a nossa escola de oração. Lá aprendemos a ser humildes e indiferentes ao que estava ao nosso redor, a recolher-nos e a aderirmos à Divina Presença. E era também na Missa que os fiéis simples se exercitavam na oração ao longo da vida. Embora não soubessem muita teologia, rezavam como, em muitos casos, não faziam os próprios teólogos. Além disso, os mais simples dentre eles chegavam a superar-me quanto à vida de oração e à santidade»[7].  

«Deixai as criancinhas e não as impeçais de vir a Mim», disse Nosso Senhor Jesus Cristo (Mt 19, 14).              

Deixemos que vão até Ele no tremendo mistério da Fé, o Sacrifício que une Deus ao homem. Deixemos que vão ao Seu Corpo e Sangue com a maior reverência. Que O contemplem nos ministros a quem chamou a ser outros Cristos para que a Sua obra continue nas mãos deles. Que as crianças tenham a oportunidade de reconhecer a santidade pela visão, pela audição e pelo olfacto, enquanto contemplam, ouvem e estão na casa de Deus e enquanto são repetidas, para deleite do Céu e aborrecimento do Inferno, as palavras que incontáveis 
​​santos proferiram e entoaram. Deixemos que as crianças se apresentem diante o Senhor, com solene alegria, para experimentar a paz que ultrapassa todo o entendimento. Deixemos que recebam, de Jesus, dons em abundância e, acima de tudo, o do Seu Corpo. Que saibam que se incorporam à presença de exércitos de anjos que adoram o Cordeiro degolado desde a criação do mundo.   

Não os impeçamos por causa de uma liturgia defeituosa e cheia de falsidades (como, por exemplo, que não há muita diferença entre a nave e o presbitério da igreja ou entre o sacerdote e os ministros extraordinários da Sagrada Comunhão para repartir os divinos mistérios). Não coloquemos obstáculos às crianças, cobrindo ou manchando a exclusiva dignidade das mãos do sacerdote, ungidas para tocar algo tão santíssimo como o Corpo e o Sangue de Cristo. Não os impeçamos de se voltarem para o Senhor por causa de alguns dos costumes que caracterizam o Novus Ordo, motivados por uma falsa teologia que descatequiza e recatequiza as crianças, reeducando-as, ao estilo soviético, num novo paradigma do catolicismo.              

Lex orandi, lex credendi, lex vivendi. A nossa maneira de rezar demonstra e ensina aquilo em que acreditamos, e tal, por sua vez, molda a nossa vida à imagem e semelhança disso. Que tipo de fé professamos e como é que vivemos a nossa vida católica? Nota-se observando a liturgia.          

Peter Kwasniewski 
(Tradução: Dies Irae)



[1] Antigamente, na liturgia pontifical, o sub-diácono segurava num pedaço da Hóstia consagrada. Mesmo depois de cair em desuso esse costume, o rito manteve o gesto que nos recorda a santidade de tudo o que está relacionado, mesmo no mais pequeno, com a Sagrada Eucaristia.
[2] Isto contribui, de facto, para a maior unidade do corpo dos crentes. A hierarquia e a unidade são correlativas, não se opõem entre si, como entende falaciosamente a democracia.
[3] Num artigo, que publiquei no blogue New Liturgical Movement, Is It Fitting for the Priest to Recite All the Texts of the Mass?, defendi esta prática, clara influência da Missa baixa sobre a Missa solene, um costume que a maioria dos liturgistas abomina.     
[4] A maneira em que o Novus Ordo combina a comunhão do sacerdote com a dos fiéis é prova da influência protestante. Como ensina a teologia católica, embora seja desejável que o maior número possível de fiéis receba a Comunhão (desde que estejam em estado graça e com as devidas disposições), só é imprescindível que o sacerdote o faça para que seja válida a celebração. Isto obedece a que o sacerdote, ao representar Cristo, representa todo o Corpo Místico, tanto a Cabeça como os membros; o Sacrifício da Cruz efectua-se por si mesmo antes que os seus frutos se comuniquem aos membros individuais da espécie humana.
[5] Estou farto de que nos digam, como se não o soubéssemos, que os cristãos do rito oriental celebram na sua língua vernácula. Para começar, isso não é totalmente verdade; muitos ritos orientais continuam a usar, no todo ou em parte, línguas litúrgicas arcaicas santificadas por séculos de uso constante. E, em segundo lugar, no Oriente sempre houve diversidade e adaptação linguística de uma maneira totalmente estranha à tradição ocidental que, durante 1600 anos, teve o latim como única e exclusiva língua litúrgica. Das duas, uma: ou essa exclusividade linguística foi vontade de Deus ou a Igreja de Roma está confundida há muito tempo, pelo que será melhor tornarmo-nos ortodoxos. Não me custa crer que se deve à vontade de Deus e que, no Rito Romano, mudar para línguas vernáculas foi um erro crasso de clérigos arrogantes e míopes.
[6] Ainda que, por vezes, se utilizem, nas celebrações do Novus Ordo, o latim e o canto gregoriano, é preciso ter presente algo fundamental: a beleza que a Igreja nos proporciona é, antes de tudo, a beleza do próprio rito, que se expande para abarcar e inspirar outras artes. O latim e o canto gregoriano foram criados para apoiar o rito tradicional; melhor, como o corpo que corresponde à alma; a sua grandeza está ligada à sua essência.
[7] Retirado do romance epistolar Mitre and Crook, publicado, pela primeira vez, em 1979.


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São José, modelo de pureza para os homens

São José ocupa nos Evangelhos um papel secundário, tendo-lhe sido confiada, assim como a Maria, uma vida de silêncio e oração.

Estamos habituados a encher a nossa Mãe do Céu de honras e louvores, e fazemos muito bem ao fazê-lo, mas esquecemos muitas vezes o homem que a acompanhou em toda (ou quase) esta aventura de ser Mãe de Deus.

Relembramos inúmeras vezes que Maria foi a escolhida por Deus para Encarnar, tendo sido o seu ventre o primeiro sacrário, mas não nos lembramos que também José foi escolhido por Deus. Foi escolhido para ser o exemplo masculino do Deus feito Homem. Foi com José que Jesus aprendeu (com ciência adquirida) a trabalhar, comportar-se como um homem na família e na sociedade e, até quem sabe, a brincar. A sua fidelidade e simplicidade foram atributos essenciais na missão de ser fiel guardador de Jesus, e de Sua Santíssima Mãe.

Desde sempre o mundo considerou que a virilidade masculina se demonstra através da busca pela sensualidade, e da “carnalidade” das relações. O homem é mais homem quando “possui” muitas mulheres. São José mostra-se exemplo de castidade, a que não será alheio o facto de se ser um homem extremamente humilde. 

Este é um exemplo fortíssimo, especialmente para nós homens, de como pela humildade é possível a castidade, e por consequência a santidade. São José, pai adoptivo do Redentor, deve ser o padroeiro da nossa pureza, a quem se deve recorrer, sem qualquer tipo de receio, como intercessor para evitar a corrupção do corpo e da alma. 

Deixo aqui uma oração belíssima a este Santo Patriarca:

Castíssimo São José, esposo da Mãe de Deus e guarda fiel da sua virgindade: 
alcançai-me por Maria a pureza do corpo e da alma e a vitória sobre todas as tentações e dificuldades.
Encomendo-vos os esposos cristãos, para que unidos em sincero amor e fortalecidos pela graça, se amparem mutuamente nas dificuldades e tribulações.
Rogai por nós, São José, esposo da Virgem Mãe de Deus.
Para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Ámen.


João Silveira


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Bispo avisa políticos italianos que as Missas vão recomeçar, quer queiram quer não

Mons. Giovanni D'Ercole avisou o Estado e os políticos italianos que o culto católico é um direito que eles não podem negar, e que o culto voltará em breve, a bem ou a mal.
Legendas: Fratres in Unum


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terça-feira, 28 de abril de 2020

A morte do justo


"Ninguém no seu leito de morte se arrependeu de ter sido católico."
São Thomas More


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Monge Beneditino escreve sobre o pânico geral provocado pelo Coronavirus

Na verdade, as pessoas têm demasiado medo de morrer ou até de se sentirem um pouco mal. E, neste momento, o medo é desproporcional comparado à ameaça que existe. E porquê? Talvez a razão mais profunda, ou uma das principais, seja a falta de perspectiva futura.

Aqueles que lutavam pela pátria e pela liberdade estavam dispostos a sacrificar as suas vidas precisamente porque o futuro era um bem superior ao presente. Da mesma forma para os católicos: O crente que prefere arriscar a sua vida e perdê-la, em vez de negar a sua fé, tem diante de si o futuro eterno, que existe além deste mundo, o paraíso. 

Hoje, porém, a nossa cultura já não tem futuro, está presa no presente, no efémero: Se perdemos o presente, perdemos tudo. Em geral, portanto, podemos dizer que a força da epidemia em curso neste momento não vem do número de vítimas ou do seu perigo objectivo, mas da fraqueza espiritual da Humanidade.

Dom Giulio Meiattini, Monge Beneditino


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sexta-feira, 24 de abril de 2020

A missão do Sacerdote em tempos de epidemia

O Cardeal John Henry Newman descreveu a forma heróica como muitos sacerdotes do seu País deram a vida para conferir os sacramentos em tempos de epidemia: 

Qual é a recompensa dos sacerdotes por se comprometerem com uma vida de auto-disciplina e trabalho; uma morte prematura e miserável? A febre irlandesa matou, entre Liverpool e Leeds, mais de trinta padres: tanto jovens na flor dos seus dias como velhos que mereciam ter algum sossego depois de décadas de trabalho. 

Houve um Bispo que morreu no norte; mas o que é que um homem da sua classe eclesiástica tinha a ver com o esforço e o perigo do serviço aos doentes, excepto a obrigação que lhe vem da Fé cristã e da caridade? Sacerdotes voluntariaram-se para o perigoso serviço. O mesmo aconteceu no primeiro surto de cólera, aquela misteriosa motivação inspiradora. O que poderia motivar um grupo de hipócritas, durante o surto de uma doença mortal, a ir um atrás do outro numa longa marcha até a esperança perdida, e um após o outro perecendo? 

Assim, posso dizer, que é essa a missão de cada sacerdote. Ele está sempre pronto para se sacrificar pelo seu povo. Noite e dia, doente ou saudável, faça chuva ou faça sol, lá vai ele ele, depois de uma chamada de um doente. O facto de um paroquiano morrer sem os sacramentos por culpa dele é terrível para ele.


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quinta-feira, 23 de abril de 2020

A insensatez diante da morte dos outros

"Enterramos os nossos parentes e amigos, vemos funerais todos os dias, e, não obstante, continuamos prometer-nos longos anos de vida. Insensata promessa que ninguém pode fazer a si próprio!" 

Santo Agostinho


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quarta-feira, 22 de abril de 2020

Mons. Viganò aos portugueses: "Sois um povo com uma grande responsabilidade"

Apresentamos uma entrevista que Mons. Carlo Viganò, ex-núncio apostólico nos Estados Unidos, deu em exclusivo para o blog português Dies Irae:

Excelência, muito obrigado por nos conceder esta entrevista. Estamos a braços com a epidemia do COVID-19 que, nos últimos meses, tem vindo a condicionar a vida de milhões de pessoas e, inclusive, a provocar a morte a tantas outras. Face a esta situação, a Igreja, por meio das Conferências Episcopais, decidiu praticamente encerrar todas as igrejas e privar os fiéis de acederem aos Sacramentos. 
No passado dia 27 de Março, perante uma Praça de São Pedro vazia, o Papa Francisco, agindo de forma manifestamente mediática, presidiu a uma presumida oração pela humanidade. Foram muitas as reacções à forma como o Papa conduziu aquele momento, sendo que uma delas procurou associar a presença solitária de Francisco à Mensagem de Fátima, designadamente ao Terceiro Segredo. Concorda?   

Permita-me, antes de mais, que lhe diga que estou muito feliz por conceder esta entrevista aos fiéis de Portugal, que a Santíssima Virgem prometeu preservar na Fé também nestes tempos de grande provação. Sois um povo com uma grande responsabilidade, porque podereis, em breve, ter de proteger o sagrado fogo da Religião, enquanto as outras Nações se recusam a reconhecer Cristo como seu Rei e Maria Santíssima como sua Rainha.   

A terceira parte da mensagem que Nossa Senhora confiou aos pastorinhos de Fátima, para que eles a entregassem ao Santo Padre, permanece em segredo até hoje. Nossa Senhora pediu para ser revelada em 1960, mas João XXIII publicou, a 8 de Fevereiro daquele ano, um comunicado em que afirmava que a Igreja «
não quer assumir a responsabilidade de garantir a veracidade das palavras que os três pastorinhos dizem que a Virgem Maria lhes dirigiu». Com este afastamento da mensagem da Rainha do Céu, deu-se início a uma operação de encobrimento, evidentemente porque o conteúdo da mensagem revelaria a terrível conspiração dos seus inimigos contra a Igreja de Cristo. Até há algumas décadas, pareceria inacreditável que pudéssemos ter chegado ao ponto de amordaçar também a Virgem Maria, mas nestes últimos anos temos também assistido a tentativas de censurar o próprio Evangelho, que é a Palavra do Seu divino Filho.      

Em 2000, durante o Pontificado de João Paulo II, o Secretário de Estado, Cardeal Sodano, apresentou como Terceiro Segredo uma versão sua que, em relação a alguns elementos, apareceu claramente incompleta. Não admira que o novo Secretário de Estado, Cardeal Bertone, tenha procurado desviar a atenção sobre um evento do passado, a fim de fazer crer ao povo de Deus que as palavras da Virgem não tivessem nada que ver com a crise da Igreja e com o conluio entre modernistas e maçonaria realizado nos bastidores do Vaticano II. Antonio Socci, que investigou exaustivamente sobre o Terceiro Segredo, desmascarou este comportamento malicioso da parte do Cardeal Bertone. Por outro lado, foi o próprio Bertone a desacreditar fortemente e a censurar Nossa Senhora das Lágrimas de Civitavecchia, cuja mensagem concorda perfeitamente com o que Ela disse em Fátima.    


Não esqueçamos o ignorado apelo de Nossa Senhora para que o Papa e todos os Bispos consagrassem a Rússia ao Seu Imaculado Coração, como condição para derrotar o Comunismo e o materialismo ateu: consagrar não “o mundo”, não “aquela nação que Ela quer que Lhe consagremos”, mas “a Rússia”. Custava tanto fazê-lo? Evidentemente que sim, para aqueles que não têm um olhar sobrenatural. Preferiu-se percorrer o caminho da distensão com o regime soviético, inaugurado precisamente por Roncalli, sem compreender que sem Deus não é possível paz alguma. Hoje, com um Presidente da Confederação Russa que certamente é Cristão, o pedido da Virgem poderia ser atendido, evitando posteriores infortúnios para a Igreja e para o mundo.     

O próprio Bento XVI confirmou a actualidade da mensagem da Virgem, apesar de – segundo a interpretação difundida pelo Vaticano – se dever considerar cumprida. Quem leu o Terceiro Segredo disse claramente que o seu conteúdo diz respeito à apostasia da Igreja, iniciada precisamente no princípio dos anos sessenta e que, hoje, chegou a uma fase tão evidente que pode ser reconhecida por observadores seculares. Esta insistência quase obsessiva sobre questões que a Igreja condenou sempre, como o relativismo e a indiferença religiosa, um falso ecumenismo, o ecologismo malthusiano, a homoeresia e o imigracionismo, encontrou na Declaração de Abu Dhabi o cumprimento de um plano concebido pelas seitas secretas desde há mais de dois séculos.    

Em plena Semana Santa e no seguimento do funesto Sínodo sobre a Amazónia, o Papa decidiu instituir uma comissão para debater e estudar o diaconado feminino na Igreja Católica. Crê que se pretende, assim, abrir caminho para uma clericalização da mulher ou, por outras palavras, para uma tentativa de adulteração do Sagrado Sacerdócio instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo em Quinta-Feira Santa? 


A Ordem Sagrada não pode, nem nunca poderá ser modificada na sua essência. O ataque ao Sacerdócio esteve desde sempre no centro de acção dos hereges e do seu inspirador, e é compreensível que assim seja: atingir o Sacerdócio significa destruir a Santa Missa e a Santíssima Eucaristia e todo o edifício sacramental. Entre os inimigos jurados da Ordem Sagrada, não faltaram sequer os modernistas, obviamente, que, desde o século XIX, teorizavam uma igreja sem sacerdotes, ou com sacerdotes e sacerdotisas. Estes delírios, antecipados por alguns expoentes do Modernismo em França, ressurgiram subtilmente no Concílio, com a tentativa de insinuar uma qualquer equivalência entre o Sacerdócio ministerial, derivante da Ordem Sagrada, e o sacerdócio comum dos fiéis, derivante do Baptismo. É significativo que, precisamente a jogar sobre este desejado equívoco, também a liturgia reformada tenha sido afectada pelo erro doutrinal da Lumen gentium, acabando por reduzir o Ministro ordenado a simples presidente de uma assembleia de sacerdotes. Em vez, o sacerdote é alter Christus, não por designação popular, mas por ontológica configuração ao Sumo Sacerdote, Jesus Cristo, a quem deve imitar na santidade de vida e na dedicação absoluta também representada pelo Celibato.             

O passo sucessivo deveria necessariamente cumprir-se, se não com a eliminação do Sacerdócio em si, pelo menos tornando-o ineficaz, alargando-o às mulheres, que não podem ser ordenadas: exactamente o que aconteceu nas seitas protestantes e anglicanas, que hoje também experimentam a embaraçante situação de ter bispas lésbicas na chamada igreja de Inglaterra. Mas é evidente que o “pretexto” ecuménico – ou seja, o aproximar-se às comunidades dissidentes e adquirir até os erros mais recentes – tem na base o ódio de Satanás ao Sacerdócio e conduziria inevitavelmente a Igreja de Cristo à ruína. Por outro lado, também o Celibato eclesiástico é objecto do mesmo ataque, porque é próprio e distintivo da Igreja Católica e constitui uma preciosa defesa do Sacerdócio que a Tradição zelosamente guardou ao longo dos séculos.                        

A tentativa de introduzir uma forma de ministério ordenado feminino na Igreja não é recente, não obstante as repetidas declarações do Magistério. Até João Paulo II definiu, de modo inequívoco, e com todos os requisitos canónicos de uma declaração infalível ex Cathedra, que não é absolutamente possível questionar a doutrina sobre este argumento. Mas como se pôde servir do Catecismo para declarar a pena de morte “não conforme ao Evangelho” – algo inédito e herético –, hoje está-se a tentar criar ex novo uma qualquer forma de diaconado feminino, evidentemente preparatória a uma futura introdução do sacerdócio feminino. A primeira comissão criada por Bergoglio há alguns anos, deu parecer negativo, confirmando o que, para além disso, nem deveria ser objecto de discussão; mas se aquela comissão não pôde obedecer aos desejos de Francisco, isto não significa que não possa fazê-lo uma outra comissão, cujos membros, escolhidos por ele, sejam mais “dóceis” e desinibidos na demolição de um outro pilar da Fé católica. Não duvido que Bergoglio disponha de métodos persuasivos e que possa exercer formas de pressão sobre a comissão teológica; mas estou igualmente certo de que, na eventualidade que este órgão consultivo devesse dar um parecer favorável, não se deveria necessariamente chegar a uma declaração oficial do Papa para se ver multiplicar diaconisas nas Dioceses da Alemanha ou da Holanda, no silêncio de Roma. O método é conhecido e, por um lado, permite atingir o Sacerdócio, e, por outro, dar um cómodo álibi àqueles que, dentro da estrutura eclesial, poderão sempre apelar ao facto de que “o Papa não permitiu nada de novo”. Fizeram o mesmo ao autorizar as Conferências Episcopais a legislar autonomamente sobre a Comunhão na mão, que, imposta pelo abuso, hoje se tornou prática universal.           

Deve-se dizer que esta vontade de promover as mulheres na hierarquia trai a inquietação de seguir a mentalidade moderna, que tirou à mulher o seu papel de mãe e esposa para desestruturar a família natural.              

Recordemos que esta abordagem dos dogmas da Igreja confirma um facto inegável: Bergoglio adoptou a chamada teologia da situação, cujos lugares teológicos são factos ou assuntos acidentais: o mundo, a natureza, a figura feminina, os jovens... Teologia esta que não tem como próprio centro fundante a verdade imutável e eterna de Deus, mas, pelo contrário, parte da constatação da urgência obrigatória dos fenómenos para dar respostas coerentes com as expectativas do mundo contemporâneo.       

Excelência, segundo historiadores de reconhecido mérito, o Concílio Vaticano II representou uma ruptura da Igreja com a Tradição, daí o aparecimento de correntes de pensamento que querem transformá-la numa mera “associação filantrópica” que abrace o mundo e a sua utopia globalista. Como vê este grave problema?                

Uma igreja que se destaca como nova em respeito à Igreja de Cristo, simplesmente não é a Igreja de Cristo! A Religião Mosaica, ou seja, a “igreja da antiga lei”, querida por Deus para conduzir o Seu povo até à vinda do Messias, teve o seu cumprimento na Nova Aliança e foi definitivamente revogada, no Calvário, pelo sacrifício de Cristo: do Seu lado nasce a Igreja da Nova e Eterna Aliança, que substitui a Sinagoga. Parece que também a igreja pós-conciliar, modernista e maçónica, ambiciona a transformar, a superar a Igreja de Cristo, substituindo-a por uma “neo-Igreja”, criatura deformada e monstruosa que não vem de Deus.                  

O objectivo desta neo-Igreja não é levar o povo eleito a reconhecer o Messias, como para a Sinagoga; não é converter e salvar todos os povos antes da segunda vinda de Cristo, como para a Igreja Católica, mas constituir-se como braço espiritual da Nova Ordem Mundial e defensor da Religião Universal. Neste sentido, a revolução conciliar teve que primeiro demolir o legado da Igreja, a sua Tradição milenar, da qual extraía a própria vitalidade e autoridade como Corpo Místico de Cristo, para depois se livrar dos expoentes da antiga Hierarquia, e só recentemente começou a propor-se, sem pretensão, para aquilo que pretende ser.                                 

Aquilo a que chama utopia é, na verdade, uma distopia, porque representa a concretização do plano da Maçonaria e a preparação do advento do Anticristo.                   

Também estou convencido de que a maioria dos meus Irmãos e, mais ainda, a quase totalidade dos sacerdotes e dos fiéis não estão absolutamente cientes deste plano infernal, e que os acontecimentos recentes tenham aberto os olhos a muitos. A sua fé permitirá a Nosso Senhor reunir o pusillus grex em torno do verdadeiro Pastor antes do confronto final.          

Para restaurar o antigo esplendor da Igreja, será preciso pôr em causa muitos aspectos doutrinais do Concílio. Que pontos do Vaticano II poria em causa?                                       


Creio que não faltam personalidades eminentes que expressaram melhor do que eu os pontos críticos do Concílio. Há quem acredite que seria menos complicado e certamente mais inteligente seguir a prática da Igreja e dos Papas como foi aplicada com o Sínodo de Pistoia: também nele havia algo de bom, mas os erros que afirmava foram considerados suficientes para deixá-lo cair no esquecimento.

O actual Pontificado representa o culminar de um processo que se abre com o Concílio Vaticano II, desejado no chamado “Pacto das Catacumbas”, ou ainda está numa fase intermédia?      


Como é próprio de cada revolução, os heróis da primeira hora acabam frequentemente por ser vítimas do seu próprio sistema, como aconteceu com Robespierre. Quem ontem era considerado o porta-estandarte do espírito conciliar, hoje quase parece um conservador: os exemplos estão à vista de todos. E já há aqueles que, nos círculos intelectuais do progressismo (como o frequentado por um certo Massimo Faggioli, altivo no nome mas dissonante no sobrenome), começam a propagar aqui e ali algumas dúvidas sobre a real capacidade de Bergoglio para fazer “escolhas corajosas” – por exemplo, de abolir o Celibato, de admitir mulheres ao Sacerdócio ou de legitimar a communicatio in sacris com os hereges – quase desejando que ele se afaste para fazer eleger um Papa ainda mais obediente àquelas elites que tinham no Pacto das Catacumbas e na máfia de São Galo os seus adeptos mais inescrupulosos e determinados.

Excelência, actualmente, nós, católicos, sentimo-nos frequentemente isolados pela Igreja e quase abandonados pelos nossos Pastores. O que pode Vossa Excelência dizer aos hierarcas e aos fiéis que, não obstante a confusão e o erro que se estão a difundir na Igreja, procuram perseverar nesta dura batalha de conservar a integridade da nossa Fé?      

As minhas palavras seriam, certamente, inadequadas. O que me limito a fazer é repetir as palavras de Nosso Senhor, Verbo eterno do Pai: 
E Eu estarei sempre convosco até ao fim do mundo. Sentimo-nos isolados, certo: mas não se sentiram assim também os Apóstolos e todos os Cristãos? Não se sentiu abandonado, no Getsémani, até mesmo Nosso Senhor? São os tempos da provação, talvez da provação final: devemos beber o cálice amargo e, mesmo que seja humano implorar ao Senhor que o afaste de nós, devemos repetir com confiança: Não se faça, contudo, a minha vontade, mas a Tua, recordando as Suas reconfortantes palavras: No mundo tereis aflições, mas tende confiança! Eu venci o mundo. Depois da provação, por mais dura e dolorosa que seja, está preparado para nós o prémio eterno, que ninguém nos poderá tirar. A Igreja voltará a brilhar com a glória do seu Senhor depois deste terrível e prolongado Tríduo Pascal.  

Mas se a oração é, certamente, indispensável, não nos devemos eximir de combater o bom combate, fazendo-nos testemunhas de uma corajosa militância sob o estandarte da Cruz de Cristo. Não nos deixemos ser apontados, como fez a criada com São Pedro, no pátio do sumo sacerdote: «Também tu estavas com Jesus, o Galileu», para depois negar Cristo. Não nos deixemos intimidar! Não permitamos que se ponha a mordaça da tolerância a quem quer proclamar a Verdade! Peçamos à Virgem Maria que a nossa língua possa proclamar com coragem o Reino de Deus e a Sua Justiça. Que se renove o milagre da Lapa, quando Maria Santíssima deu voz à pequena Joana, nascida muda. Possa Ela, novamente, dar-nos voz também a nós, Seus filhos, que ficámos mudos durante muito tempo.    

Nossa Senhora de Fátima, Rainha das Vitórias, Ora pro nobis
 


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Oração para afastar o maligno

Visitai, Senhor, esta morada
Afastai dela as emboscadas do inimigo
Habitem nela os vossos santos Anjos e nos guardem em paz
E a Vossa bênção esteja sempre connosco
Por Nosso Senhor...
Ámen


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terça-feira, 21 de abril de 2020

A grave acusação de Chesterton contra Capitalismo

Nunca será suficiente repetir que aquilo que destruiu a família no mundo moderno foi o Capitalismo. Sem dúvidas, isto poderia ter sido feito pelo Comunismo: isso se o Comunismo tivesse tido alguma oportunidade de crescer fora do ambiente semi-mongólico onde actualmente floresceu. 

Mas, sobre aquilo no qual somos tão preocupados, o que realmente causou a destruição do lar e encorajou o divórcio, que tratou as antigas virtudes domésticas com mais e mais desprezo, foi a época e o poder do Capitalismo. 

Foi o Capitalismo que forçou o feudo moral e a competição comercial entre os sexos; foi o Capitalismo que destruiu a influência dos pais de família em favor da influência do patrão; que conduziu o homem de sua casa à procura de empregos; que os forçou a viver perto de fábricas e firmas, ao invés de estarem próximos às suas famílias; e, acima de tudo, foi o Capitalismo que encorajou, por razões comerciais, a exibição de publicidade e novidades espalhafatosas, que, ns sua própria natureza, são a morte de tudo aquilo que é chamado dignidade e modéstia, pelas nossas mães e pelos nossos pais.


G. K. Chesterton in ''The Collected Works (The Well and the Shallows: Three Foes of the Family)''. Edit. Ignatius Press, 1990, Vol. 3, pp., 442-445


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segunda-feira, 20 de abril de 2020

Transformação do altar durante a Vigília Pascal


Instituto de Cristo Rei e Sumo Sacerdote
(Saint Mary's Oratory - Rockford, Illinois)


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A mão de Deus e a mão dos homens

O cenário internacional da Primavera de 2020 é novo, inesperado e dramático. O que domina é a confusão porque ninguém pode dizer que sabe realmente o que aconteceu: de onde vem o Coronavírus, quando desaparecerá e como deve ser enfrentado. É certo, porém, que, no fundo deste cenário, continuam a combater-se na história duas cidades, Civitas Dei e Civitas diabuli: o seu fim é aniquilarem-se uma à outra. São as duas cidades de que fala Santo Agostinho: «Uma é a sociedade dos homens devotos, a outra dos rebeldes, cada uma com os anjos que lhe pertencem, em que de uma parte é superior o amor a Deus e da outra o amor próprio» (De Civitate Dei, liv. XIV, c. 13, 1).     
     
Esta luta mortal foi evocada, com palavras eficazes, por Pio XII no seu discurso, de 12 de Outubro de 1952, aos homens da Acção Católica. O Papa afirmava que o mundo estava ameaçado por um inimigo muito pior do que aquele representado, no século V, por Átila, “flagelo de Deus”: 

«Ó, não Nos pergunteis qual é o “inimigo”, nem que vestes usa. Encontra-se por toda a parte e no meio de todos; sabe ser violento e subtil. Nestes últimos séculos, tentou provocar a desintegração intelectual, moral e social da unidade no misterioso organismo de Cristo. Queria a natureza sem a graça; a razão sem a fé; a liberdade sem a autoridade; por vezes, a autoridade sem a liberdade. É um “inimigo” que se tornou cada vez mais concreto, com uma crueldade que ainda nos deixa atónitos: Cristo sim, Igreja não. Depois: Deus sim, Cristo não. Por fim, o grito ímpio: Deus está morto; mais: Deus nunca existiu. E aqui está a tentativa de edificar a estrutura do mundo sobre fundações que Nós não hesitamos em apontar como as principais responsáveis da ameaça que paira sobre a humanidade: uma economia sem Deus, um direito sem Deus, uma política sem Deus».         

A este terrível inimigo, a escola de pensamento contra-revolucionário, referindo-se ao ensinamento dos Papas, deu o nome de Revolução: um processo histórico plurissecular que tem como meta a destruição da Igreja e da Civilização cristã. A Revolução tem como seus agentes todas as forças secretas que actuam, de forma pública ou oculta, para este fim. Os contra-revolucionários são aqueles que se opõem a este processo de dissolução e que combatem pela instauração da Civilização cristã, a única civilização digna deste nome, como recorda São Pio X (Encíclica Il fermo proposito de 11 de Junho de 1905).               

O conflito entre revolucionários e contra-revolucionários continua na época do Coronavírus. É lógico que cada um deles tenta tirar o máximo proveito da nova situação. A existência de perturbadoras manobras revolucionárias para aproveitamento dos acontecimentos não significa, porém, que estas forças tenham criado a situação em que nos encontramos, nem que a controlam e dirigem. Os representantes dos mais diversos governos, da China aos Estados Unidos, da Grã-Bretanha à Alemanha, da Hungria à Itália, impuseram, nos seus países, as mesmas medidas sanitárias, como a quarentena, de que, no início, alguns deles desconfiavam. 

Estes líderes políticos terão sido dominados por uma ditadura sanitária que lhes foi imposta pelos virologistas? Mas os virologistas, por seu turno, que inicialmente estavam divididos, porque alguns deles consideravam o Coronavírus apenas uma “má influência”, foram agredidos pela realidade e, hoje, concordam sobre a necessidade de medidas mais drásticas para conter o vírus. A verdade é que a ciência médica mostrou-se incapaz de erradicar o vírus. A escolha da quarentena, a mesma que é feita há milénios diante de uma grave epidemia, nasce do bom senso, não da sua específica competência médica.       

O problema não é, naturalmente, apenas sanitário, e, na sociedade interligada, o vírus poderia ter as suas mais graves consequências nos campos económico e social. Mas a solução deste tipo de problemas, que se agravam em todo o mundo, depende dos políticos, não dos médicos. E se a classe política internacional, para tomar as suas decisões, se abriga atrás do ecrã das autoridades de saúde, é por causa da inadequação daqueles que actualmente governam o mundo. O fracasso político é paralelo ao sanitário. Como esquecer que a suprema autoridade sanitária internacional, a Organização Mundial de Saúde, há trinta anos anunciava «um mundo sem epidemias», graças ao projecto “Saúde para todos até ao ano 2000”, com a consequência de, em muitos países, os fundos dedicados à saúde terem sido cortados ou direccionados principalmente para as doenças raras? 

O director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, politicamente próximo da China comunista, foi, a 28 de Janeiro de 2020, a Pequim, onde, após um encontro com o presidente Xi Jinping, comunicou ao mundo que, em Wuhan, estava tudo controlado, minimizando a extensão da catástrofe. Só depois de muitas hesitações é que a OMS tomou nota da realidade, continuando a mentir sobre o número de contágios e de mortes por ela provocados, que certamente não são superestimados, mas subestimados.          

Aos problemas económicos e sociais, juntam-se, como consequência de um prolongado bloqueio e de uma radical mudança de vida imposta pelo Coronavírus, aqueles, igualmente graves, de ordem psicológica e moral. Mas aqui a palavra, mais do que aos médicos e aos políticos, caberia aos sacerdotes, aos bispos e, por último, ao supremo pastor da Igreja universal. No entanto, a imagem que o Papa Francisco deu no Tríduo Pascal é a de um homem abatido e deprimido, incapaz também ele de fazer frente à catástrofe com as armas espirituais de que dispõe. O mesmo pode-se dizer da grande maioria dos bispos. A classe eclesiástica, desprovida de sérios estudos teológicos e de autêntica vida espiritual, revela-se tão inadequada quanto a classe política para orientar o seu rebanho na escuridão do tempo presente.                 

Nesta situação, o que deveriam fazer os contra-revolucionários, os fiéis da Tradição, os católicos zelosos cheios de espírito apostólico? Qual deveria ser a sua estratégia diante das manobras das forças das trevas?                     

Deveriam, antes de mais, mostrar que está a colapsar um mundo, aquele mundo globalizado que os projectos disformes de Bill Gates e dos seus amigos não serão capazes de manter em pé, apesar de todos os esforços. O fim deste mundo, filho da Revolução, foi anunciado, há cem anos, em Fátima, e o horizonte que enfrentamos não é a hora da ditadura final do Anticristo, mas a do triunfo irreversível do Imaculado Coração de Maria, precedido pelos castigos anunciados por Nossa Senhora caso a humanidade não se tivesse convertido. Hoje, mesmo entre os melhores católicos, há uma resistência psicológica a falar de castigos, mas o conde Joseph de Maistre adverte: «O castigo governa toda a humanidade; o castigo guarda-a; o castigo vigia enquanto os homens de guarda dormem. O homem sábio considera o castigo como a perfeição da justiça» (Le serate di San Pietroburgo, trad. it. Rusconi, Milano 1971, p. 31).    

São Carlos Borromeu lembra, por sua vez, que «entre todas as outras correcções que a Sua divina Majestade manda, é habitual atribuir-se, de modo especial, à Sua mão o castigo da peste» e explica este princípio com o exemplo de David, o rei pecador, a quem Deus deu a escolher, como castigo, entre a peste, a guerra e a fome. David escolheu a peste com estas palavras: «Melius est ut incidam in manus Domini, quam in manus hominum»[1]. Portanto, conclui São Carlos, «a peste, entre a guerra e a fome, é muito especialmente atribuída à mão de Deus» (Memoriale ai Milanesi di Carlo Borromeo, Giordano Editore, Milano 1965, p. 34).           

É hora de reconhecer a mão misericordiosa de Deus nos flagelos que começam a atingir a humanidade.         

Roberto de Mattei in Corrispondenza Romana
Tradução: diesirae.pt

[1] Trad.: É melhor que eu me coloque nas mãos de Deus que nas mãos dos homens.


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