1º. Importância do santo Sacrifício e cuidado
que ele exige do padre
Todo o pontífice eleito dentre os homens é
estabelecido a favor dos homens, para desempenhar as funções do culto divino, e
oferecer dons e sacrifícios em expiação dos pecados. Oferecer sacrifícios, eis
pois o fim para que Deus colocou o padre na sua Igreja; é propriamente a função
dos sacerdotes da lei da graça, aos actuais foi dado o poder de oferecer o
grande sacrifício do Corpo e Sangue do próprio Filho de Deus; sacrifício
supremo e perfeito, infinitamente acima dos sacrifícios antigos, que outro
mérito não tinha outrora senão o de serem desse a sombra e figura. As vítimas
que então se imolavam eram novilhos e bodes; hoje a nossa Vítima é o Verbo
eterno feito homem.
Por isso mesmo, os sacrifícios da lei antiga
não tinham poder algum; também o apóstolo os chama observâncias defeituosas e
incapazes; o nosso, ao contrário, tem o poder de operar a remissão das penas
temporais devidas ao pecado, e além disso - ao menos mediatamente, - de
aumentar a graça e obter socorros mais abundantes àqueles por quem é oferecido.
O padre que não está compenetrado da grandeza
do sacrifício da missa, jamais o oferecerá como deve. Nada fez de maior na
terra Jesus Cristo. É a missa a acção mais santa e mais agradável a Deus que se
pode realizar, tanto em razão da Vítima oferecida, que é Jesus Cristo, Vítima
duma dignidade infinita, como em razão do sacrificador principal, que é o mesmo
Jesus Cristo, a oferecer-se pela mão dos sacerdotes, como no-lo ensina o
Concílio de Trento. E São João Crisóstomo diz paralelamente: Quando virdes o
sacerdote a oferecer o sacrifício, não penseis no padre, representai-vos antes
a mão de Jesus Cristo que obra dum modo invisível.
Todas as honras que têm prestado a Deus os
anjos com as suas homenagens, e os homens com as suas virtudes, austeridades,
martírios e santas obras, não podem render a Deus tanta glória como uma só
missa; porque todas as homenagens das criaturas são finitas, ao passo que a que
se presta a Deus com o sacrifício dos nossos altares, é dum valor infinito, por
lhe ser prestada por uma pessoa divina. Necessário é pois reconhecer com o
Concílio de Trento que a missa é de toda as obras a mais santa e divina.
É pois o sacrifício da missa a obra mais
santa e agradável a Deus, como acabamos de ver; é a obra mais capaz de aplacar
a cólera de Deus contra os pecadores e abater as forças do inferno; é a obra
que obtém graças mais abundantes para os homens na terra, e maior alívio para
as almas do Purgatório; é finalmente a obra a que está ligada a salvação do
mundo inteiro, segundo o pensamento de Santo Odon, abade de Cluni. E Timóteo de
Jerusalém diz que é à missa que a terra deve a sua conservação; a não ser ela,
os pecados dos homens a teriam há muito aniquilado.
Segundo São Boaventura, em cada missa faz o
Senhor ao género humano um benefício não inferior ao que lhes dispensou,
fazendo-se homem. O que é conforme com a célebre exclamação de Santo Agostinho:
Ó dignidade venerável a dos sacerdotes, entre cujas mãos o Filho de Deus
encarna, como encarnou no seio da Virgem! De mais, não sendo o sacrifício do
altar senão a aplicação e renovação do sacrifício da cruz, Santo Tomás ensina
que, para o bem e salvação dos homens, tem cada missa toda a eficácia do
sacrifício da cruz. E São João Crisóstomo escreveu: A celebração da missa tem o
mesmo valor que a morte de Jesus Cristo na cruz. A Igreja plenamente confirma
esta verdade, quando diz nas suas orações: Cada vez que se celebra no altar a
memória deste sacrifício, renova-se a obra da nossa redenção. De fato, ajunta o
Concílio de Trento, o mesmo Redentor, que se ofereceu por nós na cruz, é quem
se oferece no altar por ministério dos sacerdotes.
Numa palavra, segundo a expressão do profeta
Zacarias, é a missa o que há de mais excelente e belo na Igreja: Que há de bom,
que há de belo, senão o pão dos escolhidos e o vinho que gera virgens? No
sacrifício da missa, dá-se Jesus Cristo a nós, mediante o sacramento do altar,
que é o fim e consumação de todos os outros sacramentos, como ensina o Doutor
angélico. Razão tem pois São Boaventura em chamar à missa o resumo de todo o
amor divino e de todos os benefícios de que o Senhor há cumulado os homens. Eis
por que o demónio sempre se tem esforçado por arrebatar ao mundo a santa missa
por meio dos hereges, como por tantos outros precursores do Anticristo que,
antes de tudo, cuidará de abolir e de fato abolirá, em punição dos pecados dos
homens, o sacrifício do altar, segundo esta profecia de Daniel: Por causa dos
pecados, ser-lhe-á dada força contra o sacrifício perpétuo.
Grande razão tem pois o Concílio de Trento
para exigir que os padres ponham todo o seu cuidado, em celebrar a missa com a
máxima devoção e pureza de coração que seja possível. Como não menos razão
adverte no mesmo lugar, que é precisamente sobre os padres, que celebram com
negligência e sem devoção, que recai a maldição anunciada por Jeremias: Maldito
o que faz indignamente a obra do Senhor! Segundo São Boaventura, celebra-se ou
comunga-se indignamente, quando se chega ao altar com pouco respeito e
consideração. Assim, para evitarmos essa maldição, examinemos o que deve fazer
o padre antes, durante e depois da celebração da missa: preparação, antes de
celebrar; respeito e devoção, enquanto celebra; acção de graças, depois de
celebrar. São obrigações indispensáveis para o sacerdote. Segundo o pensamento
dum servo de Deus, deveria a vida dum padre ser apenas uma preparação para a
missa e uma acção de graças.
2º. Preparação para a Missa
Em primeiro lugar, deve o padre fazer a sua
preparação antes de subir ao altar.
Antes de mais nada, pergunto a mim mesmo como
é que, havendo no mundo tantos padres, haja tão poucos santos? A missa é
chamada por São Francisco de Sales um mistério inefável, que encerra um abismo
de caridade divina. Além disto, São João Crisóstomo dizia que o sacramento do altar
contém o tesouro inteiro da bondade de Deus. Sem dúvida a sagrada Eucaristia
foi instituída para todos os fiéis, mas é um dom especialmente feito aos
padres. Não vades, diz o Senhor aos padres, dar a coisa santa aos cães, nem
lançar as vossas pérolas a suínos. Notem-se estas palavras: As nossas pérolas.
Dá-se em grego o nome de pérolas às espécies sacramentais; e essas pérolas são
apontadas aqui como pertença própria dos ministros do altar: Margaritas
vestras. Sendo assim, todos os padres deveriam, segundo São João Crisóstomo,
descer do altar com um coração todo abrasado do amor divino, a ponto de serem
um objeto de terror para o inferno.
Mas não é isso o que se vê: observa-se que a
maior parte descem do altar sempre mais tíbios, mais impacientes, mais
soberbos, mais invejosos, mais apegados às honras, ao interesse e aos prazeres
terrenos. Não é por falta do alimento que tomam no altar, nota o cardeal Bona,
porque, no dizer de Santa Maria Madalena de Pazzi, bastaria recebê-lo uma só vez
para ficar santo; é pela falta de preparação para celebrar a missa.
Há duas espécies de preparação: uma remota e
outra próxima.
A preparação remota consiste na vida pura e
virtuosa, que deve ter o padre para celebrar dignamente. Se dos sacerdotes
antigos Deus exigia a pureza, só porque deviam transportar os vasos sagrados, -
quanto não deverá ser mais puro e santo, observa Pedro de Blois, o padre que
deve trazer nas suas mãos e no seu coração o Verbo encarnado! Mas, para ser
puro e santo, não lhe basta estar livre das cadeias do pecado mortal, é
necessário que esteja isento de pecados veniais; (plenamente deliberados,
entende-se) de contrário, Jesus Cristo não o admitirá a ter parte consigo.
Guardemo-nos, diz São Bernardo, de fazer pouco caso dessas faltas; pois, como
foi dito a Pedro, se não formos purificados por Jesus Cristo, não teremos parte
com ele . Necessário é portanto que todas as acções e todas as palavras do
padre, que quer celebrar missa, sejam bastante santas, para lhe servirem de
preparação.
A preparação próxima exige primeiramente a
oração mental. Como quereis que celebre com devoção a santa missa o sacerdote,
que sobe ao altar sem primeiro ter feito a sua meditação? Dizia o venerável
João de Ávila que o padre deve fazer ao menos hora e meia de oração mental
antes da missa. Eu me contentaria com meia hora e, para alguns até com um
quarto de hora, ainda que um quarto de hora é muitíssimo pouco.
Há tão belos livros de meditações
preparatórias para a santa missa! A missa é uma representação da paixão de
Jesus Cristo. Por isso com razão o papa Alexandre I disse que sempre nela se
deve comemorar a paixão do Salvador. E foi o que prescreveu o Apóstolo: Todas
as vezes que comerdes esse pão e beberdes esse cálice, anunciareis a morte do
Senhor. Segundo Santo Tomás, o Redentor instituiu o sacramento do altar, para
conservar sempre viva em nós a lembrança do amor que nos testemunhou, e do
grande benefício que nos alcançou a sua imolação na cruz. Ora, se todos os
homens se devem lembrar continuamente da paixão de Jesus Cristo, - com quanta
mais razão o padre, quando vai renovar, ainda que dum modo diferente, o mesmo
sacrifício no altar!
Ao padre não lhe basta ter feito a sua
meditação; importa-lhe que antes de celebrar se recolha sempre ao menos alguns
instantes e considere bem o que vai fazer; foi o que ordenou a todos os padres
o primeiro Concílio de Milão, no tempo de São Carlos Borromeu.
Ao entrar na sacristia, deve o celebrante
despedir-se de todos os pensamentos do mundo e dizer com São Bernardo:
Cuidados, negócios, esperai por mim aqui; eu e o meu servo, isto é a minha
razão com a minha indigência, vamos ali adorar a Deus, e logo voltaremos a ter
convosco; pois voltaremos, ai!, e demasiado cedo. São Francisco de Sales
escrevia a Santa Joana de Chantal: "Quando me volto para o altar para
começar a missa, perco de vista todas as coisas da terra". Postos de parte
pois todos os pensamentos do mundo, não deve o padre ocupar-se então senão da
grande obra, que vai fazer e do pão celeste, de que vai alimentar-se a essa
mesa divina: Quando estiveres sentado à mesa do príncipe, considera atentamente
as iguarias que te são servidas.
Pense o padre que vai chamar do Céu à terra o
Verbo feito homem, para se entreter familiarmente com ele no altar, para o
oferecer de novo ao Padre eterno, e para enfim se alimentar da sua carne
sagrada.
O venerável João de Ávila, antes de subir ao
altar, procurava excitar-se ao fervor, dizendo: "Eis que vou consagrar o
Filho de Deus, tê-lo nas minhas mãos, falar-lhe, tratar com ele e recebê-lo no
meio seio".
Deve também o padre considerar que sobe ao
altar na qualidade de mediador, para interceder por todos os pecadores, como
diz São Lourenço Justiniano. Se está colocado entre Deus e os homens, de Deus
obterá para estes as graças de que necessitam. É por essa razão, observa Santo
Tomás, que se dá o nome de missa ao sacrifício do altar. Na Lei antiga, só ao
sumo sacerdote era permitido entrar no Santo dos Santos, e isso uma só vez por
ano; mas hoje, diz São Lourenço Justiniano, a todos os padres é dado oferecer
cada dia o Cordeiro divino, para obterem para si próprios e para todo o povo as
graças de Deus. Donde São Boaventura conclui que o celebrante se deve propor
três fins: honrar a Deus, comemorar a paixão do Salvador, e obter graças para
toda a Igreja.
3º. Respeito e devoção com que se deve
celebrar
Em segundo lugar, é necessário que o
sacerdote celebre a missa com respeito e devoção. Sabe-se que o uso do manípulo
foi introduzido, para que o padre enxugasse as lágrimas; porque outrora tais
sentimentos de devoção experimentavam os sacerdotes, ao celebrarem, que não
faziam senão chorar. Já dissemos que o padre ao altar é o representante do
próprio Jesus Cristo, como escreveu São Cipriano. É nesta qualidade que diz:
Hoc est corpus meum; hic est calix sanguinis mei.
Mas, ó Céu! Que lágrimas, que lágrimas de
sangue se deveriam chorar, quando se pensa no modo como a máxima parte dos
padres celebram a missa! Causa pena, digamo-lo, ver o desprezo com que Jesus
Cristo é tratado por tantos padres, até religiosos, e pertencentes a Ordens
reformadas! Ao ver-se a negligência com que esses padres de ordinário dizem a
missa, bem se lhes poderia fazer a censura que Clemente de Alexandria dirigia
aos sacerdotes pagãos: que faziam do Céu um teatro, e de Deus o objeto da sua
comédia.
E que direi? Uma comédia! Ó, se eles tivessem
um papel a representar no teatro, que cuidado empregariam! Ao contrário, que
fazem eles ao altar? Truncam palavras, fazem genuflexões que mais parecem actos
de desprezo e faltas de respeito; traçam bênçãos que não se sabe o que são;
esboçam gestos ridículos; falam às rubricas, antecipando cerimónias e
misturando-lhes palavras. E no entanto a verdade é que essas rubricas todas são
de preceito, por isso que São Pio V, na bula que pôs à frente do missal, manda
districte, in virtute sanctae obedientiae, que a missa seja celebrada segundo
as rubricas do missal. Donde resulta que quem transgride as rubricas não pode
eximir-se de pecado, que será grave desde que a matéria o seja.
Tudo isso procede do desejo de chegar de
pressa ao fim da missa. Celebram-na como se a igreja estivesse a desabar, ou
como se os bandidos se avizinhasse e não restasse tempo para a fuga.
Eis um padre que, depois de ter dado horas
inteiras a uma vida inútil, ou a negócios mundanos, lá vai a celebrar a missa
todo apressado!
Começa com precipitação, prossegue do mesmo
modo; chega à Consagração, toma Jesus Cristo nas suas mãos, e comunga-o com
tanta irreverência como se ali só houvesse um bocado de pão! Seria necessário
que tais padres sempre tivessem ao seu lado alguém, para lhes dizer o que um
dia o venerável João de Ávila, chegando-se ao altar em que celebrava um desses,
lhe disse: "Por piedade tratai-o melhor, que é o filho dum pai
respeitável".
Queria o Senhor que os sacerdotes da Lei
antiga tremessem de santo respeito ao aproximarem-se do santuário. E um
sacerdote da Lei nova, achando-se ao altar, em presença do próprio Jesus
Cristo, a falar-lhe, a tomá-lo nas suas mãos, a oferecê-lo a Deus-Pai, a
alimentar-se dele, - mostra-se tão irreverente! Na Lei antiga, ameaçou o Senhor
com muitas maldições os sacerdotes que fossem negligentes nas cerimónias desses
sacrifícios, que eram apenas uma mera figura do nosso: Se cerrares os ouvidos à
voz do Senhor teu Deus, que te manda guardar as cerimónias, virão sobre ti
todas estas maldições... Serás maldito na cidade e maldito nos campos. Dizia
Santa Teresa: "Pela mínima cerimónia da Igreja, daria eu mil vezes a minha
vida". E o padre as despreza! Ensina o Padre Suarez que a omissão de
qualquer cerimónia, na missa, não pode escusar-se de pecado.
Muitos doutores ajuntam que uma negligência
notável nas cerimónias pode chegar a pecado mortal.
Na nossa Teologia moral demonstramos, com a
autoridade de muitos doutores, que o que celebra em menos de um quarto de hora
não pode escusar-se de falta grave, e isto por duas razões: primeira, por causa
da irreverência contra o sacrifício, resultante da sua precipitação; segunda,
por causa do escândalo que dá ao povo.
Quanto ao respeito devido ao divino
sacrifício, já citamos o que diz o Concílio de Trento: que a missa deve ser
celebrada com a máxima devoção possível. E ajunta que a falta de respeito,
mesmo exterior, constitui uma irreverência, que de algum modo chega a ser
impiedade. Assim como as cerimónias, quando são bem feitas, infundem e
significam respeito; também quando são mal executadas denotam irreverência que,
em matéria grave, é um pecado mortal. Deve-se notar além disto que, para nas
cerimónias haver o testemunho de respeito, que convém a um tão
grande sacrifício, não basta fazê-las; porque uma pessoa qualquer poderia ter a
língua assás desembaraçada e os movimentos bastante livres para expedir tudo
isso em menos de um quarto de hora; mas é preciso que sempre sejam feitas com a
gravidade conveniente, que pertence também intrinsecamente ao respeito que se
deve ter pela missa.
Por outro lado, celebrar a missa em tão pouco
tempo é falta grave, em razão do escândalo que se dá aos fiéis que assistem a
ela. Sobre este ponto, é necessário considerar ainda o que noutro lugar diz o
Concílio de Trento: que as cerimónias da missa foram instituídas pela Igreja,
para inspirar aos fiéis uma alta ideia deste augusto sacrifício, e toda a
veneração devida aos divinos mistérios que encerra. Ora, quando estas cerimónias são feitas muito à
pressa, nenhuma veneração inculcam ao povo, antes lhe fazem perder o respeito
que merece um mistério tão santo. Observa Pedro de Blois que os padres que
celebram com pouco respeito, dão ocasião a que os fiéis façam pouco caso do
Santíssimo Sacramento. Não se pode dar um tal escândalo sem se incorrer em
pecado mortal.
Também o Concílio de Tours, em 1583, mandou
que os sacerdotes fossem bem instruídos nas cerimónias da missa, para não
destruírem a devoção no coração das suas ovelhas, em vez de as levarem à
veneração pelos ministérios sagrados.
Celebrando sem devoção, - como querem esses
padres obter de Deus graças, sendo certo que ao oferecerem o santo sacrifício,
o ofendam e, quanto deles depende, mais o desonram do que o honram? O padre que
não acreditasse no Sacramento do altar, sem dúvida ofenderia a Deus; mas quanto
mais o ofende o que nele crê e não só lhe recusa o respeito que lhe é devido,
senão que ainda é causa de que outros, à vista da sua conduta, lhe percam
igualmente o respeito? Os judeus a princípio respeitaram Jesus Cristo, mas,
quando o viram desprezado pelos sacerdotes, perderam então a alta ideia que
tinham dele, e acabaram por gritar com os sacerdotes: Tolle, tolle, crucifige eum!
Do mesmo modo, para não sairmos do nosso assunto, os seculares que hoje vêem os
padres a celebrar com tanta irreverência, perdem toda a estima e veneração por
este divino mistério.
Uma missa, celebrada com recolhimento,
inspira devoção aos assistentes; pelo contrário, faz-lhes perder a devoção e
quase a fé também, quando celebrada sem piedade. Eis um fato passado em Roma e
que me foi contado por um religioso de todo o crédito. Tinha um herege
resolvido renunciar aos seus erros; mas, tendo visto celebrar a missa sem
devoção, foi ter com o papa e disse-lhe que não queria abjurar, porque estava
persuadido de que nem os padres nem o papa tinha na Igreja católica uma fé
verdadeira: "Se eu fosse papa, dizia ele, e soubesse que um padre
celebrava a missa com tão pouco respeito, mandava-o queimar vivo; ao ver porém
que os padres dizem assim a missa e não são castigados, persuado-me de que nem
o próprio papa acredita nela". Dito isto, retirou-se, e não consentiu que
lhe falassem mais em abjuração.
Mas objectam certos padres que os leigos se
queixam, quando a missa se prolonga. - O quê! Então, lhes respondo eu de
pronto, a pouca devoção dos seculares há de ser a regra do respeito devido ao
santo sacrifício! Ouçam mais: se os padres celebrassem a missa com o devido
respeito e gravidade, os seculares se compenetrariam da veneração a prestar a
tão grande mistério, e não lamentariam a meia hora que lhe devessem consagrar.
Como porém, de ordinário, a missa é tão breve e nenhuma devoção inspira, os
seculares à imitação dos padres, assistem a ela sem devoção, e com pouca fé;
quando vêem que ela dura mais de um quarto de hora, aborrecem-se e queixam-se,
em razão do mau hábito contraído.
Assim, os mesmos que sem dificuldade passam
muitas horas a uma mesa de jogo, ou numa praça pública, desperdiçando o tempo,
não podem sem tédio gastar uma meia hora a ouvir missa! A causa de tudo isso
são os padres: É convosco que falo, ó sacerdotes, que desonrais o meu nome e
dizeis: Como desonramos nós o vosso nome? Nisso que dizeis: A mesa do Senhor é
de pouca importância. O pouco que os padres se importam do respeito devido à
missa, faz que também os outros a desprezem.
Pobres padres! Ao saber que um sacerdote
acabava de morrer após a sua primeira missa, o venerável João de Ávila exclamou:
"Ó que terrível conta esse padre tem de prestar a Deus, por essa primeira
missa!" À vista disso, que se deverá dizer dos padres que, no decurso de
trinta ou quarenta anos, cada dia deram ao altar o escândalo de que vimos
falando! E, repito, - como poderão tais padres tornar o Senhor propício e obter
graças da sua misericórdia, celebrando a missa de modo antes a ultrajá-lo que a
honrá-lo? Todos os crimes são expiados pelo sacrifício, diz o papa Júlio, mas
por que oferenda se há de reparar a ofensa feita ao Senhor, se é na mesma
oblação do sacrifício que se peca? Pobres padres! E pobres bispos que permitem
a tais padres celebrarem! Segundo o decreto do Concílio de Trento, são os
bispos obrigados a impedir as missas celebradas com irreverência.
Notem-se estas expressões: Prohibere curent
ac teneantur; significam elas que os bispos estão obrigados a suspender os que
celebram sem respeito conveniente; e esta obrigação tanto abrange os sacerdotes
regulares como os outros, visto que os bispos a esse respeito são constituídos
pelo Concílio legados apostólicos, e por isso obrigados a vigiar pelas missas
que se dizem nas suas dioceses.
E nós, padres, irmãos meus, cuidemos de nos
corrigir: se no passado temos celebrado o santo sacrifício com pouca devoção e
respeito, atalhemos ao mal, ao menos daqui para o futuro. Antes de celebrar,
pensemos no que vamos fazer: é a acção maior e mais santa que um homem pode
realizar. Demais, que grande bem é uma missa celebrada com devoção, grande bem
para o celebrante, e para os ouvintes! - Eis como João Herolt, de sobrenome o
Discípulo, fala aos que assistem à missa: Quando fazeis a vossa oração na
igreja, na presença de Deus, mais seguramente ela é ouvida... porque todo o
sacerdote está obrigado a orar pelos assistentes em cada missa.
Ora, se a oração dum secular, quando feita em
união com a do celebrante, é mais prontamente ouvida de Deus, quanto mais ainda
a do próprio sacerdote, se celebra com devoção! Um padre que oferece todos os
dias o santo sacrifício com alguma devoção, há de receber sempre de Deus novas
luzes e novas forças.
Jesus Cristo o instruirá, o consolará, o
animará cada vez mais, e lhe concederá as graças que deseja.
É sobretudo depois da consagração que o padre
pode estar seguro de conseguir do Senhor todas as graças que pede. O venerável
Padre António Colelis dizia: "Quando celebro e tenho o meu Jesus nas
minhas mãos, consigo dele quanto quero". O celebrante obtém o que quer
para si e para os que assistem à missa. Lê-se na Vida de São Pedro de Alcântara
que as missas fervorosas que celebrava produziam mais fruto, que todos os
sermões dos pregadores da província em que estava. Quer o Concílio de Rodez que
os padres pronunciem as palavras e façam as cerimónias com uma devoção, que dê
testemunho da sua fé e amor para com Jesus Cristo, presente no altar. A
compostura exterior, diz São Boaventura, manifesta as disposições interiores do
celebrante.
Recorde-se aqui de passagem o que ordenou
Inocêncio III: Nós ordenamos também que os oratórios, os vasos, corporais e
alfaias sagradas se conservem em perfeita limpeza; porque é de todo o ponto
contrário ao bom senso abandonar as coisas santas a uma imundícia, que não se
sofria nem mesmo nas coisas profanas. Ai! Tinha o papa toda a razão para assim
falar, porque se encontram padres que não se envergonham de celebrar com corporais,
sanguinhos e cálices, de que não quereriam servir-se à sua mesa.
4º. Acção de graças
Em terceiro lugar, depois da celebração do
santo sacrifício, é necessário render graças a Deus. Esta acção de graças deve
estender-se ao dia inteiro. Exigem os homens que lhes sejamos reconhecidos e
correspondamos aos mínimos favores que nos fazem, nota São Crisóstomo; quanto
pois não devemos ser reconhecidos a Deus, que de nós espera, não uma
retribuição, mas um ato de agradecimento, e isso somente para nosso bem! Se não
podemos, ajunta ele, agradecer-lhe na medida da sua dignidade, agradeçamos-lhe
ao menos quanto pudermos.
Mas que pena, que desordem ver tantos padres
que, depois da missa, apenas recitam algumas breves orações na sacristia, sem
atenção nem devoção, e logo falam de coisas inúteis ou de negócios mundanos, ou
até saem da Igreja e vão levar Jesus Cristo ao meio das ruas! Seria necessário
proceder sempre com eles, como um dia o venerável João de Ávila: ao ver que um
padre saia da Igreja logo depois de celebrar, fê-lo acompanhar de dois clérigos
com círios acessos. Perguntou-lhes o padre o que significava aquilo, e eles
responderam: "Acompanhamos o Santíssimo Sacramento, que levais ao vosso
peito". Bem se podia dizer a tais padres o que São Bernardo um dia
escreveu ao arcedíago Foulques: Ai! Como tão depressa vos enfastiais da
companhia de Jesus Cristo, que tendes dentro de vós?
Há muitos livros de piedade que recomendam a
acção de graças depois da missa, mas quantos são os padres que cumprem este
dever? Poderiam apontar-se ao dedo. Fazem alguns a oração mental, e recitam
ainda muitas orações vocais; mas depois da missa poucos instantes se entretém
com Jesus Cristo, ou até se dispensam disso por completo. Se ao menos o
fizessem enquanto as espécies consagradas se conservam no seu estômago! Dizia o
venerável João de Ávila que se deve considerar comi infinitamente precioso o
tempo que se segue à missa; por isso ele de ordinário, a seguir à missa,
passava duas horas recolhido em piedosos entretenimentos com Deus.
Depois da comunhão, dispensa o Senhor as suas
graças em mais abundância. Dizia Santa Teresa que Jesus Cristo está então na
alma como num trono de graça e lhe diz: Quid vis ut tibi faciam? Recordemos
também o que ensinam Suarez, Gonet e outros doutores, - que a alma aufere da
comunhão tanto maior fruto, quanto melhor se dispuser por actos de piedade,
durante a permanência das espécies sacramentais. A razão é que este divino
Sacramento, tendo sido instituído à maneira de alimento, declara o Concílio de Florença
que, assim como os alimentos corpóreos sustentam o corpo segundo o tempo que
permanecem no estômago, também o Pão celestial continua a alimentar de graças a
alma, enquanto permanece no corpo, contanto que as boas disposições do
comungante prossigam.
Além disto, os actos de virtude têm então
mais valor e merecimento, em razão da alma estar mais unida com Jesus Cristo,
que assim o declara: Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em
mim, e eu permaneço nele.
Então, diz São João Crisóstomo, o comungante
forma uma só e mesma coisa com Jesus Cristo. Deste modo, são mais meritórios os
actos, por serem praticados por uma alma unida a Jesus Cristo.
Mas, por outro lado, não quer o Senhor que as
suas graças se percam, prodigalizando-as a ingratos, segundo a expressão de São
Bernardo. Tenhamos pois cuidado de nos entretermos com Jesus Cristo depois da
missa, ao menos durante uma meia hora, ou o mínimo um quarto de hora; mas, ai!,
um quarto de hora é muitíssimo pouco. Devemos considerar que o padre, desde o
dia da sua ordenação, não é de si próprio, mas de Deus. E o próprio Senhor
disse: Hão de oferecer ao Senhor, seu Deus, o incenso e o pão; e por
consequência serão santos.
5º. O padre que se abstém de celebrar
Há padres que se abstém de celebrar por
humildade; uma palavra sobre este assunto. Abster-se de celebrar por humildade
é bom, mas não é o que há de melhor: os actos de humildade prestam a Deus uma
honra finita, o sacrifício da missa rende-lhe uma honra infinita, que lhe é
prestada por uma Pessoa divina. Ouçamos o que diz São Boaventura: Quando o
padre deixa de celebrar, sem impedimento legítimo, faz quanto pode para privar
a santíssima Trindade da glória que lhe é devida, os anjos de uma grande
alegria, os pecadores do perdão, os justos de auxílios, as almas do Purgatório
de alívio, a Igreja de um grande bem e a si próprio de remédio.
Achava-se São Caetano em Nápoles, quando
soube que em Roma, um seu amigo cardeal, que costumava celebrar todos os dias,
impedido por certos negócios, começava a descurar este dever. Era na força do
calor do estio, mas o santo, com risco da própria vida, deu-se pressa em ir a
Roma instar com o seu amigo, para que retomasse o antigo costume; e só depois
de conseguido o que desejava voltou para Nápoles. Eis o que se lê na Vida do
venerável João de Avila. Indo um dia a caminho para celebrar num ermitério,
sentiu-se tão enfraquecido, que temeu não chegar ao lugar, donde estava ainda
bastante distanciado; pensava já em suspender o passo e desistir de celebrar,
quando Jesus Cristo lhe apareceu em figura de viageiro e, mostrando-lhe o seu
peito, lhe fez ver as chagas, sobretudo a do sagrado lado e lhe disse:
"Quando eu estava coberto destas chagas, encontrava-se mais fatigado e
enfraquecido que tu"; e desapareceu.
Reanimando com esta visão, o servo de Deus
retomou a marcha e teve a felicidade de oferecer o santo sacrifício.
Santo Afonso Maria de Ligório in 'A Selva'
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