Hércule Poirot alisou o bigode e fez cara de caso e, valha a
redundância, o caso não era para menos. Sentados à sua volta estavam,
entre outros, os melhores detectives de todos os tempos: Sherlock
Holmes, na companhia do indefectível Dr. Watson, Miss Marple, Arsène
Lupin e ainda – pasme-se! – o Padre Brown. Poirot levantou-se, pigarreou
e disse:
- Madame, messieurs. Estamos aqui para resolver o maior enigma da
história da humanidade. O único caso que nenhum detective, até hoje,
conseguiu resolver pela razão e que só as célulazinhas cinzentas de
todos nós poderão solucionar: o misterioso caso do sepulcro vazio!
Feita esta introdução, naquele tom cerimonioso e um pouco pedante
que era próprio do detective belga, o inspector Japp deu a conhecer o
caso: um homem, de pouco mais de trinta anos, fora morto e sepultado,
tendo sido depois colocados guardas à entrada do sepulcro. Ao terceiro
dia, sem que ninguém tivesse violado a sepultura, o corpo desaparecera
misteriosamente.
Sherlock Holmes, que não se separava nunca da sua lupa, garantiu aos
presentes que ninguém tinha entrado no sepulcro, durante o tempo
decorrido entre a morte e o desaparecimento do cadáver, porque não havia
quaisquer pegadas. O Dr. Watson, por sua vez, asseverou que a certidão
de óbito era clara e conclusiva quanto à morte, provocada por colapso
cardíaco fulminante, depois de longa agonia.
Teria o corpo sido roubado pelos familiares ou amigos do defunto? –
alvitrou Arsène Lupin. Mas a hipótese não tinha cabimento, uma vez que
foram eles próprios que descobriram a sua ausência. Outros seus amigos
estavam tão confiantes de que lá estava o cadáver, que tinham regressado
à sua terra de origem, supondo tudo definitivamente acabado. Mesmo que
alguns quisessem roubar o corpo, não teriam podido faze-lo, dada a
existência de guardas armados, impedindo o acesso.
E se tivessem sido os próprios soldados a retirar o corpo?
Arriscavam a própria vida e não ganhavam nada com isso – acrescentou o
Capitão Hastings, o fiel colaborador de Poirot. Aliás, foram os próprios
guardas que, para não serem responsabilizados pelo desaparecimento,
puseram a correr o rumor de que, enquanto dormiam, tinham sido os amigos
do morto que tinham roubado o cadáver. O que, como é óbvio, não podiam
saber se, efectivamente, estavam a dormir!
- Elementar, meu caro Hastings! – disse Sherlock Holmes.
- E a senhora, Miss Marple, que tem a dizer? – perguntou Hércule Poirot.
- Bem, há um aspecto que ainda não foi referido mas que não escapou à
minha intuição feminina. No sepulcro, depois de desaparecido o cadáver,
encontrou-se no chão a mortalha, que estava vazia, por assim dizer.
Parecia como se o corpo dela se tivesse libertado, sem que ninguém o
tivesse tirado de lá! Estranho, não é?!
- Sem dúvida! A propósito do sudário – acrescentou Poirot – é
curioso que nele tenha ficado gravada uma imagem, apenas esboçada, da
vítima.
- Não foi pintada – acrescentou Japp – mas impressa, como se um
objecto incandescente tivesse atravessado o pano. Dir-se-ia uma explosão
de luz e de energia extraordinária …
No canto da sala, o Padre Brown parecia alheado da discussão.
Desgranara já as contas do rosário, que levava sempre no bolso da
sotaina puída. A bem dizer, não sabia porque estava ali, entre os
maiores detectives mundiais, ele que era apenas um pobre pároco de
aldeia. Passara nesse dia várias horas a confessar e, por isso, estava
cansado. Distraidamente abriu o velho breviário, recheado de pagelas, e
leu, como que num murmúrio: «Porque procurais entre os mortos Aquele que
está vivo?» (Lc 24, 5). E um raio de alegria e de esperança iluminou o
mundo. Santa Páscoa! in jornal i
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