terça-feira, 9 de abril de 2013

Fazedor de Milagres - Pe.Gonçalo Portocarrero de Almada

Foi há já algum tempo que um espevitado rapaz, de uma dúzia de anos e com ares de alguma importância, me interrogou sobre a minha condição sacerdotal. Fê-lo de forma tão directa que não me deixou hipótese de nenhuma airosa escapadela.
- Mas então – inquiriu – o que é que faz um padre?!
À frontalidade brutal da questão apeteceu-me responder com a não menos brutal crueza da verdade, mas – cismei – seria correcto fazê-lo?! Mesmo que não estivesse em causa faltar à verdade, parecia com efeito mais oportuno satisfazer o seu indiscreto pedido com alguma ambiguidade mais ou menos corriqueira, recorrendo, por exemplo, a uma insípida descrição dos deveres pastorais. Uma resposta desse estilo, mesmo sem dar conta da essência sacerdotal, poderia contudo saciar a atrevida curiosidade do meu jovem inquisidor. Mas a verdade é que, não obstante a inconveniência, acabei por me decidir pela resposta pura e dura que, por certo, a impertinência do interrogador estava mesmo a pedir.
- Um padre – disse-lhe com humilde convicção – faz milagres. É, aliás, a única coisa que verdadeiramente sabe fazer e que ninguém pode fazer melhor do que ele. Todas as outras coisas que os sacerdotes fazem, podem também ser feitas por outras pessoas, como gerir centros pastorais, dar catequese, leccionar, etc., mas certos milagres só os padres os podem fazer.
O meu jovem interlocutor, não foi capaz de esconder o seu assombro ante uma resposta que excedia as suas mais ousadas expectativas. Suponho que, de imediato, me perscrutou intrigado, procurando descobrir na minha fronte algum indício das antenas que seriam de supor em quem tem tão extraordinários poderes ou, na minha retaguarda, o chumaço de umas misteriosas asas camufladas, que me permitissem os fantásticos voos que a sua imaginação adivinhava. Nada detectando, porém, de insólito na minha anatomia, investiu com uma nova pergunta:
- Milagres?! Mas milagres como os que fez Jesus Cristo aqui na terra, quando curava os paralíticos, cegos, coxos, surdos e mudos?!
A questão era pertinente mas, muito embora traduzisse alguma inquietação, não me contive e, mais uma vez, tive mesmo que lhe dizer a verdade, toda a verdade:
- Não, claro, como esses que Nosso Senhor fez e que alguns santos, mesmo sem serem padres, também fizeram, mas milagres muito maiores, como converter um pequeno naco de pão e um pouco de vinho no próprio Deus, prodígio que, segundo consta nos Evangelhos, Jesus Cristo só realizou uma vez antes de subir ao Céu, na última Ceia, mas que nós, os padres, fazemos diariamente e, às vezes, até mais do que uma vez ao dia, sempre que celebramos a Eucaristia.
Não voltei a ver aquele rapaz que consciente e voluntariamente escandalizei, mas não se varreu da minha memória o seu semblante estupefacto ante a minha resposta, afinal tão óbvia quanto escrupulosamente exacta. E, quando alguma vez me assalta a lembrança daquele diálogo e de novo revejo, espelhado na sua jovem face, o fascínio do mistério, não posso deixar de reconhecer que essa é, afinal, a única atitude lógica ante a grandeza do dom sacerdotal.
Também a mim me assusta, confesso, a sublimidade do meu munus sacerdotal, mas conforta-me no entanto saber que Deus, por ironia e graça, escolhe habitualmente aqueles que nada são para este ministério, para que não caiba qualquer dúvida de que os méritos dos seus milagres são única e exclusivamente d’Ele.


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