segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Dia de São Francisco de Borja

Glória da nobreza espanhola e da Companhia de Jesus. Grande de Espanha, Marquês de Lombay, Duque de Gândia, Vice-rei da Catalunha, Geral da Companhia de Jesus, iluminou a sua época com invulgar sabedoria política e altas virtudes.

O pequeno Ducado de Gândia, pertencente ao Reino de Valência, era governado no início do século XVI por Dom João de Borja. A sua mãe, viúva pela segunda vez aos 18 anos, logo que o filho pôde administrar o Ducado, retirou-se aos 33 anos de idade para o mosteiro de las Descalzas, como vulgarmente são denominadas em Espanha as monjas clarissas. Lá já se encontrava a sua filha Isabel, que edificava por causa da sua virtude.

Dom João era casado com Dona Joana de Aragão, neta, por um ramo bastardo, do Rei Fernando de Aragão, esposo de Isabel, a Católica. Expulsando os mouros de Granada, no mesmo ano em que promoviam a descoberta da América, esses soberanos puseram fim a oito séculos de dominação moura em Espanha.

Francisco, primogénito dos Duques de Gândia, nascido a 28 de Outubro de 1510, deveu à mãe a sua precoce piedade. Dona Joana tinha especial predilecção por ele, devido ao seu bom temperamento e natural inclinação à virtude. Não descuidando em que recebesse formação própria ao seu ilustre sangue, escolheu para ele dois preceptores de conhecida erudição e comprovada virtude.

Modelo de virtude na luxuosa Corte

Aos 10 anos Dom Francisco perdeu a mãe. Devido a este falecimento, o menino deixou o convívio do pai e dos sete irmãozinhos, pois a sua educação foi confiada ao tio materno, Arcebispo de Saragoça. Com ele passou alguns anos.

Como o costume exigia então, os filhos dos Grandes de Espanha passavam a juventude como pajens na Corte. Assim, ao cumprir 16 anos, Francisco foi enviado à de Carlos V, jovem rei da Espanha e Imperador do Sacro Império. Este logo se afeiçoou ao adolescente pela nobreza de sangue, seriedade, diligência e piedade.

A Imperatriz Isabel, filha do Rei de Portugal e esposa de Carlos V, tinha tal dilecção por Dom Francisco que, atingindo ele os 20 anos, deu-lhe por esposa Dona Leonor de Castro, a sua melhor dama de companhia, então com 17 anos, em cujas veias corria o mais ilustre sangue luso. Como presente de bodas, o Imperador Carlos V concedeu a Dom Francisco, além do título de Marquês de Lombay, a nomeação como Montero-Mor da sua Casa. E a Imperatriz acrescentou-lhe o de seu Cavalariço-Mor, e à Marquesa, esposa de Francisco, o de sua Camareira-Mor.

A Imperatriz quis ser a madrinha do primeiro filho do casal, que recebeu o nome de Carlos, em honra do Imperador. E também dispôs que seu filho Felipe — o futuro Felipe II — fosse o padrinho.

No meio a todas essas distinções, sendo dos poucos a ter entrada livre na câmara real e vivendo em faustosa Corte, o jovem Marquês de Lombay mostrava-se sempre simples e recatado, impressionando a todos por sua rara virtude. Esta era fruto do hábito salutar que adquirira de domar sempre suas paixões e más inclinações. Para isso, utilizava os métodos mais eficazes, como a oração, confissão e comunhão frequentes, além de penitências voluntárias. Dona Leonor procurava seguir a mesma trilha.

Deus abençoou-os concedendo-lhes cinco filhos e três filhas, uma das quais seguiria a senda da bisavó, entrando também para las Descalzas de Gândia. Após o nascimento do oitavo filho, os Marqueses, de comum acordo, decidiram viver em estado de continência, embora não tivessem atingido ainda os 30 anos de idade…

O ano de 1529 marcou profundamente a vida do Marquês. A Imperatriz Isabel faleceu, após breve doença, no auge do poder e da sua extraordinária beleza. Como prova de estima pelo casal, o Imperador dispôs que apenas a Marquesa amortalhasse a sua esposa e que fosse o Marquês quem acompanhasse os restos mortais dela até ao Panteón Real, em Granada.

Quando, após 15 dias de trasladado, sob um sol abrasador, o Marquês teve que reconhecer ante os notários aquele corpo já em adiantado estado de corrupção, constatou novamente, de maneira pungente, a fragilidade das glórias deste mundo. E renovou seu propósito de, se sobrevivesse à esposa, dedicar-se somente à vida que não tem fim, numa Ordem Religiosa.

São João de Ávila, a quem então abriu a sua alma, aprovou-lhe a decisão.

Vice-rei da Catalunha – “Exílio” em Gândia

Apenas voltou de Granada, Carlos V nomeou-o Vice-rei da Catalunha, cargo de grande confiança e responsabilidade, anteriormente concedido somente a pessoas mais idosas e já experimentadas em funções semelhantes. O Imperador reconhecia assim, naquele vassalo fiel de 30 anos incompletos, a maturidade e prudência necessárias para tal cargo.

Nos três anos do seu vice-reinado, Dom Francisco acabou com o banditismo que infestava a região, robusteceu a fronteira com a França, implementou a marinha e, em tudo, mostrou-se hábil político e grande administrador. Quando, em 1542, ia começar o seu segundo triénio, o Marquês recebeu a notícia do falecimento de seu pai. Pediu então licença ao Imperador para ir pôr as coisas em ordem no Ducado que herdara.

Esta foi-lhe concedida, mas Carlos V já o havia nomeado Mordomo-Mor da Princesa da Espanha, Presidente de seu Conselho e Superintendente de seu Erário. À Duquesa, sua esposa, o Imperador nomeara Camareira-Mor; e às suas duas filhas maiores, damas de honra. Todos entenderam que, nomeando a Dom Francisco Mordomo-Mor de seu filho Felipe, Carlos V tencionava designar assim o primeiro-ministro do próximo reinado.

Entretanto… Deus queria para Dom Francisco não a vida na Corte, mas o governo do pequeno Ducado, a fim de melhor prepará-lo para a grandíssima missão que lhe destinava. E assim sucedeu que, quando Carlos V comunicou à Família Real portuguesa qual a Casa e Servidores que, com diligência, havia escolhido para a futura rainha da Espanha, os soberanos portugueses, por motivos ignorados, rejeitaram o Duque de Gândia.

Dom Francisco, nos sete anos seguintes, dedicou-se inteiramente ao seu novo Estado e à vida de família. Fundou um Colégio da Companhia de Jesus, depois elevado a Universidade, para dar formação verdadeiramente católica não só aos filhos dos seus vassalos, mas principalmente aos dos mouriscos residentes no ducado, que mal aprendiam a verdadeira Religião.

Já se afeiçoara à nova milícia fundada por Inácio de Loyola, devido à amizade que mantinha com Pedro Fabro, Pe. Araoz e um dos jovens jesuítas que foram para o Colégio de Gândia, o futuro São Luís Beltrão, Apóstolo da Colômbia.

Membro da Companhia de Jesus

Em 1546, o Duque teve a dor de ver morrer a sua piedosa esposa. Se, por um lado, com apenas 36 anos, ele se via livre para realizar o seu projecto de consagrar-se a Deus, de outro prendia-o ao mundo a sua numerosa prole, ainda quase toda na infância.

O seu desejo de pertencer à Companhia de Jesus levou-o a enviar a Inácio de Loyola uma carta pedindo-lhe humildemente que o aceitasse entre os seus filhos e expondo-lhe os obstáculos que se antepunham a tal desejo: a saber, a sua condição de pai e Duque. Enquanto isso, fez voto de castidade e obediência ao superior dos jesuítas de Gândia.

A carta de Dom Francisco chegou ao Geral da Companhia de Jesus num momento de grande dor, pois este acabara de perder o seu primeiro e muito amado discípulo, Pedro Fabro, consumido por seu extraordinário zelo. Santo Inácio, que por revelação divina já soubera que o Duque entraria para Companhia, por nova luz sobrenatural teve conhecimento de que ele seria digno substituto do filho perdido.

E, realmente, o fundador da Companhia tinha o Duque em tão alta conta, que passou a consultá-lo sobre problemas que ele enfrentava na Espanha, recomendando ao seu Provincial que fizesse o mesmo.

Certa vez, tratando-se de uma fundação em Sevilha, à qual Santo Inácio não estava muito inclinado, enviou-lhe, a Gândia, uma folha em branco com a sua assinatura e deixando ao Duque o poder de decisão.

Do papel que passou a ter Dom Francisco nos destinos da Companhia, dá prova o Cardeal Cienfuegos ao afirmar que “todas as empresas e dificuldades da Companhia na Espanha e mesmo na Europa passavam por Gandia, buscando a direcção e o juízo de Borja, amparo da sua grandeza e abrigo na sua sombra”.

Profissão secreta na Companhia de Jesus

Carlos V, que nunca esquecia o Duque, pensou em nomeá-lo Presidente do Conselho do novo reinado. Ao convocar as Cortes Gerais do Reino de Aragão, em 1547, escolheu as pessoas que haviam de acompanhar o seu filho Felipe, figurando na cabeça da lista o Duque de Gândia. Nomeou-o também Tratador (um dos quatro intermediários entre o Príncipe regente e os seus Estados). Dom Felipe insistiu então com o Duque para que aceitasse definitivamente o cargo de Mordomo-Mor.

Dom Francisco recorreu a Santo Inácio. Este foi imediatamente ao Vaticano, suplicando ao Santo Padre uma dispensa extraordinária para que um nobre pudesse fazer a profissão solene na Companhia, conservando-a entretanto em segredo, mantendo as aparências de secular, pelo decurso de três anos, a fim de colocar os seus filhos. Assim, esse nobre (cujo nome foi ocultado) ficaria livre de todos os assaltos exteriores.

Obtida a dispensa, o fundador da Companhia enviou-a ao Duque, recomendando-lhe que não se aproximasse de Roma, pois era desejo do Papa conceder-lhe o barrete cardinalício.

O novo professo da Companhia continuou intervindo na reforma dos conventos relaxados. E quando os inimigos da Companhia lançaram uma campanha de calúnias contra seu fundador e os Exercícios Espirituais, por ele redigidos, Santo Inácio escreveu ao Papa pedindo um exame rigoroso dos mesmos, com uma consequente sentença pontifícia. Esta veio mediante o breve Pastoralis officii cura, uma aprovação explícita e honrosa da obra, concedendo indulgências a quem dela se aproveitasse. Isso fez calar e estremecer os seus caluniadores. 

Ao fim de quase três anos, conseguiu o Duque casar os seus filhos maiores. Transferira alguns dos seus privilégios para o seu segundo filho, e encarregara o mais velho de proteger e educar os três menores. Tudo parecia pronto quando, casando-se novamente o Príncipe Felipe, pensou outra vez no Duque para seu Mordomo-Mor.

Encontro de dois Santos

Dom Francisco escreveu a Santo Inácio pedindo-lhe licença para refugiar-se em Roma, uma vez que Paulo III havia falecido e o “perigo” do barrete cardinalício estava momentaneamente afastado. O Geral da Companhia recebeu de braços abertos aquele filho, que conhecia só sobrenaturalmente. Quando o Duque se ajoelhou para pedir-lhe a bênção, Santo Inácio fez o mesmo e reuniram-se os dois santos num longo abraço.

Mas não tardou que o novo Papa, Júlio III, conhecendo melhor o Duque, desejasse cumulá-lo de honras, inclusive a concessão do barrete cardinalício. Santo Inácio mandou-o então afastar-se de Roma e voltar para a Espanha. Aí, recebeu finalmente, como Grande de Espanha que era, a permissão de Carlos V para fazer-se religioso. Já podia deixar os trajes seculares, usar batina e receber a ordenação sacerdotal. Tinha então quarenta anos de idade.

Pode-se imaginar que repercussão tal acontecimento provocou na devota Espanha! De todos os lados choveram pedidos para sermões, visitas e exercícios espirituais. Santo Inácio nomeou o ex-Duque de Gândia, apesar da sua recente ordenação, Comissário Geral da Companhia para toda a Espanha.

Certo dia, ao visitar nessa qualidade os jesuítas de Ávila, estes referiram-se a uma freira, cuja vida estava pontilhada de eventos extraordinários e que era muito perseguida e caluniada. Assim encontraram-se São Francisco de Borja e Santa Teresa de Jesus. O primeiro confirmou que esta era guiada pelo espírito divino, e transformou-se em seu ardente protector.

Mas, novamente, o demónio e seus sequazes humanos recomeçaram a campanha de calúnias contra a Companhia de Jesus. O próprio Arcebispo de Saragoça, tio do Pe. Francisco, pregava contra os jesuítas. Em alguns lugares foram estes apedrejados.

Carlos V, vendo a tempestade que se formara, mandou chamar seu antigo protegido. Em uma conversa de três horas, comprovou toda a santidade do antigo Duque e a malícia dos caluniadores. A protecção do Imperador salvou novamente a Companhia. Pouco depois, Carlos V renunciava ao trono e retirava-se para o mosteiro de Yuste, onde três anos depois terminaria os seus dias, mencionando no seu testamento o Pe. Francisco.

Superior Geral da Companhia de Jesus e glorificação post-mortem

Ao falecer Santo Inácio, o novo Geral, Pe. Laynes, devendo ausentar-se de Roma para participar do Concílio de Trento com o Pe. Salmeron, na qualidade de teólogos do Papa, chamou à Cidade Eterna o Pe. Francisco, nomeando-o Vigário Geral da Companhia. Isso lhe preparava o sucessor, pois, realmente, quando faleceu o Pe. Laynes, Francisco de Borja foi eleito por unanimidade terceiro Geral da Companhia.

No seu governo, enviou os seus filhos ao Novo Continente, inaugurou o noviciado da Ordem, recebendo nele o futuro Santo Estanislau Kostka e muitos outros que morreriam mártires em terras de infiéis.

O Papa São Pio V, preparando a sua cruzada contra os turcos, pediu ao Geral da Companhia, devido ao seu sangue real e grande prestígio que gozava na Corte da Espanha, que fosse pessoalmente tratar com o rei Felipe II sobre a sua ajuda.

Ao voltar para Roma, alquebrado e com a saúde muito abalada, Francisco de Borja entregou a sua alma ao Criador, na noite de 30 de Setembro de 1572. Não só o povo, mas também Bispos e Cardeais acorreram à casa da Companhia para oscular os restos mortais daquele que já consideravam Santo.

Em 1671, Clemente XI canonizou-o solenemente. Toda a Espanha vibrou, especialmente a nobreza, que o nomeou seu patrono, obtendo ainda o traslado dos seus restos mortais para Madrid.

in lepanto.com.br

Fontes de referência:

Adro Xavier, EL DUQUE DE GANDÍA, El Noble Santo del Primer Imperio – Apuntes históricos, Editora Espasa-Calpe, S. A., Madrid, 1950.
Santos de Cada Dia, tomo III, 3 de Outubro, São Francisco de Borja, Organizado pelo Pe. José Leite, S. J., Editorial A.O., Braga, Portugal, 1987.
Marcelle Auclair, Santa Teresa de Ávila, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1959.



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1 comentário:

Maria José Martins disse...

Fico sempre comovida com a leitura destes Testemunhos, ao longo da História da Igreja, porque, nos últimos tempos, parece que há uma intenção de salientar somente, os maus Exemplos. E, ainda bem, que eles partem de "pessoas consideradas ilustres e inteligentes", pois, no entender de muitos, apenas os "pobres de espírito"-- no sentido depreciativo-- sentem a necessidade de se refugiarem e de Servir a Deus, desprezando o mundo, tal é a VAIDADE INTELECTUAL, na maioria de hoje.
Obrigada, por nos fazer recordar o VERDADEIRO SENTIDO DA VIDA CRISTÃ, com a leitura destes textos, que, dada a conjuntura atual, até parecem ficção!