Como as antigas colónias inglesas de África não seguem o calendário escolar da Europa, pude aproveitar o mês de Agosto para visitar várias escolas em funcionamento. Ao entrar numa escola do Uganda, a primeira impressão é ter chegado ao império britânico. Cada estabelecimento de ensino tem uma farda própria, que geralmente inclui saia para as raparigas e gravata para os rapazes. Crianças ou «teenagers», ninguém escapa. O espaço abunda e, no Uganda, a mais de mil metros de altura, os relvados são verdejantes: de repente, a pessoa imagina-se em Inglaterra. Em contraste, os edifícios são muitas vezes rudimentares, as paredes têm um acabamento mínimo, o chão é térreo ou com uma camada singela de cimento.
Melhor que visitar escolas, foi falar com o Prof. Charles Sotz. Tive a sorte de o apanhar de férias no Uganda e aproveitei a oportunidade para me informar sobre o sistema educativo das antigas colónias inglesas de África. Sotz é um queniano com raízes argentinas e checas, apaixonado pelo ensino e pelo desenvolvimento social, é dos que mais sabe de educação nestes países. Foi ele quem me apresentou as escolas privadas para pobres, sobretudo no ensino básico.
O fenómeno tem raízes antigas, mas acelerou na última década. Por exemplo, em 2005, havia quase uma centena de escolas estatais na província de Mombasa e um número equivalente de escolas não estatais. Em 10 anos, a procura das escolas estatais manteve-se e a das outras escolas triplicou. Na província de Nairobi, a proporção actual já é de 4 escolas privadas por cada escola estatal. No «ranking» dos exames nacionais de 2005, a melhor escola estatal da província de Mombasa estava em 23º lugar, actualmente, a melhor escola estatal está em 94º lugar.
As comparações económicas são difíceis de estabelecer, porque o custo de vida é muito diferente do da Europa, mas podemos confrontar as escolas entre si. As propinas de algumas escolas privadas custam 14 euros por mês, mas na maioria a propina é de 7 euros por mês, durante 10 meses. Ao lado, o Estado gasta mensalmente cerca de 35 euros por aluno nas escolas estatais.
Esta disparidade de custo e sobretudo de eficácia tem muitas explicações. A mais óbvia é que as instalações das escolas não estatais são realmente muito deficientes, os salários são muito inferiores aos dos funcionários públicos e geralmente os professores das escolas não estatais têm piores qualificações formais. Isto explica a diferença entre o que os pais pagam nas escolas privadas e o que o Estado gasta por aluno nas escolas estatais.
A parte interessante, e que mais ocupou as minhas conversas com Sotz, foi a razão de as escolas privadas serem tão assinaladamente melhores.
Em primeiro lugar, Sotz verificou uma diferença abissal entre a motivação dos professores, pais e alunos. No Estado, os pais não conseguem contactar com os professores e os professores não estão dispostos a sacrificar-se pelos alunos. No ensino privado, os alunos são mais responsáveis, trabalham mais e sabem o que estão a fazer na escola.
Outra observação estatística que me deixou a pensar é que não há correlação entre a qualidade dos edifícios e o nível de aprendizagem dos alunos. Se a escola não tem instalações desportivas, os alunos jogam ao ar livre; se as salas são velhas e desconfortáveis, isso não afecta o rendimento escolar. As qualificações formais dos professores também não têm relação estatística com os resultados dos alunos: um professor trabalhador e exigente é muito melhor que um diplomado em pedagogia, com uma atitude pouco generosa.
Os sindicatos dos professores das escolas estatais opõem-se ferozmente à existência de escolas livres e têm forçado o Governo a tomar medidas restritivas, tais como exigir melhores equipamentos e professores mais qualificados. Os pais reagem, porque essas medidas aumentam os custos e, se a propina aumentar acima de 7 euros por mês, as famílias mais pobres têm de colocar os filhos nas escolas do Estado. Criando mais exigências, o Governo já conseguiu fechar várias escolas privadas. (Onde é que eu já vi isto?). O surpreendente, explicou-me Sotz, é que essas escolas continuam a funcionar. Como?!
– Os pais têm lá os filhos durante todo o ano lectivo e, no final, inscrevem-nos numa escola do Estado, para eles fazerem os exames nacionais.
– E as escolas estatais aceitam esses paraquedistas?!…
– Sim, porque esses alunos têm melhor preparação que os das escolas do Estado e fazem-nas subir no «ranking».
O mundo é tão diferente, de país para país! E tão igual, nalgumas coisas! Os sindicatos dos professores de África insistem em que os «rankings» dão cabo da qualidade das escolas.
José Maria André in Verdadeiro Olhar, 9-IX-2016
1 comentário:
Os rankings são muitas vezes uma ficção. Em portugal o desemprego diminui no ranking enquanto o desempregado frequenta curso de formação, entre outros, valores de fachada
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