domingo, 22 de abril de 2018

Fim do “Catolicismo romano”?

Este artigo, assim mesmo intitulado pelo próprio Autor e do qual apresento abaixo a tradução em português, apareceu no blog Settimo Cielo, no dia 13 de Abril passado, sob um outro provocador título dado por Sandro Magister: La riforma di Bergoglio l'ha già scritta Martin Lutero / A reforma de Bergoglio já a escreveu Martinho Lutero [1].

O Autor é Roberto Pertici: tem sessenta e seis anos de idade e é actualmente professor de história contemporânea na Universidade de Bergamo [2]. Um académico exactamente da minha idade; o que, pela contemporaneidade da vida, me ajudou à melhor compreensão deste ensaio.

Este, é de facto notável e algo invulgar pela «agudeza e amplitude de horizonte da análise», como diz Magister, e pela lógica do raciocínio que conjuga os factos examinados, relevando a sua unitária coerência com um “projecto” ou “operação”.

Para quem partilhe de uma visão conservadora ou tradicional da Igreja, parece-me obviamente muito perturbador.... mas há que ter presente que a Fé católica e apostólica não se conjuga jamais com qualquer espécie de desespero!

As notas assinaladas entre […], são todas da minha autoria.

22 de Abril de 2018

João Duarte Bleck, médico e leigo Católico 
***
1. Neste momento do pontificado de Francisco, creio que se possa razoavelmente sustentar que este marca o ocaso dessa imponente realidade histórica definível como “catolicismo romano”.

Isto não significa, bem entendido, que a Igreja Católica esteja no fim, mas que está a chegar ao fim o modo como historicamente se estruturou e se apresentou a si mesma nos últimos séculos.

De facto, parece-me evidente que é este o projecto conscientemente seguido pelo “brain trust” que rodeia Francisco: um projecto que se pretende quer uma resposta extrema / radical à crise das relações entre a Igreja e o mundo moderno, quer como premissa para um renovado percurso ecuménico, comum às outras confissões cristãs, especialmente aquelas Protestantes.

2. Por “catolicismo romano” entendo aquela grande construção histórica, teológica e jurídica que se iniciou com a helenização (para o aspecto filosófico) e com a romanização (para o aspecto político-jurídico) do cristianismo primitivo e que se baseia sobre o primado dos sucessores de Pedro; tal como ela emerge da crise do mundo tardo-antigo e da sistematização teórica da idade gregoriana (“Dictatus Papae”) [3].

Nos séculos sucessivos, a Igreja, do mesmo modo, dotou-se de um Direito interno próprio, o Direito canónico, olhando para o Direito romano como modelo. E este elemento jurídico contribuiu para gradualmente plasmar uma complexa organização hierárquica, com precisas normas internas que regulam a vida, seja da “burocracia dos celibatários” (a expressão é de Carl Schmitt [1888-1985]) que a gere, seja dos leigos que dela fazem parte.

O outro momento decisivo da formação do “catolicismo romano” é, finalmente, a eclesiologia elaborada no Concílio de Trento [1545-1563], que reafirmou a centralidade da mediação eclesiástica em vista da salvação, em contraste com a tese luterana do “sacerdócio universal”, e que assim fixa o carácter hierárquico, unitário e centralizado da Igreja; o seu direito de controlar e, caso ocorra, condenar as posições que contrastem com a formulação ortodoxa das verdades de fé; o seu papel na administração dos sacramentos.

Esta eclesiologia foi selada no dogma da infalibilidade pontifícia proclamado no Concílio Vaticano I [1869-1870], colocado à prova oitenta anos depois, na afirmação dogmática da Assunção de Maria ao Céu (1950), a qual, juntamente com a precedente proclamação dogmática da sua Imaculada Conceição (1854), reafirma a centralidade do culto mariano.

Seria, todavia, redutor se nos limitássemos a quanto dissemos até agora. Porque existe, ou melhor existia, também um difuso “sentir católico”, assim constituído:

- uma atitude cultural que se baseia sobre um realismo, a propósito da natureza humana, por vezes desencantado, mas disposto a “tudo compreender” como premissa do “tudo perdoar”;
- uma espiritualidade não-ascética, compreensiva de certos aspectos materiais da vida e não disposta a desprezá-los;
- empenhado numa caridade quotidiana para com os humildes e os necessitados, sem precisar de os idealizar ou deles fazer quase um ídolo;
- disposto a representar-se também na própria sumptuosidade, portanto não surdo à razão de ser da beleza e das artes, enquanto testemunhos de uma Beleza suprema à qual o cristão deve tender;
- indagador subtil das moções mais recônditas do coração, da luta interior entre o bem e o mal, da dialéctica entre “tentação” e a resposta da consciência.

Poder-se-ia então dizer que naquilo a que chamo de “catolicismo romano” entrelaçam-se três aspectos, além, obviamente, do religioso: o estético, o jurídico e o político. Trata-se de uma visão racional do mundo que penetra numa instituição visível e compacta e que entra fatalmente em conflito com a ideia de representação que emergiu com a modernidade, baseada no individualismo e numa concepção do poder que, vinda de baixo, acaba por colocar em discussão o princípio da autoridade.

3. Este conflito foi considerado de diversos modos, muitas vezes opostos, por aqueles que o analisaram. Carl Schmitt olhava com admiração para a “resistência” do “catolicismo romano”, considerado como a última força com capacidade de conter as aniquiladoras forças da modernidade. Outros criticaram-no duramente: nesta luta, a Igreja católica teria desastrosamente enfatizado os seus traços jurídico-hierárquicos, autoritários, exteriores.

Para além destas opiniões opostas, certo é que nos últimos séculos o “catolicismo romano” foi constrangido a uma postura defensiva. A colocar progressivamente em discussão a sua presença social, esteve sobretudo o nascimento da sociedade industrial e o consequente processo de modernização, que inaugurou uma serie de mudanças antropológicas ainda agora em curso. Quase como se o “catolicismo romano” fosse “orgânico” (para dizê-lo numa expressão vétero-marxista) a uma sociedade agrária, hierárquica, estática, baseada na penúria e sobre o medo e não encontrasse relevância numa sociedade “afluente”, dinâmica, caracterizada pela mobilidade social.

Uma primeira resposta a esta situação de crise, foi dada pelo Concílio Ecuménico Vaticano II (1962-1965), o qual, nas intenções do Papa João XXIII [papa de 1958 a 1963] que o tinha convocado [em Janeiro de 1959], devia proceder a um “aggiornamento pastorale”, olhar com novo optimismo para o mundo moderno, em suma baixar finalmente a guarda: não se tratava mais de prosseguir um duelo secular, mas de abrir um diálogo e operar um encontro.

O mundo era percorrido naqueles anos por mudanças extraordinárias e por um inédito desenvolvimento económico: provavelmente a mais sensacional, rápida e profunda revolução da condição humana de que há vestígios na história (Eric J. Hobsbawm [1917-2012]). O evento Concílio contribuiu para esta mudança, mas foi, por sua vez, tomado por ela: o ritmo dos “aggiornamenti” – também favorecido pela vertiginosa transformação ambiental/cultural e pela convicção geral cantada [em 1964] por Bob Dylan, de que “the times they are a-changin’” – foge da mão da hierarquia, ou, pelo menos daquela sua parte que desejava operar uma reforma e não uma revolução.

Assim, entre 1967 e 1968 assiste-se à “viragem” de Paulo VI [papa de 1963 a 1978] a qual se expressa na análise preocupada das turbulências de 68 e, depois da “revolução sexual”, na encíclica “Humanae vitae” de Julho de 1968. Tanto era o pessimismo a que chegava aquele grande Pontífice nos anos 70, que, conversando com o filósofo Jean Guitton [1901-1999], se interrogava e lhe perguntava, ecoando um passo inquietante do evangelho de Lucas: “[Mas] quando o Filho do Homem regressar, encontrará ainda a fé, sobre a terra?” [Lc 18,8]. E acrescentava: “O que me magoa, quando observo o mundo católico, é que no interior do catolicismo parece às vezes predominar um pensamento de tipo não-católico e pode acontecer que este pensamento de tipo não-católico se torne amanhã o mais forte no interior do catolicismo” [4].

4. Sabe-se qual foi a resposta dos sucessores de Paulo VI a esta situação: conjugar mudança e continuidade; realizar – sobre algumas questões – as correcções oportunas (memorável, deste ponto de vista, a condenação da “teologia da libertação”); procurar um diálogo com a modernidade que fosse ao mesmo tempo um desafio: sobre temas da vida, da racionalidade do homem, da liberdade religiosa.

Bento XVI [papa de 2005 a 2013] naquele que foi o verdadeiro texto programático do seu pontificado (o discurso à Cúria romana de 22 de Dezembro de 2005 [5]), reiterou então um princípio firme: que as grandes orientações do Vaticano II deviam ser lidas e interpretadas à luz da tradição precedente da Igreja, portanto também à luz da eclesiologia saída do Concílio de Trento e do Vaticano I. Até mesmo pela simples razão de que não se pode realizar uma negação formal da fé acreditada e vivida desde há gerações e gerações, sem introduzir um “vulnus” [6] irreparável na auto-representação e na percepção pública de uma instituição como a Igreja.

Sabe-se também como esta linha causou uma rejeição generalizada, não apenas “extra ecclesiam”, onde se manifestou através de uma agressão mediática e intelectual contra o Papa Bento absolutamente inédita, mas – com este modo nicodemitico [7] e de murmúrio congénito no mundo eclesial – também no corpo eclesiástico, o qual, substancialmente, deixou sozinho aquele Papa nos momentos mais críticos do seu pontificado. Daqui, creio, a sua renúncia de Fevereiro de 2013, a qual – para além de reconfortantes interpretações – aparece como um evento histórico, do qual as razões e as implicações de longo-prazo permanecem ainda todas por aprofundar.

5. Foi esta a situação herdada pelo Papa Francisco [papa desde 13 de Março de 2013]. Limito-me apenas a mencionar os aspectos biográficos e culturais que tornavam “ab initio” Jorge Mário Bergoglio em parte estranho àquilo que designei de “cattolicesimo romano”:

- o carácter periférico da sua formação, profundamente radicada no mundo latino-americano, que lhe dificulta encarnar a universalidade da Igreja ou, pelo menos, o impele para vivê-la de um modo novo, deixando de lado a civilização europeia e a norte-americana;
- a pertença a uma Ordem, como a Companhia de Jesus, que no último meio século realizou um dos mais clamorosos reposicionamento político-cultural de que se tem notícia na história recente, passando de uma posição “reaccionária” a uma “revolucionária” com variações, dando assim prova de um pragmatismo por muitos aspectos digno de reflexão;
- a estranheza ao elemento estético que é próprio do “cattolicesimo romano”, a sua ostensiva renúncia a toda a representação da dignidade do cargo (os aposentos no Palácio Apostólico, a mozeta vermelha [8] e o costumeiro aparato pontifício, os automóveis de representação, a residência [de Verão] de Castel Gandolfo) e aqueles a que chama “hábitos de príncipe Renascentista” (a começar pelo atraso e depois ausência num concerto de música clássica em sua honra, nos inícios do pontificado).

Prefiro tentar sublinhar o que me parece poder constituir o elemento unificante das múltiplas mudanças que o Papa Francisco está introduzindo na tradição católica.

Faço-o baseando-me num pequeno livro de um eminente homem de Igreja, que vem geralmente considerado como o teólogo de referência do actual pontificado, citado eloquentemente por Francisco logo no seu primeiro Angelus, de 17 de Março de 2013, quando disse: “Nestes dias, pude ler o livro de um Cardeal – o Cardeal Kasper, um teólogo estupendo, um bom teólogo – sobre a misericórdia. Aquele livro fez-me muito bem. (Não julgueis que estou a fazer publicidade dos livros dos meus Cardeais, porque não é isso…!) É que [o livro] me fez mesmo bem, muito bem...” [9].

O livro de Walter Kasper a que me refiro tem por título: “Martinho Lutero. Uma perspectiva ecuménica” [10] e é a versão reelaborada e ampliada de uma conferência feita pelo Cardeal no dia 18 de Janeiro de 2016, em Berlim. O capítulo sobre o qual quero chamar a atenção é o sexto: “Actualidade ecuménica de Martinho Lutero”.

Todo o capítulo é construído sobre uma argumentação binária, segundo a qual Lutero foi induzido a aprofundar a rotura com Roma principalmente devido à recusa do Papa e dos bispos de proceder a uma reforma. Foi apenas perante a surdez de Roma – escreve Kasper – que o reformador alemão “com base na sua compreensão do sacerdócio universal, se viu obrigado a contentar-se com uma organização [ou sistema] de emergência. Ele, porém, continuou a confiar no facto de que a verdade do Evangelho se imporia por si só e assim deixou a porta fundamental aberta para um possível futuro entendimento”.

Mas também da parte católica, nos inícios do século XVI, muitas portas permaneciam abertas; a situação era, por assim dizer, fluida. Escreve Kasper: “não havia uma eclesiologia católica harmonicamente estruturada, mas unicamente aproximações, que eram mais uma doutrina sobre a hierarquia do que uma verdadeira e própria eclesiologia. A elaboração sistemática da eclesiologia terá lugar somente na teologia da contra-Reforma como antítese à polémica da Reforma contra o papado. O papado torna-se assim, de uma maneira até então desconhecida, o sinal distintivo do catolicismo. As respectivas teses e antíteses confessionais condicionaram-se e bloquearam-se mutuamente”.

Portanto, hoje é preciso – se considerarmos o sentido global da argumentação de Kasper – proceder a uma “desconfessionalização” seja das Confissões reformadas, seja da Igreja Católica, não obstante esta jamais se tenha sentido uma “Confissão”, mas sim como a Igreja universal. É preciso regressar a qualquer coisa de semelhante à situação que precedeu o eclodir dos conflitos religiosos do século XVI.

Enquanto que no campo luterano esta “desconfessionalização” esteja, hoje, já amplamente cumprida (com a secularização forçosa daquelas sociedades, para as quais os problemas que estavam na base das controvérsias confessionais se tornaram irrelevantes para a esmagadora maioria dos cristãos “reformados”), no campo católico, ao invés, há ainda muito por realizar, precisamente por causa da supervivência [ou permanência] de aspectos e estruturas daquilo a que chamei o “catolicismo romano”. É, portanto, sobretudo ao mundo católico que é dirigido o convite à “desconfessionalização”. Kasper invoca-a como “uma redescoberta da catolicidade originária, não limitada por um ponto de vista confessional”.

Para tal finalidade, é assim necessário levar a bom termo, uma vez por todas, a superação da eclesiologia tridentina e a do Vaticano I. Segundo Kasper o Concílio Vaticano II abriu a estrada, mas a sua recepção foi controversa e nada linear. Daqui o papel do actual Pontífice: “o Papa Francisco inaugurou uma nova fase no referido processo de recepção. Ele sublinha a eclesiologia do povo de Deus, o povo de Deus em caminho, o sentido da fé do povo de Deus, a estrutura sinodal da Igreja, e para a compreensão da unidade coloca em jogo uma abordagem nova, interessante. Descreve a unidade ecuménica não mais com a imagem de círculos concêntricos ao redor do centro, mas com a imagem do poliedro, ou seja, de uma realidade com muitas faces, não um puzzle unificado do exterior, mas um todo e, tal como uma pedra preciosa, um todo que reflecte a luz que a atinge de modo maravilhosamente múltiplo. Referindo-se a Oscar Cullman [1902-1999] [11], o Papa Francisco retoma o conceito da diversidade reconciliada”.

6. Se relermos brevemente a esta luz as atitudes de Francisco que suscitaram mais celeuma, compreendemos melhor a sua lógica comum:

- o acentuar, desde o dia da eleição, da sua função de bispo de Roma, mais que de Pontífice da Igreja universal;
- a destruturação da figura canónica do Pontífice Romano (o celebérrimo “quem sou eu para julgar?”), a base da qual - no seu âmago - não se explica apenas por motivos da seu temperamento a que se aludiu primeiramente, mas por um motivo mais profundo, de carácter teológico;
- o enfraquecimento prático de alguns sacramentos, entre os mais característicos do “sentir católico” (a confissão auricular, o matrimónio indissolúvel, a eucaristia), realizado por razões pastorais de “misericórdia” e “acolhimento”;
- a exaltação da “parrésia” [12] dentro da Igreja, da confusão presumivelmente criativa, à qual se liga uma visão da Igreja quase como uma federação de Igrejas locais, dotadas de amplos poderes disciplinares, litúrgicos e até doutrinais.

Há quem se escandalize pelo facto de que na Polónia acabará por vigorar uma interpretação da [Exortação Apostólica] “Amoris Laetitia” diversa da que se fará na Alemanha ou na Argentina, relativamente à comunhão dos divorciados recasados. Mas Francisco podia responder que se trata de facetas diversas daquele poliedro que é a Igreja Católica, ao qual se poderia juntar, tarde ou cedo – porque não? – também as Igrejas reformadas pós-luteranas, num espírito justamente de “diversidade reconciliada”.

Por este caminho, é fácil de prever que os próximos passos serão uma nova concepção da catequese e da liturgia, num sentido ecuménico, também aqui com o caminho a percorrer pela parte católica muito mais exigente que o da parte protestante, considerando os diversos pontos de partida, bem como um enfraquecimento do sacramento da Ordem nos seus aspectos mais “católicos”, isto é, no celibato eclesiástico, com o que a hierarquia católica cessará também de ser a “burocracia dos celibatários”, da expressão de Carl Schmitt.

Compreende-se então melhor, a verdadeira e própria exaltação da figura e da obra de Lutero que se produziu nos vértices da Igreja Católica por ocasião do quinto centenário de 1517, até ao discutido selo comemorativo que lhe foi dedicado pelos correios do Vaticano, com ele e Melanchthon [1497-1560] aos pés de Jesus crucificado.

Pessoalmente não tenho dúvidas que Lutero seja um dos gigantes da “história universal”, como antes se gostava de dizer, mas «est modus in rebus» [13]: sobretudo as instituições devem ter uma espécie de moderação ao realizarem viragens desta dimensão, sob pena de cair no ridículo: o mesmo ridículo que o século vinte nos infligiu, quando os comunistas reabilitavam em uníssono e de volta ao poder os “heréticos” condenados e encarniçadamente combatidos até à véspera: a “contra-ordem, camaradas!” dos [famosos] cartoons de Giovannino Guareschi [1908-1968] [14].

7. Se, portanto, ontem o “catolicismo romano” era considerado como um corpo estranho da modernidade, estranheza que não lhe era perdoada, é natural que o seu ocaso [ou declínio] seja hoje saudado com alegria pelo “mundo moderno” nas suas instituições políticas, mediáticas e culturais e que o Pontífice actual seja visto como aquele que cura aquela ruptura entre os vértices eclesiásticos e o mundo da informação, das organizações e dos “think tank” internacionais, ruptura essa que – aberta em 1968 com a [Encíclica] “Humanae Vitae” – se aprofundou nos pontificados seguintes.

E é também natural que grupos e ambientes eclesiásticos que já nos anos sessenta auspiciavam a ultrapassagem da Igreja tridentina e que, nesta perspectiva, leram o Vaticano II, depois de terem vivido na sombra estes últimos quarenta anos, tenham hoje saído à luz do dia e se reencontrem, com os seus herdeiros leigos e eclesiásticos, entre os que constituem aquele “brain trust” que referi no início [cf. terceiro parágrafo do nº 1].

No entanto permanecem em aberto algumas questões que mereceriam ulteriores e não-fáceis reflexões.

A operação levada avante pelo Papa Francisco e pela sua “entourage” conhecerá um sucesso duradouro ou acabará por encontrar resistências, no interior da hierarquia e do que resta do povo católico, maiores do que aquelas, definitivamente marginais, que já emergiram no seio da hierarquia?

A que tipo de nova realidade “católica” na sociedade ocidental, dará vida a referida operação?

E em termos mais gerais: que consequências essa operação poderá ter sobre o património cultural global, político e religioso do mundo ocidental, o qual, embora tenha atingido um nível de secularização generalizado, repousa em parte sobre o “catolicismo romano”?

Mas é preferível que os historiadores não façam profecias e se contentem por compreenderem qualquer coisa, se conseguirem, dos processos em curso.
  
Notas do tradutor:

1. Pode ler-se em italiano, inglês, espanhol e francês, em:

2. Para saber quem é, pode ler-se, por exemplo:

3. Ver em:

4. Da última conversa que o referido filósofo francês teve com Paulo VI, dia 8 de Setembro de 1977. Cf. J. Guitton, Paolo VI segreto, 1977.

5. Pode ler-se em:

6. Vulnus: ferida, ofensa.

7. Nicodemitico, no original italiano: em referência a Nicodemos, o fariseu membro do Sinédrio que se aproximava de Jesus, pela noite. Cf.: Jo 3,1-21; Jo 7,50-52; e Jo 19,39.

8. «Capa curta e com pequeno capuz, aberta ou abotoada à frente, usada, durante o Inverno, nos ofícios de coro, sobre a sotaina ou, eventualmente sobre a sobrepeliz ou o roquete, por determinados clérigos (Papa, cardeais, bispos, abades, cónegos) como sinal de jurisdição» (Thesaurus, vocabulário de objectos do culto católico, edição da Fundação da Casa de Bragança, Vila Viçosa, 2004, entrada nº 860, p. 174).

9. A alocução do Papa Francisco neste Angelus, pode ler-se em:

10. Para saber mais sobre o desenvolvido deste tema pelo Cardeal Walter Kasper, pode ler-se, em português do Brasil, a seguinte transcrição, em:
ou, melhor ainda, o artigo subscrito pelo próprio Cardeal Kasper, sob o título Una prospettiva ecuménica. Sguardo su Lutero alla vigilia del quinto centenario della Riforma, publicado no L’Osservatore Romano, dia 18 de Maio de 2016, em:

11. Sobre este teólogo luterano, pode ler-se em:

12. Parrésia: liberdade oratória; afirmação corajosa; liberdade de linguagem, franqueza; confissão, espécie de confissão (Cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

13. Est modus in rebus: há um limite nas coisas. Frase com que Horácio aconselha a moderação em tudo.

14. O célebre criador da figura de Don Camillo; ver em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Giovannino_Guareschi


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