Foi em 1950, que o Papa Pio XII proclamou o
dogma da Assunção de Nossa Senhora em corpo e alma aos Céus. Para tal, na
sua Bula Munificentissimus Deus, o Santo Padre deixou-nos alguns
fundamentos para afirmar a Assunção da nossa Mãe do Céu:
14. Os
fiéis, guiados e instruídos pelos pastores, souberam por meio da Sagrada
Escritura que a virgem Maria, durante a sua peregrinação terrestre, levou uma
vida cheia de cuidados, angústias e sofrimentos; e que, segundo a profecia do
santo velho Simeão, uma espada de dor lhe traspassou o coração, junto da cruz
do seu divino Filho e nosso Redentor. E do mesmo modo, não tiveram dificuldade
em admitir que, à semelhança do seu unigénito Filho, também a excelsa Mãe de
Deus morreu. Mas essa persuasão não os impediu de crer expressa e firmemente
que o seu sagrado corpo não sofreu a corrupção do sepulcro, nem foi reduzido à
podridão e cinzas aquele tabernáculo do Verbo divino. Pelo contrário, os fiéis
iluminados pela graça e abrasados de amor para com aquela que é Mãe de Deus e nossa
Mãe dulcíssima, compreenderam cada vez com maior clareza a maravilhosa harmonia
existente entre os privilégios concedidos por Deus àquela que o mesmo Deus quis
associar ao nosso Redentor. Esses privilégios elevaram-na a uma altura tão
grande, que não foi atingida por nenhum ser criado, exceptuada somente a
natureza humana de Cristo.
16. De
modo ainda mais universal e esplendoroso se manifesta esta fé dos pastores e
dos fiéis, com a festa litúrgica da assunção celebrada desde tempos
antiquíssimos no Oriente e no Ocidente. Nunca os santos padres e doutores da
Igreja deixaram de haurir luz nesta solenidade, pois, como todos sabem, a
sagrada liturgia, "sendo também profissão das verdades católicas, e
estando sujeita ao supremo magistério da Igreja, pode fornecer argumentos e
testemunhos de não pequeno valor para determinar algum ponto da doutrina
cristã".[1]
20. A
Liturgia da Igreja não cria a fé católica, mas supõe-na; e é dessa fé que
brotam os ritos sagrados, como da árvore os frutos. Por isso os santos Padres e
doutores nas homilias e sermões que nesse dia fizeram ao povo, não foram buscar
essa doutrina à liturgia, como a fonte primária; mas falaram dela aos fiéis
como de coisa sabida e admitida por todos. Declararam-na melhor, explicaram o
seu significado e o fato com razões mais profundas, destacando e amplificando
aquilo a que muitas vezes os livros litúrgicos apenas aludiam em poucas
palavras, a saber, que com esta festa não se comemora somente a incorrupção do
corpo morto da santíssima Virgem, mas principalmente o triunfo por ela
alcançado sobre a morte e a sua celeste glorificação à semelhança do seu
Filho unigénito, Jesus Cristo.
21. S.
João Damasceno, que entre todos se distingue como pregoeiro dessa tradição, ao
comparar a assunção gloriosa da Mãe de Deus com as suas outras prerrogativas e
privilégios, exclama com veemente eloquência: "Convinha que aquela
que no parto manteve ilibada virgindade conservasse o corpo incorrupto
mesmo depois da morte. Convinha que aquela que trouxe no seio o Criador
encarnado, habitasse entre os divinos tabernáculos. Convinha que morasse no
tálamo celestial aquela que o Eterno Pai desposara. Convinha que aquela que viu
o seu Filho na cruz, com o coração traspassado por uma espada de dor de que
tinha sido imune no parto, contemplasse assentada à direita do Pai. Convinha
que a Mãe de Deus possuísse o que era do Filho, e que fosse venerada por todas
as criaturas como Mãe e Serva do mesmo Deus".[2]
29. Entre
os escritores sagrados que naquele tempo com vários textos, comparações e
analogias tiradas das divinas Letras, ilustraram e confirmaram a doutrina da
assunção em que piamente acreditavam, ocupa lugar primordial o doutor
evangélico S. António de Pádua. Na festa da assunção,
ao comentar aquelas palavras de Isaías: "glorificarei o lugar dos meus
pés" (Is 60,13), afirmou com segurança que o divino Redentor glorificou de
modo mais perfeito a sua Mãe amantíssima, da qual tomara carne humana.
"Daqui, vê-se claramente", diz, "que o corpo da santíssima Virgem
foi assunto ao céu, pois era o lugar dos pés do Senhor". Pelo que, escreve
o Salmista: "Erguei-vos, Senhor, para o vosso repouso, vós e a Arca da
vossa santificação" (Sl 131, 8). E assim como, acrescenta ainda, Jesus
Cristo ressuscitou triunfante da morte e subiu para a direita do Pai, assim
também "ressuscitou a Arca da sua santificação, quando neste dia a virgem
Mãe foi assunta ao tálamo celestial".[3]
34. [...]
Seguindo o comum sentir dos cristãos, recebido dos tempos antigos S. Roberto
Belarmino exclamava: "Quem há, pergunto, que possa pensar que a arca da
santidade, o domicílio do Verbo, o templo do Espírito Santo tenha caído em
ruínas? Horroriza-se o espírito só com pensar que aquela carne que gerou, deu a
luz, alimentou e transportou a Deus, se tivesse convertido em cinza ou fosse
alimento dos vermes".[4]
35. De igual forma S. Francisco de Sales afirma que não se
pode duvidar que Jesus Cristo cumpriu do modo mais perfeito o divino mandamento
que obriga os filhos a honrar os pais. E a seguir faz esta pergunta: "Que
filho haveria, que, se pudesse, não ressuscitava a sua mãe e não a levava para
o céu?"[5] E S. Afonso escreve por sua vez: "Jesus não
quis que o corpo de Maria se corrompesse depois da morte, pois redundaria em
seu desdouro que se transformasse em podridão aquela carne virginal de que ele
mesmo tomara a própria carne".[6]
38. Todos
esses argumentos e razões dos santos Padres e teólogos apoiam-se, em
último fundamento, na Sagrada Escritura. Esta nos apresenta a Mãe de Deus
extremamente unida ao seu Filho, e sempre participante da sua sorte. Pelo que
parece quase que impossível contemplar aquela que concebeu, deu à luz,
alimentou com o seu leite, a Cristo, e o teve nos braços e apertou contra o
peito, estivesse agora, depois da vida terrestre, separada dele, se não quanto
à alma, ao menos quanto ao corpo.
40. Deste
modo, a augustíssima Mãe de Deus, associada a Jesus Cristo de modo insondável
desde toda a eternidade "com um único decreto" [7] de predestinação, imaculada na sua concepção,
sempre virgem, na sua maternidade divina, generosa companheira do divino Redentor
que obteve triunfo completo sobre o pecado e suas consequências, alcançou
por fim, como suprema coroa dos seus privilégios, que fosse preservada da
corrupção do sepulcro, e que, à semelhança do seu divino Filho, vencida a
morte, fosse levada em corpo e alma ao céu, onde refulge como Rainha à direita
do seu Filho, Rei imortal dos séculos (cf. 1Tm 1,17).
44. "Pelo
que, depois de termos dirigido a Deus repetidas súplicas, e de termos invocado
a paz do Espírito de verdade, para glória de Deus omnipotente que à
virgem Maria concedeu a sua especial benevolência, para honra do seu
Filho, Rei imortal dos séculos e triunfador do pecado e da morte, para aumento
da glória da sua augusta mãe, e para gozo e júbilo de toda a Igreja, com a
autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos s. Pedro
e s. Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma
divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado
o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória
celestial".
45. Pelo
que, se alguém, o que Deus não permita, ousar, voluntariamente, negar ou pôr em
dúvida esta nossa definição, saiba que naufraga na fé divina e católica.
47. A
ninguém, pois, seja lícito infringir esta nossa declaração, proclamação e
definição, ou temerariamente opor-se-lhe e contrariá-la. Se alguém presumir
intentá-lo, saiba que incorre na indignação de Deus omnipotente e dos
bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no ano do
jubileu maior, de 1950, no dia 1° de Novembro, festa de todos os santos, no ano
XII do nosso pontificado.
Neste dia tão
especial, recorramos à nossa Mãe, ela que é a Medianeira de todas as graças,
com confiança, sabendo as palavras do Papa Leão XIII, no ponto 12 da sua Carta
Encíclica Octobri
Mense:
Por consequência,
pode-se com toda a verdade e rigor afirmar que, por divina disposição, nada nos
pode ser comunicado, do imenso tesouro da graça de Cristo - sabe-se que "a
glória e a verdade vieram de Jesus Cristo" (Jo 1, 17), - senão
por meio de Maria. De modo que, assim como ninguém pode achegar-se ao Pai
Supremo senão por meio do Filho, assim também, ordinariamente, ninguém pode
achegar-se a Cristo senão por meio de sua Mãe.
Honremos, então, a Santíssima Virgem,
cantando-lhe o que ela mesma cantou:
Em Latim:
Magnificat
anima mea Dominum
Et
exultavit spiritus meus in Deo salutari meo.
Quia
respexit humilitatem ancillæ suæ: ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes
generationes.
Quia fecit
mihi magna qui potens est, et sanctum nomen eius.
Et
misericordia eius a progenie in progenies timentibus eum.
Fecit
potentiam in brachio suo, dispersit superbos mente cordis sui.
Deposuit
potentes de sede et exaltavit humiles.
Esurientes
implevit bonis et divites dimisit inanes,
Suscepit
Israel puerum suum recordatus misericordiæ suæ,
Sicut
locutus est ad patres nostros, Abraham et semini eius in sæcula.
Gloria
Patri, et Filio, et Spiritui Sancto
Sicut erat
in principio, et nunc, et semper, et in saecula saeculorum.
Amen.
Em Português:
A minha alma
glorifica o Senhor
E o meu espírito
se alegra em Deus, meu Salvador.
Porque pôs os
olhos na humildade da sua Serva: de hoje em diante me chamarão bem aventurada
todas as gerações.
O Todo-Poderoso
fez em mim maravilhas: santo é o seu nome.
A sua
misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem.
Manifestou o
poder do seu braço e dispersou os soberbos.
Derrubou os
poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.
Aos famintos
encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu a Israel,
seu servo, lembrado da sua misericórdia,
Como tinha
prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre
Glória ao Pai e
ao Filho e ao Espírito Santo
Como era no
princípio, agora e sempre.
Amén.
Regina in caelum assumpta,
ora pro nobis!
PF
PF
Notas:
[1] Pio XII, Carta Enc. Mediator Dei
[2] S. João Damasceno, Encomium
in Dormitionem Dei Genetricis semperque Virginis Mariae, hom. II, 14
[3] S. António de Padua, Sermones
dominicales et in solemnitatibus. In Assumptione S. Mariae Virginis Sermo
[4] S. Roberto Belarmino, Conciones
habitae Lovanii, concio 40: De Assumptione B. Mariae Virginis
[5] S. Francisco de Sales, Sermon
autographe pour la fête de l'Assomption
[6] S.
Afonso Maria de Ligório, As
glórias de Maria, parte II, disc. 1
[7] Pio IX, Bula Ineffabilis Deus
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