quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Jesus ordena ao demónio: "Vai com os porcos"

Vede a que ponto a alma do homem é preciosa. O que contraria os que pensam que os homens e os animais têm uma alma idêntica e que somos animados pelo mesmo espírito. Noutra altura, o demónio foi expulso de um só homem e foi enviado para dois mil porcos (cf Mt 8,32). 

Aquilo que era precioso foi salvo, e o que era vil, perdido: «Sai do homem, vai para os porcos. Vai para onde quiseres, vai para os abismos. Deixa o homem que é Minha propriedade. Não te vou deixar possuir o homem pois seria para Mim um ultraje instalares-te nele em Meu lugar. Assumi um corpo humano, vivo no homem: essa carne que possuis faz parte da Minha carne: sai deste homem!»

São Jerónimo in Homilias sobre o Evangelho de São Marcos, nº2


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A Eutanásia e a Amoris Laetitia

Apesar do Papa João Paulo II reafirmar a Doutrina-Disciplina de sempre na Familiaris Consortio a impossibilidade de absolver e dar a Sagrada Comunhão a quem tendo casado validamente pela Igreja se divorciava (ou separava) e vivesse amantizado, contraindo ou não um pseudocasamento civil, havia padres que desobedecendo à Verdade o contrariavam fazendo exactamente o contrário, confirmando assim as pessoas no pecado.

Também de há uns anos a esta parte há padres que admitem aos Sacramentos pessoas que obstinadamente procuram a eutanásia e/ou o suicídio assistido, absolvendo-os, dando-lhes a Santa Unção e a Sagrada Comunhão. Contra esta prática insurge-se, condenando-a, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, em documento aprovado pelo Santo Padre. 


O que aí consta, a Doutrina-Disciplina de sempre, pode e deve também ser aplicado ao adultério. E, no entanto, a Amoris Laetitia, tal como interpretada pelo Papa Francisco na sua Carta aos Bispos Argentinos, por diversas Conferências Episcopais, vários Bispos e Cardeais, contradiz perentoriamente aquilo que é afirmado categoricamente nesta carta da CDF, aprovada pelo Santo Padre, intitulada Samaritanus bónus. Por isso, receio que estes padres continuem a absolver e conceder os restantes Sacramentos a quem está decidido a dar cabo da sua vida, na esperança que apareça um novo Papa que aprove a conduta.

 

De facto, esta diz textualmente:

 

“Um caso todo particular em que hoje é necessário reafirmar o ensinamento da Igreja é o acompanhamento pastoral de quem pediu expressamente a eutanásia ou o suicídio assistido. A respeito do sacramento da Reconciliação, o confessor deve assegurar-se que haja a contrição, a qual é necessária para a validade da absolvição, e que consiste na «dor da alma e a reprovação do pecado cometido, acompanhada do propósito de não mais pecar no futuro». No nosso caso, encontramo-nos diante de uma pessoa que, além de suas disposições subjetivas, realizou a escolha de um ato gravemente imoral e persevera nisso livremente. Trata-se de uma manifesta não-disposição para a recepção dos sacramentos da Penitência, com a absolvição, e da Unção, assim como do Viático.


Poderá receber tais sacramentos no momento em que a sua disposição em dar passos concretos permita ao ministro concluir que o penitente modificou sua decisão. Isto comporta também que uma pessoa que se registrou em uma associação para receber a eutanásia ou o suicídio assistido deva mostrar o propósito de anular tal inscrição antes de receber os sacramentos. Recorde-se que a necessidade de postergar a absolvição não implica um juízo sobre a imputabilidade da culpa, dado que a responsabilidade pessoal poderia ser diminuída ou até mesmo não subsistir.” (Congregação para a Doutrina da Fé, Carta Samaritanus Bonus, nº 11)

 

À Honra de CRISTO. Amen.


Padre Nuno Serras Pereira



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domingo, 27 de setembro de 2020

Por que razão a crítica de Viganò ao Concílio deve ser levada a sério

Esta tem sido a linha dos conservadores há muito tempo: uma “hermenêutica da continuidade” combinada com fortes críticas às brigadas episcopais e clericais. A implausibilidade dessa abordagem é demonstrada por, entre outros sinais, o sucesso mínimo que os conservadores tiveram em reverter as “reformas” desastrosas, tendências, hábitos e instituições estabelecidas na esteira e em nome do último concílio, com aprovação ou tolerância papal. 

Um paralelo secular vem à lembrança: o terreno árido do “conservadorismo” político americano, no qual qualquer conformidade remanescente das leis humanas e das decisões judiciais com a lei natural evapora-se diante dos nossos olhos.
  
O que o arcebispo Viganò tem dito recentemente com uma franqueza incomum nos sacerdotes de hoje é apenas uma nova parte de uma crítica de longa data oferecida pelos católicos tradicionais, do “O concílio de João XXIII” de Michael Davies e “Iota Unum” de Romano Amerio a “O Concílio Vaticano II: uma história não escrita” de Roberto de Mattei e “Phoenix from the Ashes” de Henry Sire.

Vemos bispos, conferências episcopais, cardeais e papas a construir um “novo paradigma”, peça por peça, durante mais de meio século – uma “nova” fé católica que, na melhor das hipóteses, apenas se sobrepõe parcialmente e, na pior das hipóteses, contradiz a tradicional fé católica como a encontramos expressa nos Padres e Doutores da Igreja, nos concílios anteriores e nas centenas de catecismos tradicionais, sem mencionar os antigos ritos litúrgicos latinos que foram suprimidos e substituídos por ritos radicalmente diferentes. 

Tão enorme é o abismo separa o velho e o novo que não podemos deixar de perguntar qual o papel desempenhado pelo Concílio Ecuménico Vaticano II no desenrolar de uma história modernista que tem o seu início no final dos anos do século XIX e o seu desfecho no presente. A linha de Loisy, Tyrrell e Hügel a Küng, Teilhard e Ratzinger (jovem) a Kasper, Bergoglio e Tagle é bastante directa quando se começa a ligar os pontos. Isso não quer dizer que não haja diferenças interessantes e importantes entre esses homens, mas apenas que compartilham princípios que seriam tidos como duvidosos, perigosos ou heréticos por qualquer um dos grandes confessores e teólogos, de Agostinho e Crisóstomo a Tomás de Aquino e Roberto Belarmino. 

Temos que abandonar de uma vez por todas a ingenuidade de pensar que a única coisa que importa no Vaticano II são seus textos promulgados. Não. Nesse caso, os progressistas e os tradicionalistas concordam, com razão, que o evento é tão importante quanto os textos (neste ponto, veja-se o livro incomparável de Roberto de Mattei). A imprecisão dos propósitos para os quais o Concílio foi convocado; a maneira manipuladora como foi conduzido; a maneira consistentemente liberal em que foi implementado, quase sem reclamações por parte episcopado mundial – nada disso é irrelevante para interpretar o significado e significância dos textos do Concílio, que exibem géneros novos e ambiguidades perigosas, sem mencionar passagens que têm todos os traços de erro claros, como os ensinamentos sobre os muçulmanos e os cristãos adorarem o mesmo Deus, dos quais o bispo Athanasius Schneider fez uma crítica devastadora em Christus Vincit [i] . 

É surpreendente que, nesta fase tardia, ainda houvesse defensores dos documentos do Concílio, quando é claro que eles se prestavam primorosamente ao objectivo de uma total modernização e secularização da Igreja. Mesmo que o seu conteúdo fosse inquestionável, a sua verbosidade, complexidade e mistura de verdades óbvias com ideias duvidosas forneciam o pretexto perfeito para a revolução. Essa revolução agora está derretida nesses textos, fundida a eles como peças de metal passadas por um forno superaquecido. 

Assim, o próprio acto de citar o Vaticano II tornou-se um sinal de que a pessoa deseja alinhar-se com tudo o que foi feito pelos papas – sim, pelos papas! – em seu nome. Na vanguarda está a destruição litúrgica, mas exemplos podem ser multiplicados ad nauseam: consideremos momentos sombrios como os encontros interreligiosos de Assis, cuja lógica João Paulo II defendeu exclusivamente nos termos de uma série de citações do Vaticano II. O pontificado de Francisco apenas pisou o acelerador. O Vaticano II é sempre usado para explicar ou justificar todos os desvios e afastamentos da histórica fé dogmática. 

Tudo isso é pura coincidência – uma série de notáveis interpretações infelizes e julgamentos desobedientes que uma leitura honesta dos textos poderia dissipar, como o sol que brilha através das nuvens cinzentas? Não existem coisas boas nos documentos?
  
Estudei e ensinei os documentos do Concílio, alguns deles inúmeras vezes. Conheço-os muito bem. Como sou um devoto dos “Grandes Livros” e sempre lecionei nas escolas de Grandes Livros, os meus cursos de teologia normalmente começavam com as Escrituras e os Padres da Igreja, depois entrava nos escolásticos (especialmente São Tomás) e terminava com textos magisteriais: encíclicas papais e documentos conciliares.
  
Muitas vezes senti um aperto no coração quando o curso chegava a algum documento do Vaticano II, como Lumen Gentium, Sacrosanctum Concilium, Dignitatis Humanae, Unitatis Redintegratio, Nostra Aetate ou Gaudium et Spes. É claro, é claro! – esses textos têm muito de belo e ortodoxo. Eles nunca teriam conseguido o número necessário de votos se fossem flagrantemente contra a doutrina católica. 

No entanto, são também produtos de comissões extensas, pesadas e inconsistentes, que desnecessariamente complicam muitos assuntos e carecem da clareza cristalina que um concílio deveria alcançar pelo trabalho duro. Basta examinar os documentos de Trento ou os sete primeiros concílios ecumênicos para ver exemplos brilhantes desse estilo rigidamente construído, que interrompe a heresia em todos os pontos possíveis, na medida em que os padres do concílio eram capazes naquela conjuntura [ii]. 

Ao passo que há frases no Vaticano II – e não poucas – em que se pára e se diz: “Sério? Estou realmente a ler estas palavras? Que coisa errada de se dizer” [iii].
  
Eu costumava dizer, com os conservadores, que deveríamos “pegar no que há de bom no Concílio e deixar para trás o resto”. O problema dessa abordagem é denunciado pelo Papa Leão XIII na sua Encíclica Satis Cognitum: 

"Os arianos, os montanistas, os novacianos, os quartodecimanos, os eutiquianos, certamente não rejeitaram toda a doutrina católica: eles abandonaram apenas uma parte dela. Ainda há quem não saiba que eles foram declarados hereges e banidos do seio da Igreja? Da mesma forma, foram condenados todos os autores de princípios heréticos que os seguiram nos tempos subsequentes. Não pode haver nada mais perigoso do que aqueles hereges que admitem quase toda a doutrina e, no entanto, com uma palavra, como com uma gota de veneno, infectam a fé real e simples ensinada por Nosso Senhor e transmitida pela tradição apostólica.” (Anon., Tratado da Fé Ortodoxa contra os Arianos). 

Por outras palavras: é a mistura, a confusão, de grande, bom, indiferente, ruim, genérico, ambíguo, problemático, errado, tudo isso em enorme quantidade, que faz com que o Vaticano II seja merecedor de repúdio. [iv] 

Sempre houve problemas depois dos concílios da Igreja? 

Sim, sem dúvida: os concílios da Igreja foram seguidos por um grau maior ou menor de controvérsia. Mas essas dificuldades eram geralmente apesar, não por causa da natureza e do conteúdo dos documentos. Santo Atanásio podia apelar repetidamente a Niceia, como a uma bandeira de batalha, porque o seu ensino era sucinto e sólido. Os papas, após o Concílio de Trento, podiam apelar repetidamente aos seus cânones e decretos, porque o ensino era sucinto e sólido. Embora Trento tenha produzido um grande número de documentos ao longo dos anos em que as sessões ocorreram (1545 a 1563), cada documento é uma maravilha de clareza, sem uma palavra desperdiçada. 

No mínimo, os documentos do Vaticano II falharam miseravelmente no propósito do Concílio, conforme explicado pelo Papa João XXIII. Ele disse em 1962 que queria uma apresentação mais acessível da Fé para o Homem Moderno. ”Em 1965, tornou-se dolorosamente óbvio que os 16 documentos nunca seriam algo que apenas se reuniria num livro e se entregaria a todos os leigos ou interessados. Pode-se dizer que o Concílio caiu entre dois suportes: não produziu um ponto de entrada acessível para o mundo moderno nem um “plano de compromisso” sucinto para os pastores e teólogos confiarem. O que conseguiu? Uma enorme quantidade de papelada, muita prosa ventosa e uma cutucada: “Adaptem-se ao mundo moderno, meninos!” 

É por isso que o último concílio é absolutamente irrecuperável. Se o projecto de modernização resultou numa perda maciça de identidade católica, mesmo de competência doutrinária básica e moral, o caminho a seguir é prestar os últimos respeitos ao grande símbolo desse projecto e vê-lo enterrado. Como Martin Mosebach diz, a verdadeira “reforma” significa sempre um retorno à forma – isto é, um retorno a uma disciplina mais rígida, doutrina mais clara, adoração mais completa. Não significa nem pode significar o contrário. 

Existe algo da substância da Fé, ou algum benefício indiscutível, que perderíamos se nos despedissemos do último concílio e nunca mais ouvíssemos o seu nome mencionado novamente? A Tradição Católica já possui em si imensos recursos (e, especialmente hoje, em grande parte inexplorados) para lidar com todas as questões irritantes que enfrentamos no mundo de hoje. Agora, quase um quarto do caminho para um século diferente, estamos num lugar muito diferente, e as ferramentas de que precisamos não são as da década de 1960. 

O que, então, pode ser feito no futuro? 

Desde a carta do arcebispo Viganò em 9 de Junho e os seus subsequentes escritos sobre o assunto, as pessoas discutem o que pode significar “anular” o Concílio Vaticano II. Eu vejo três possibilidades teóricas para um futuro papa. 

Poderia publicar um novo Sílabo de erros (como o bispo Schneider propôs em 2010) que identifica e condena os erros comuns associados ao Vaticano II, sem atribuí-los explicitamente ao Vaticano II: “Se alguém disser XYZ, seja anátema.” Isso deixaria em aberto o grau em que os documentos do Concílio realmente contêm os erros; no entanto, fecharia a porta para muitas “leituras” populares do Concílio. 

Poderia declarar que, olhando para o meio século passado, podemos ver que os documentos do Concílio, por causa das suas ambiguidades e dificuldades, causaram mais mal do que bem na vida da Igreja e deveriam, no futuro, não ser mais referenciados como autoritários na discussão teológica. O Concílio deve ser tratado como um evento histórico cuja relevância já passou. Novamente, essa postura não precisaria afirmar que os documentos estão errados; seria um reconhecimento de que o Concílio mostrou que “não vale o problema”. 

Poderia especificamente “negar” ou anular certos documentos ou partes de documentos, como partes do Concílio de Constança que nunca foram reconhecidas ou foram repudiadas. 

A segunda e terceira possibilidades decorrem do reconhecimento de que o Concílio assumiu a forma, única entre todos os concílios ecumênicos da história da Igreja, de ser “pastoral” em propósito e natureza, de acordo com João XXIII e Paulo VI; isso tornaria deixá-lo de lado relativamente fácil. À objeção de que, ainda, forçosamente, ele diz respeito a questões de fé e moral, eu responderia que os bispos nunca definiram nada e nunca anatematizaram nada. Até as “constituições dogmáticas” não estabelecem dogmas. É um concílio curiosamente expositivo e catequético, que não resolve quase nada e incomoda bastante. 

Como quer que seja que um futuro papa ou concílio lide com essa confusão completamente arraigada, a nossa tarefa como católicos permanece como sempre foi: manter a fé dos nossos pais nas suas expressões normativas e confiáveis, a saber, a lex orandi dos ritos litúrgicos tradicionais do Oriente e do Ocidente, a lex credendi dos Credos aprovados e o testemunho consistente do Magistério ordinário universal, e a lex vivendi demonstrada pelos santos canonizados ao longo dos séculos, antes da confusão se estabelecer. Isso é suficiente, e mais que suficiente.

Peter Kwasniewski in onepeterfive
(Tradução: Fratres in Unum)

[i] Veja-se a sinopse aqui
[ii] É digno de nota que João XXIII nomeou comissões preparatórias que produziram documentos curtos, justos e claros para o próximo Concílio trabalhar – e depois permitiram que a facção liberal ou “Reno” dos pais do Concílio descartassem esses projetos e os substituíssem por novos. A única exceção foi o Sacrosanctum Concilium, projeto de Bugnini, que navegou sem grandes problemas. 
[iii] Não se trata apenas de más traduções; as primeiras traduções eram geralmente boas e então depois as traduções pioravam os textos ainda mais. 
[iv] Como o cardeal Walter Kasper admitiu num artigo publicado no L’Osservatore Romano a 12 de Abril de 2013: “Em muitos lugares, [os Padres do Concílio ] tiveram que encontrar fórmulas de compromisso, nas quais, frequentemente, as posições da maioria são localizado imediatamente ao lado da minoria, projectado para delimitá-los. Assim, os próprios textos conciliares têm um enorme potencial de conflito, abrindo a porta para uma recepção selectiva em qualquer direcção.” 


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sábado, 26 de setembro de 2020

Prova única de divindade: sentir-se em casa em qualquer altar de qualquer país do mundo

[Neste ponto da história o Padre está num navio a fazer a travessia do Atlântico em direcção à Europa, prestes a oferecer Missa]
Senti-me que nem um bispo ao paramentar-me no pequeno altar - uma violação da lei liturgica que era justificada pela necessidade. Os paramentos de estilo italiano tinham uma sensação um pouco estranha, e o missal e o cálice pareciam muito pequenos. E não havia degraus para subir e descer. Mas eu saí do tapete anterior ao altar, benzi-me e comecei - "Introibo ad altare Dei". Imaginem a minha surpresa quando praticamente toda a congregação respondeu! "Ad Deum qui laetificat juventutem meam". 

Claro, eram italianos, e o Latim é muito parecido com a sua bela língua. Além disto, praticamente todos os homens italianos aprendem a servir à Missa, e em Itália é mais provável ter um homem velho no povo vir a coxear até ao altar para responder às orações do que encontrar um rapazinho em batina e sobrepeliz para servir à nossa Missa.

Então a Missa continuou, com as pessoas a sentarem-se, levantarem-se e ajoelharem-se na altura própria, apesar de o mais pequeno movimento do barco tornarem isto difícil e muitos, com bastante razão se desculparem de se ajoelharem excepto na consagração. Certamente não era uma distracção quando pensei, durante uma pausa nas orações, que bela criatura de Deus é esta nossa Igreja Católica, espalhada por toda a Terra, cobrindo até o mar, trazendo homens e mulheres de todas as terras e línguas a ajoelharem-se perante um altar comum. 

Aqui estava eu, um sacerdote americano, sem o menor conhecimento de qualquer língua estrangeira, a começar uma jornada que me levaria a vários países, e no entanto bastante em casa neste altar no meio do Oceano, tal como estaria em qualquer altar de qualquer dos países que ia visitar. 

Os mesmos arranjos, o mesmo missal, as mesmas orações, as mesmas cerimónias em qualquer lugar, apenas com pequenas e não-essenciais diferenças, o que tornaria o estudo dos costumes eclesiásticos dos vários lugares interessante sem ser distractivo. Certamente, pensei, nenhuma outra religião pode mostrar tamanha prova de divindade como esta. 

Pe. Michael Andrew Chapman, in Open My Heart: Travel Sketches By A Pilgrim Priest (1930)


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Conselhos práticos para seguir a vontade de Deus

O que Cristo fez e ensinou foi a vontade de Deus: 

A humildade na conduta, a firmeza na fé, a contenção nas palavras, a justiça nas acções, a misericórdia nas obras, a rectidão nos costumes; ser incapaz de fazer o mal, mas poder tolerá-lo quando se é vítima dele; manter a paz com os irmãos; querer ao Senhor de todo o coração; amar nele o Pai e temer a Deus. 

Não pôr nada à frente de Cristo, pois Ele próprio nada pôs à nossa frente; ligarmo-nos inabalavelmente ao seu amor; abraçar com força e confiança a própria cruz; quando for preciso, lutar pelo seu nome e pela sua honra, mostrar constância na nossa profissão de fé; sob tortura, mostrar essa confiança que sustenta o nosso combate e, na morte, essa perseverança que nos faz alcançar a coroa. 

Querer ser herdeiro com Cristo, é nisso que consiste obedecer aos preceitos de Deus. É nisso que consiste cumprir a vontade do Pai.

São Cipriano (bispo de Cartago e mártir) in 'A oração do Senhor'


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sexta-feira, 25 de setembro de 2020

50 anos da FSSPX e trasladação do corpo de Mons. Lefebvre

Ontem, no Seminário de Êcone, foi celebrada Missa Pontifical de acção de graças pelos 50 anos da Fraternidade de São Pio X. Em seguida, procedeu-se à trasladação do corpo de Mons. Lefebvre, fundador da Fraternidade, da cripta do Seminário para a cripta da Igreja do Imaculado Coração de Maria.













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quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Profissão Monástica em França

O Mosteiro de São Bento, na diocese de Fréjus-Toulon celebrou a profissão solene de um dos monges, Dom Ildefonso. O rito é belíssimo, especialmente a parte em que o monge está prostrado no chão da capela coberto por um pano fúnebre, que simboliza a sua morte para o mundo.


Vale a pena ler toda a descrição das cerimónias na página do New Liturgical Movement.











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terça-feira, 22 de setembro de 2020

O inquérito romano relativo à Missa Tradicional revisitado

No dia 7 de Março passado, a Congregação para a Doutrina da Fé lançou junto de todos os bispos da Igreja latina um inquérito sobre a aplicação do motu proprio Summorum Pontificum, com o fito de auscultar também quais as necessidades sentidas no âmbito da forma extraordinária do rito romano (veja-se a carta 744 de 4 de Maio de 2020). Muitos foram os que então, mas ainda hoje, se inquietaram e se inquietam a propósito do que se seguirá a uma tal medida. Pedimos, por isso, a Christian Marquant, presidente de “Oremus-Paix Liturgique” que nos desse conta das suas impressões, agora que são volvidos sete meses sobre o lançamento dessa iniciativa.


Paix Liturgique: Na sua opinião, qual o motivo de se ter decidido levar a cabo este inquérito?

Christian Marquant: Por um lado, é notório que, em Roma e no episcopado italiano, existe uma tendência que preferiria que a missa tradicional e, mais ainda, os institutos “Ecclesia Dei” ficassem sob a alçada do direito comum, isto é, que ficassem submetidos, respectivamente, à Congregação para o Culto Divino e à Congregação para os Religiosos (como era conhecida). A resposta do Papa, que sofre tais pressões, foi a resposta clássica de um governo que procura furtar-se à crítica: organizar um inquérito. Para além disso, é também normal que a Santa Sé queira obter mais informações sobre a situação e o desenvolvimento actual no âmbito do universo Summorum Pontificum, e isto fá-lo segundo o método que é habitual em Roma: interroga-se os bispos. O que até então acontecia por ocasião e no decurso das visitas ad limina que os bispos fazem a Roma, país por país, decide-se agora fazer a nível mundial. E é por isso que, no fim de contas, tomo este inquérito como uma boa notícia, na medida que esse deveria obrigar os nossos pastores diocesanos a abandonarem a situação de negociacionismo autístico em que tão amiúde se encerram diante da nossa realidade. Isso, se, pelo menos, responderem objectivamente às questões que lhes foram postas.


Paix Liturgique: E crê que as autoridades vaticanas não conhecem de facto esta realidade?

Christian Marquant: Apenas imperfeitamente, porque apenas se ocupam de uma parte desta realidade. Desde há muito tempo (desde as conversações com Mons. Lefebvre, que fracassaram em 1988, e desde o reinício dessas conversações, a partir de 2000 até às últimas eleições da FSSPX), a atenção das autoridades vaticanas voltou-se exclusivamente para a Fraternidade São Pio X. Para quem não está a par da realidade das coisas, importa dizer que ela, não sendo a totalidade, constitui ainda assim o núcleo essencial do mundo tradicional, conquanto, e isto cada vez mais, ela não seja senão um dos elementos – ainda que importante – do universo ligado à liturgia e ao catecismo tradicionais. Depois, para a Roma pós-conciliar, ela representa também um insucesso simbólico de grande monta, uma pedra no sapato: desde que a Igreja, com o Vaticano II, se abriu ao ecumenismo, não conseguiu fazer reentrar no seu seio qualquer comunidade separada (excepto um certo número de anglicanos); pelo contrário: teve sim de enfrentar uma nova ruptura, a da FSSPX.


Paix Liturgique: Entende que a prioridade dada a este interesse particular é um erro?

Christian Marquant: Não me cabe julgar das prioridades e dos polos de interesse das autoridades romanas. Ainda assim, atrever-me-ia a dizer que interessar-se essencialmente pela questão da Fraternidade São Pio X, para essas mesmas autoridades, tem representado uma falta de profissionalismo, por carecer de uma análise objectiva e duma visão da realidade tal como ela é. Roma acabou por ficar contaminada pela questão da FSSPX, porque esta era a vitrina da oposição ao Concílio, porque, desde 1974, se tornou um reservatório de sacerdotes tradicionais e porque, em 1988, se realizaram as consagrações episcopais. Quanto ao resto do universo tradicional, em 1988, a Santa Sé estabeleceu-lhe uma situação de tolerância (Ecclesia Dei), que teoricamente se veio a tornar uma situação de direito em 2007 (Summorum Pontificum), mas não olha para o fenómeno como ele é na realidade nem para o que ele se vai tornando dia após dia. As conferências episcopais nacionais fizeram ainda pior, interpretando sempre em sentido minimalista as decisões de Roma.


Paix Liturgique: Porquê?

Christian Marquant: Neste plano do episcopado, o que frequentemente se encontra é uma cegueira. Verifico que a maioria dos nossos pastores não dedicaram muita energia a tentar compreender o movimento tradicional e o potencial que ele apresentava. Procuraram simplesmente ostracizá-lo por meio de ataques, e amiúde, é preciso dizê-lo, com retoques de consumado despropósito ou tolice, enquanto continuavam a afirmar a torto e a direito que não havia qualquer problema litúrgico ou catequético, quando mais de 90% dos católicos da Europa ocidental se afastavam da Igreja!...


Paix Liturgique: Mas será que poderiam ter visto as coisas doutra maneira?

Christian Marquant: Certamente que sim. Bastaria abrir os olhos. Desde há três anos que publicamos e expomos qual a situação da liturgia tradicional no conjunto dos continenentes do globo. Damo-nos logo conta de que o universo Summorum Pontificum está em constante desenvolvimento. Hoje, inclusivamente, está mais difundido e é mais importante do que o universo da São Pio X. E os dois juntos, representam na Igreja um conjunto que cada vez menos admite ser ignorado, no meio de uma derrocada do ponto de vista do número de sacerdotes e de religiosos (no Ocidente) como do ponto de vista da doutrina (por todo o lado).


Paix Liturgique: Crê que as proporções desta situação vão aumentar?

Christian Marquant: Com efeito, é o que irá acontecer. Importa notar, em primeiro lugar, que as iniciativas tradicionais no âmbito Summorum Pontificum são hoje muito numerosas – pense-se, em França, na rede de escolas privadas sem contrato com o Estado – e que o seu público vem multiplicar o da liturgia tradicional. O crescimento do número de lugares onde se celebra a missa tradicional foi objecto de uma medição exacta por ocasião dos 10 anos do motu proprio (grosso modo, esse número duplicou). Este crescimento irá continuar. A par disso, se, quando se pensa no universo tradicional, importa que evitemos centrar-nos na FSSPX, por outro lado, ao pensarmos no meio tradicional “oficial”, também convém evitar não ir além das comunidades “Ecclesia Dei”. É bem verdade que, no que toca a sacerdotes e apostolados, elas mostram estar em pleno vigor, mas observamos que o movimento Summorum Pontificum é hoje maioritariamente diocesano e paroquial, o que deixa entrever um futuro desenvolvimento rápido e praticamente ilimitado.


Paix Liturgique: Não haverá aí algum exagero?

Christian Marquant: Lembro que, nos últimos 20 anos, já levámos a cabo mais de 40 sondagens de opinião, não apenas em França, mas nos principais países europeus e, agora, em todos os continentes... Ora bem, os resultados são muito significativos, indicando que, por todo o lado, quaisquer que sejam as regiões analisadas ou a cultura dominante aí presente, deparamos com pelo menos 30% dos católicos praticantes que desejam viver a sua fé católica ao ritmo da liturgia tradicional. Já não se trata, por conseguinte, de umas quantas ilhotas de nostálgicos que possamos apontar e contar pelos dedos: estes 30% de fiéis representam hoje centenas de milhões de católicos que, decididamente, não estão satisfeitos com a liturgia que se lhes apresenta.


Paix Liturgique: Trata-se de uma novidade?

Christian Marquant: De todo! O ribombar mediático pós-conciliar que nos foi matraqueando mascarou a realidade e quis fazer crer que todos os católicos eram fervorosos apoiantes das novidades: ora, isso é falso, e sempre foi falso! Mas aqui, como em tantos outros domínios, as elites, e assim, as autoridades diocesanas, não quiseram dar ouvidos, e, hoje, deparam com esta realidade diante dos olhos e não a compreendem.


Paix Liturgique: É por isso, então, que se alegra com este inquérito romano enviado a todos os bispos do mundo?

Christian Marquant: Há pouco, comecei por falar dos bispos italianos hostis ao desenvolvimento da liturgia tradicional. Pois eles aperceberam-se tão bem do perigo deste inquérito – cujos resultados serão tratados pelo pessoal do departamento da Congregação para a Doutrina da Fé encarregue da liturgia tradicional –, que, por própria iniciativa, decidiram modificar o método ditado por Roma: os bispos italianos receberam da sua Conferência Episcopal a ordem de enviar as suas respostas, não à Congregação para a Doutrina da Fé, mas sim à Conferência Episcopal Italiana, encarregando-se ela própria de os tratar, de fazer uma síntese e de os enviar à Santa Sé.

Não podendo ser ingénuo (sei bem que os opositores da liturgia tradicional continuarão a fazer de tudo contra ela), vejo nisto a prova de que a verdade incomoda. Ora, esta verdade é o peso que tem o universo Summorum Pontificum, enquanto o mesmo representa o descontentamento duma fracção muito considerável dos católicos de todos os países do mundo.


Paix Liturgique: Crê, portanto, que este estado de coisas incomoda? 

Christian Marquant: É o que acho, e dou-lhe uma razão: dias atrás, o nosso amigo Marco Sgroi, presidente da Coordenação Summorum Pontificum de Itália, anunciava-nos que, em 2019, ou seja, no espaço de apenas um ano, o número dos lugares onde se celebra a liturgia tradicional em Itália, passara de 129 para 134, ou seja, mais 5 novos lugares de culto, um crescimento de 4% no âmbito de 77 das 222 dioceses latinas italianas, e que, em Itália, os pedidos de celebração são cada vez mais numerosos (pelo menos, trinta pedidos conhecidos, situados na maior parte em dioceses onde, actualmente, a liturgia tradicional não é celebrada); e sabemos que nesse país, como em muitos outros, se esteve a martelar anos a fio que o “problema tradicional era um problema franco-francês”... Bem se pode compreender que, hoje, o episcopado italiano esteja inquieto como outrora foi o caso do episcopado francês.


Paix Liturgique: Parece, então, que está optimista?

Christian Marquant: Por natureza e por esperança crsitã. No caso vertente, contra ventos e marés, o facto é que já não será mais possível negar o desenvolvimento da liturgia tradicional. Isto, se quisermos ser honestos. Mas, nem por isso, desaparecerá a má fé, também o sabemos. Haverá quem continuará a afirmar, contra toda a réstea de bom senso, que este movimento e os seus fiéis não existem. Na Carta 744 da “Paix Liturgique”, relatava-se que o mais virulento dos inimigos da liturgia tridentina, o Professor Andrea Grillo, que ensina na Pontifícia Universidade de Santo Anselmo, havia lançado uma petição a 1 de Abril de 2020 em que se pedia que esta liturgia cessasse de gozar de um estatuto de excepção e que fosse plenamente submetida aos bispos diocesanos e à Congregação para o Culto Divino. Dito doutro modo, o escopo dos inimigos da missa tradicional é que ela fique sujeita aos bispos, e, por fim, seja aniquilada.


Paix Liturgique: E isso não será possível?

Christian Marquant: Não! Primeiro, porque a ligação à missa tradicional é como que consubstancial à fé católica, na medida em que se trata de uma ligação a uma lex orandi muito pura da Igreja romana. A Igreja romana, e por conseguinte a sua fé litúrgica, têm palavras de vida eterna. Não Andrea Grillo.

Muitas foram já as tentativas para sufocar esta liturgia e tudo o que ela traz consigo, já lá vão 50 anos, e todas se demonstraram infrutíferas. Mais o serão amanhã, com o passar do tempo, em virtude do risco de se ver deflagrar uma guerra litúrgica bem mais intensa do que a dos anos 70, num corpo eclesiástico hoje extremamente fragilizado... Alguém imagina o Papa Francisco que, amanhã, lança uma cruzada clerical – horresco referens – contra os que amam o silêncio e a piedade tradicional? Para mim, creio ser impensável, e, sobretudo, impossível.


Paix Liturgique: Se assim é, o que se pode esperar deste inquérito?

Christian Marquant: Não sei, mas, assim o espero, poderá vir a ajudar a que se tome consciênciada da amplitude do fenómeno tradicional. É que estou persuadido de que, dentro de cinquenta anos, a maior parte dos sacerdotes diocesanos ou religiosos já serão, pelo menos, algo bi-ritualistas, e a liturgia tradicional será reconhecida por todos, tanto por fiéis como por sacerdotes, como um tesouro espiritual e teológico da Igreja romana.

Carta 105 - Paix Liturgique em Português

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segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Porta Pia: ainda por resolver a questão Igreja-Estado 150 anos depois

O Estado que ocupou Roma a 20 de Setembro de 1870 é o estado liberal moderno que rompeu os laços com a lei natural e divina como fontes de legitimidade. Surge de um acto de força, portanto não tem legitimidade, que é sempre um facto moral: o que respeita a ordem natural e finalística das coisas é legítimo, o que não o respeita é violência ilegítima, mesmo que tenha o sufrágio da maioria . Uma questão que até a Igreja evita esclarecer.

A questão da captura de Roma a 20 de setembro de 1870 não deve ser descartada, nem mesmo na sua versão de facto providencial que finalmente teria libertado a Igreja do lastro do poder temporal. Deve ser examinado em todos os seus aspectos que, no entanto, não são apenas históricos, mas também de princípio, digamos teóricos.

Isso colocava e ainda levanta o problema da legitimidade do Estado. Pio IX excomungou, então, o Estado italiano e o rei Vittorio Emanuele II e, assim, reafirmou os critérios correctos para considerar um Estado como legítimo, começando com o critério mais combatido e tenazmente negado então e agora, que é: dar legitimidade a um Estado (ou removê-la como no caso da Porta Pia) fica a cargo da Igreja. A posição de Pio IX também apresenta outros aspectos, mas este parece-me o fundamental e altamente actual, porque com o passar do tempo parece não ter sido resolvido, aliás a questão da legitimidade do Estado foi abandonada e quase ninguém o apresenta: os Estados existem e o simples facto de existirem também os legitima.

O estatuto (a constituição diríamos hoje) do Estado italiano proclamado em 1861 ainda continha a referência a Deus e considerava que o Rei de Itália o era por vontade de Deus, termo que foi retomado pelo Estatuto do Reino de Sabóia, posteriormente estendido a quase toda a península. No entanto, sabemos que essa expressão legal era agora letra morta, porque tanto o estado piemontês, primeiro, como o estado italiano, de então, foram inspirados, como todos os estados liberais do século XIX, pelo modelo do estado napoleónico. Este tipo de Estado - Homem-animal-máquina-Deus como disse Hobbes - que quer reduzir a si mesma toda a sociedade, padronizando-a às suas próprias necessidades, exclui o próprio problema da legitimidade, fazendo-o coincidir com a sua própria vontade.

O Estado que ocupou Roma a 20 de setembro de 1870 é o estado liberal moderno que rompeu os laços com a lei natural e, mais ainda, com a lei divina como fontes últimas de legitimidade. Não que tenha procurado em outro lugar outros critérios de legitimação, na verdade eliminou o problema: o Estado nasce de um acto de força, seja expresso por uma Vontade geral (Rousseau) ou por um Leviatã (Hobbes). Portanto, não tem legitimidade, porque um acto de força não pode ter legitimidade moral, nem a busca: sua legitimidade consiste na actualidade, isto é, em impô-la.

Portanto, ainda que o estatuto se referisse explicitamente a uma legitimidade derivada do direito natural e divino, os estados piemontês e italiano mantiveram essas afirmações por conveniência de imagem, mas esvaziaram-nas de qualquer significado. A política cavouriana e, depois, dos governos italianos com respeito ao casamento e à família, a destruição ope legis das ordens religiosas, as mãos postas na educação dos futuros cidadãos, a imposição de uma religião civil ateísta inspirada no materialismo positivista eliminam qualquer dúvida em mérito. Tudo isso havia sido contestado por Gregório XVI e Pio IX no plano doutrinário, após a brecha da Porta Pia o acto de excomunhão do Estado foi aprovado com o convite aos católicos para considerá-lo alheio a eles. Estranho porque é deslegitimado, portanto ilegítimo.

Podemos perguntar: a República Italiana é hoje um Estado legítimo? E a França ateia e anticlerical? E a Holanda com as suas leis desumanas? Ou a Alemanha que Peter Hahne disse ser agora um grande bordel? Hoje ninguém questiona se esses (e outros) estados são legítimos. O tema foi posto de lado, mas a lembrança de Porta Pia e a encíclica Rescipientes de Pio IX de 1 de Novembro de 1870 trazem-no de volta à vida. Em rigor, devemos dizer que nenhum estado actual é legítimo?

Normalmente, hoje acredita-se que o voto popular legitima o estado. Acima de tudo, o voto popular expresso na fase constituinte. Mas o voto popular não legitima nada porque é uma contagem quantitativa pura de opiniões desmotivadas. O voto popular também pede para ser legitimado, pois é apenas uma forma de tomar decisões e não o seu fundamento. A legitimação é sempre um facto moral, o que respeita a ordem natural e finalística das coisas é legítimo, o que não o respeita é a violência ilegítima, ainda que tenha o sufrágio da maioria. A constituição italiana não é legitimada porque é aprovada por maioria em assembleia e depois por referendo, é o contrário. Se o voto fosse para legitimar uma constituição que não respeita a lei natural, seria - o voto - deslegitimado. Entre outras coisas, a tomada de Roma em 1870 nem sequer foi decidida dessa forma, portanto, nem sequer tem a desculpa do formalismo processual democrático.

150 anos se passaram desde a Brecha da Porta Pia. A Igreja foi a primeira a perder a memória deste acontecimento. Mas como pode a Igreja hoje falar na esfera pública sem ter ideias claras sobre o que legitima o poder político? E se o problema da legitimidade é resolvido através da realidade (o que é necessário é legítimo) toda a estrutura da sociedade justa se desmorona, em todos os aspectos da vida comunitária e falar sobre o bem comum torna-se impossível.

Stefano Fontana in La Nuova Bussola Quotidiana


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A vocação de São Mateus

«Jesus viu um homem chamado Mateus,
sentado no posto de cobrança, e disse-lhe:
«Segue-me!» E ele levantou-se e seguiu-O.»

A beleza deste episódio é que não se trata de ficção
Mas da história real de um homem concreto
Frágil como eu, pecador como eu.

A beleza desta história é que se repete no tempo,
Com cada homem e cada mulher que um dia cruzou o seu olhar com o olhar de Jesus.

Porque Ele permanece vivo e verdadeiro, contemporâneo e próximo, olha para mim com o mesmo olhar de bondade e misericórdia que penetrou até ao fundo o coração daquele cobrador de impostos.

E eu bem sei que assim foi. E eu bem sei que assim é!
Posso disfarçar, posso distrair-me, mas não o posso negar.

Afinal a diferença entre mim e S. Mateus
é a radicalidade do seguimento de que ele foi capaz,
jogando toda a sua liberdade, arriscando tudo,
até ao último bater do seu coração.

Eu quero seguir-Te, Senhor,
eu quero ser Teu, como o Teu Apóstolo.
Não Te canses de me desafiar,
não Te canses de me chamar...
até ao meu último instante.

Rui Corrêa d'Oliveira in Bom dia


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domingo, 20 de setembro de 2020

Sacerdote foi proibido de publicar vídeos depois de recomendar aos fiéis que não usem máscara

O Padre Daniel Nolan é um sacerdote da Fraternidade Sacerdotal de São Pedro que trabalha na paróquia de Nossa Senhora do Monte Carmelo, em Littleton, Colorado.

O Padre Nolan, num encontro com paroquianos, cujo vídeo correu as redes sociais, explicou que, para uma pessoa saudável, a probabilidade de morrer de Covid é 0,006% e que ninguém os pode obrigar a usar máscara:

"Eles não nos podem obrigar a usar máscara. É uma mentira. Eles estão a mentir a todos nós. Não usem máscara. Mesmo que o vosso Bispos vos diga para usar não usem. E digo-vos: desobedeçam ao vosso Bispo, desobedeçam ao Governador. 

Devemos obedecer antes a Deus do que aos homens. E se o Bispo vos der uma ordem que pode prejudicar a vossa saúde, que é contra a razão, que é contrária ao bem-comum desobedeçam a essa ordem."

Os superiores do Padre Nolan, com o apoio da Arquidiocese de Denver decidiram proibi-lo de publicar vídeos na internet.


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14 correções do Papa Bento XVI a grande parte das Missas celebradas hoje em dia

Quando ainda era Cardeal, o Papa Bento escreveu um pequeno, mas importante livro, chamado: Introdução ao Espírito da Liturgia. Nele, o Cardeal Ratzinger procurou corrigir muitas das novas concepções litúrgicas que transformaram o modo como o clero e os fiéis olham para a Santa Missa. Deixamos aqui 14 delas:
I. A celebração versus populum é uma fabricação a-histórica. A Santa Missa não é um banquete.
“Em nenhum lugar da antiguidade cristã se conceberia a ideia de que o presidente de um banquete se postasse versus populum. O caráter comunitário de um banquete era sublinhado por uma ordem contrária, a saber, pelo facto de que todos os participantes ficavam do mesmo lado da mesa. A esta análise da forma do banquete deve ser acrescentado que a Eucaristia dos cristãos, de modo algum, pode ser suficientemente explicada com o conceito de banquete. Pois que o Senhor estabeleceu a novidade do Culto Cristão no ambiente de um banquete pascal judaico, mas ordenou que se repetisse somente o que fez de novo, e não o banquete.” (p. 68)
II. Contra o clerocentrismo pós-conciliar e a ideia de que, de algum modo, a Liturgia depende, como de uma fonte, dos assistentes leigos que enchem os presbitérios.
“Em verdade, com isso [a ideia de que o banquete é norma para a Missa], realizou-se um clerocentrismo litúrgico, que antes nunca existira. Agora o sacerdote, ou melhor, o ‘presidente’, como se prefere chamá-lo, é o ponto de convergência para todos, tudo depende dele e ele deve ser visto, (…) sua ‘criatividade’ sustenta tudo. Por isso, era razoável que se procurasse uma medida para reduzir este papel novo que fora criado. Isto se deu pela distribuição de multiformes atividades a grupos leigos, confiando à sua criatividade o papel de ‘criar’ a forma da celebração. Estes grupos acabam colocando-se a si mesmos em primeiro plano, fazendo com que Deus esteja cada vez mais ao lado.” (p. 69)
III. No centro do Altar deve ficar, bem visível, a Cruz.
“A Cruz deve ficar no meio do altar, deve ser, para o sacerdote e a comunidade, a ponto de mira, de convergência dos olhares… Eu considero verdadeiramente absurda a invenção, aparecida nos últimos anos, de colocar a Cruz ao lado, a fim de que se possa ver livremente o sacerdote. Acaso a Cruz causa estorvo à celebração Eucarística? É o sacerdote mais importante que o Senhor? Este erro deve ser corrigido o quanto antes. Isto é possível sem novas construções.” (p. 73)
IV. Uma Igreja sem a Presença Eucarística é morta. A comunhão exige adoração Eucarística.
O Cardeal aponta a seguinte objeção: “A Transubstanciação do Pão e do Vinho, a Adoração do Senhor no Santíssimo Sacramento, o culto Eucarístico com ostensório e procissões – tudo isso seriam erros medievais, que devem ser eliminados de uma vez por todas. Os dons Eucarísticos são para comer, não para contemplar” (p. 74). Mas depois responde: “Comer a Eucaristia é um acontecimento espiritual e de todo homem. Comungar é adorar. Comungar significa deixar o Senhor em mim de tal modo que eu seja transformado… Assim, a Adoração não está contra, nem ao lado da Comunhão. Na verdade, esta só é bem acolhida e alcança a sua profundidade quando recebida e abraçada com Adoração. A presença Eucarística no Sacrário não constitui um conceito contraditório do da celebração Eucarística, mas é necessária para a sua plena realização… Uma igreja sem presença Eucarística é, de qualquer modo, morta. Mas a igreja onde, diante do Sacrário, está acesa a luz eterna, vive sempre, é muito mais que um mero edifício de pedras. É mister que na arquitetura da igreja o Sacrário se encontre no lugar que revela a Sua primordial importância” (p. 74).
V. O iconoclasmo é a negação da Encarnação.
“Os concílios da antiguidade cristã consideram as imagens (ícones) como uma profissão de Fé na Encarnação… e o iconoclasmo como negação da Encarnação e soma de todas as heresias” (p. 105). “O ‘novo iconoclasmo’ foi considerado muitas vezes como mandato do Vaticano II… A iconoclastia afastou alguma coisa indigna, mas deixou um grande vão, cuja penúria nós sentimos muito fortemente” (p. 112).
VI. Dançar na Liturgia é coisa não cristã. É sinal de perda total da Liturgia.
“A dança não é um modo de exprimir-se da Liturgia Cristã. Representantes de círculos gnósticos-docetistas procuraram, no século III, introduzir a dança na Liturgia. Para eles a Crucifixão era mera aparência… Totalmente absurdo é que, na tentativa de fazer a Liturgia mais atrativa, se façam pantominas dançantes (inclusive com grupos profissionais) que sempre terminam em aplausos. Sempre que surgem aplausos para uma ação humana na Liturgia, esta é totalmente perdida, sendo substituída por uma espécie de ‘divertimento’ com intenção supostamente religiosa. Tal atrativo é de curta duração; no mercado dos divertimentos há coisas muito mais sedutoras, contra as quais o ‘divertimento religioso’ não pode concorrer.” (p.170)
VII. O ajoelhar-se, segundo o modelo de Cristo, é a posição correta para entrar no Sacrifício da Cruz.
O Cardeal chama a atenção à frequência com que o Evangelho menciona o acto de ajoelhar-se quando fala da oração de Cristo. Os Evangelistas Mateus (XXII, 39), Marcos (XIV, 35) e Lucas (XXII, 41) unanimemente relatam a prostração e o ajoelhar-se de Cristo na quinta-feira da Semana Santa. “Esta oração, como oração de entrada na Paixão é, segundo a forma e o conteúdo, exemplar” (p. 160). Como a Missa é o Sacrifício da Cruz, começar as orações ao pé do altar de joelhos é uma consequência natural, sendo o modelo do próprio Cristo.
VIII. Hodiernamente, há formas de Ofertório que são uma paródia do substancial.
“A cena quase teatral, dos diversos ‘actores’, que hoje, sobretudo no Ofertório, se pode presenciar, desvia-se definitivamente do essencial. Se cada uma das ações exteriores (que são poucas, mas vêm aumentando sem necessidade) torna-se o substancial da Missa, e esta Liturgia se desnatura em uma mera ação exterior, então o próprio ‘Drama Divino da Liturgia’ se deforma numa paródia” (p. 150). “Se o ‘sentar-se’ durante o Ofertório é a posição adequada, não o trataremos aqui. Tal prática, de origem recente, é oriunda de um certo conceito desta parte da Santa Liturgia, que considera o Ofertório como uma ação meramente pragmática, cujo caráter sacral é simplesmente negado” (p. 168).
IX. O ajoelhar-se durante a Consagração é absolutamente necessário. Uma Liturgia sem ajoelhar-se está mui profundamente doente.
O Cardeal enumera uma abundância de acontecimentos bíblicos em que os homens se ajoelharam diante de Cristo e conclui: “Por isso o dobrar dos joelhos diante da presença do Deus Vivo é sumamente necessário” (p.164). “A incapacidade para ajoelhar-se parece, diretamente, como essência do diabólico… É possível que a cultura moderna considere o ajoelhar-se uma coisa estranha – isto, enquanto sendo uma cultura que se afastou da Fé, e não conhece mais Aquele diante do qual o estar de joelhos é a única postura adequada, e essencialmente necessária. Quem aprende a crer, aprende também a ajoelhar-se. Uma Fé ou uma Liturgia que não mais conhece o ajoelhar-se, seria doente no seu próprio centro. O ajoelhar-se, nos lugares onde se perdeu, deve ser recuperado” (p. 166). “Àquele que crendo e rezando participa da Eucaristia, deve ser profundamente comovente o momento em que o Senhor desce e transubstancia o pão e o vinho em seu Corpo e Sangue. Perante tal acontecimento, não poderia ser outra a nossa postura, que o colocar-nos reverentemente de joelhos, saudando assim o Senhor” (p. 182).
XII. O silêncio durante o Cânon é um insistente clamor a Deus; novas Orações Eucarísticas escorregam para a banalidade.
“No ano de 1978, a contra-gosto de alguns liturgistas, afirmei que não havia necessidade, de modo algum, de recitar o Cânon em voz alta. Depois de muito meditar, desejo, aqui, repetir o mesmo, esperando que, passados vinte anos, tenha-se alcançado maior compreensão desta tese. Entretanto, os liturgistas alemães, em seus esforços para a reforma do Missal, expressamente afirmaram que o ápice da Liturgia Eucarística actual, o Cânon, tornou-se o próprio centro da crise litúrgica. Desde logo após a reforma se procurou sanar este problema com a contínua invenção de novas Preces Eucarísticas, no entanto, resvalou-se cada vez mais para o banal. A multiplicação das palavras não ajuda a superar o problema. É realmente falso dizer que o pronunciar do Cânon em voz alta seja condição para a participação de todos neste acto central da Celebração Eucarística… Somente aquele que experimentou uma igreja unida no silêncio do Cânon, vivenciou o que é um ‘silêncio preenchido’, que ao mesmo tempo é uma clamorosa e insistente súplica a Deus e uma oração cheia de espírito.” (p. 184)
XIII. O tumulto causado pelo hodierno Abraço da Paz.
“A actual ordem do Abraço da Paz causa frequentemente um grande tumulto na comunidade, (…) em que, inusitadamente, entra o convite para volver os olhos ao Cordeiro de Deus.” (p. 183)
XIV. Os rezares silenciosos do sacerdote antes do Evangelho, e antes e depois da Comunhão são necessários.
“As orações silenciosas, pronunciadas pelo sacerdote, constituem um outro motivo, oferecido pela própria Liturgia, para aquele silêncio cheio de significado, pois que a ação litúrgica não é interrompida por este silêncio, mas o tem como parte integrante de si. Uma visão sociológico-ativista da tarefa do sacerdote na Eucaristia desaprova e elimina estas orações… As orações que o padre faz em silêncio o convidam a realizar a sua tarefa com um cunho mais pessoal, a fim de que ele próprio se ofereça a Deus… A reforma litúrgica reduziu significativamente o número destas orações, mas graças a Deus ainda sobraram algumas, pois elas devem continuar a existir. Em primeiro lugar vem a oração preparatória à proclamação do Evangelho, que o sacerdote deve recitar com grande devoção e no silêncio… Sobre o significado do Ofertório, que na nova Liturgia não é claro, já tratamos noutro lugar” (p. 182).


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