sexta-feira, 11 de maio de 2018

Quando ninguém reconheceu o Padre Américo por não estar de batina

Mandei fazer um fato de sobrecasaca, dos quatro metros de pano que alguém me ofereceu, mas logo houve de me arrepender de não ter antes feito batina, porquanto a malta dos gaiatos, nas esquinas e ruas por onde passei com o dito fato, titubeavam em acenos indecisos e duvidosos um «olha que não é ele». 

Ora, eu quero ser sempre eu - eu Padre vestido de batina - em todo o tempo e lugar sem erros nem ilusões. E fui mostrar a Lisboa a mestria das tesoiras de Coimbra. Resultado? Ninguém me conheceu. Vim derreado e arrependido da minha loucura. Prometi não mais o fazer. O Padre é da batina e a batina é do Padre. Doutra forma ninguém lhe liga. Assim se deu comigo.

Por causa da minha batina, tenho sofrido as do cabo. Tenho sido apupado, escarnecido, apontado com desprezo - ui! Um homem de saias! Isto mesmo tenho ouvido eu muitas vezes, da boca daqueles por quem eu ando e padeço. Não desarmo. A batina é sinal de bênção e de maldição. Se estes me apontam com desprezo, por causa da batina, aqueles não me conhecem sem ela. Visto-a por causa de todos. 

Os primeiros hão-de reconhecer o valor do homem que a veste e hão-de correr atrás dele para chorarem seus pecados de encontro à batina que odeiam. Os segundos, conhecendo-me por causa dela, correm para mim e louvam o Pai Celeste. A minha batina!

Quantos anos, e lutas e encontradelas e apertos, e desilusões e lágrimas e dores para a comprar?! Quantas?"

in 'O pai Américo era assim' - Coimbra, 1958 - Biografia do Padre Américo Monteiro de Aguiar (fundador da Obra da Rua, Casa do Gaiato)


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