Para quem nasceu depois do encerramento do Concílio e actualmente tem como missão organizar encontros de bispos europeus, imaginar uma reunião de mais de 2000 bispos é impressionante. Que em períodos de 2 meses, durante quatro anos, todos os bispos católicos do mundo se tenham encontrado para juntos escreverem uma série de documentos que fossem, ao mesmo tempo, capazes de confirmar e reforçar a fé dos católicos e tornar mais actual a sua expressão, é algo de imponente.
Em quatro anos, foram preparados, discutidos, corrigidos e aprovados 16 documentos. Hoje estes são ainda actualíssimos, não apenas para padres e teólogos, mas para todos os que desejam perceber melhor o modo como a Igreja está presente neste mundo. Infelizmente pouca gente os leu seriamente e quase ninguém hoje os lê. Muitas vezes são tratados como se fossem apenas mais textos, sem que uma pessoa se dê conta do valor especial destes textos escritos por todos os bispos em comunhão com o Papa. Bento XVI, porém, quis recordar o Concílio 50 anos depois da sua abertura para levar as pessoas a lerem estes tesouros da fé católica.
Mas estes textos não são simples e foram muitas vezes mal usados. Nos anos sessenta e mesmo até aos anos oitenta, houve muita gente que pretendeu que os textos pouco interessavam porque deviam ser considerados apenas uma etapa de um processo de modernização da Igreja, e que, por isso, o importante era o “espírito” do Concílio. Com isto houve uma tendência a dizer que com o Concílio se assistiu a uma ruptura entre o antes e o depois e que antes era tudo errado e depois era tudo bom. Este tipo de interpretações, marcadas, segundo me parece, por uma absorção da mentalidade mundana do tempo que queria negar tudo o que fosse do passado e julgava poder inventar tudo de novo – todas as relações sociais, as regras, os ideais e valores, etc – levou a que o Concílio fosse abusivamente usado para todo o tipo de bizarrices doutrinais, litúrgicas, pastorais. Cada um se sentia no direito de inventar uma nova liturgia, de defender novas ideias, de propor uma nova moral. Hoje este tempo passou – mesmo que ainda haja quem não se tenha dado conta –, e a infecundidade de uma tal atitude, por toda a Europa, mostra que estava errada.
Pelo contrário, os três grandes Papas: Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, todos eles protagonistas do próprio Concílio, permitiram uma leitura dos documentos que mostram o verdadeiro valor do Concílio. Não se pode perceber o significado deste Concílio e o sentido dos seus documentos sem a ajuda do magistério dos Papas.
Dois princípios podem e devem ser utilizados. Um primeiro, vem-nos de Karol Wojtyla (cf. “Nas fontes do renovamento” – livro comentário do então arcebispo de Cracóvia sobre o Concílio). Dizia o futuro Papa que todos os Concílios têm como missão enriquecer a fé dos crentes. Um enriquecimento conceptual – perceber melhor aquilo em que acreditamos, distinguindo o que seja erro do que é a verdade revelada – e um enriquecimento da experiência de fé – viver de modo mais profundo e autêntico a fé. Também o Concílio Vaticano II, com acrescida razão por pretender desde o início ser um Concílio pastoral - deve ser lido neste sentido. Por isso, todas as interpretações ou todos os abusos que recorrem ao “espírito” contra a “letra”, e que em vez de enriquecer a fé levam a uma perda da fé, evidentemente que não respeitam a vontade dos padres Conciliares e não reconhecem a presença do Espírito Santo na aula conciliar.
O segundo princípio é dado pelo actual Papa quando fala da hermenêutica da continuidade. Ou seja, da interpretação do que o Concílio disse dentro da Tradição dinâmica da fé e não em ruptura com o passado. Neste sentido, se alguém – de tendência tradicionalista o progressistas, para dizer bem o mal do Concílio – pretende que o Concílio contradiz aquilo que a Igreja dizia antes, não percebeu o Concílio. A continuidade é compatível com o desenvolvimento, e, nesse sentido podemos dizer que há coisas que hoje se percebem melhor ou que se percebem como resposta para os novos desafios que antes não eram conhecidos. Mas a continuidade não é compatível com a ruptura, e por isso, aqueles que pretendem que desde São Paulo até ao Concílio Vaticano II só houve decadência, não são verdadeiramente católicos, e não vêem a fecundidade da fé manifesta em todas as épocas da história em tantos santos e tantas obras e tão empolgante cultura, e, além disso, peca por orgulho pensando ser melhor dos seus antepassados.
Será óptimo que também a minha geração e as que seguem, com este Ano da Fé, possam conhecer o Concílio para enriquecerem a fé e para se sentirem membros de uma realidade histórica – a Igreja – que nos liga sem interrupções aos Apóstolos e ao próprio Jesus.
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