De entre as virtudes da vida quotidiana, uma das que vai sendo cada
vez mais difícil de encontrar é a autenticidade. Trata-se da capacidade
de uma pessoa ser quem é; uma rectidão no sentir, pensar e agir que não é
condicionada por qualquer outro factor senão pela essência da pessoa em
questão. Infelizmente, hoje são cada vez mais as pessoas que consideram
ter o direito de mentir. Uma espécie de medo de si mesmas que as leva a
não ser o que são, tentando ser quem não são, numa mentira da qual são
as principais vítimas...
Este mal enraíza-se na ideia errada de que se é pobre. Mas a
verdadeira riqueza não consiste em ser uma multiplicidade de pessoas,
mas em ser-se senhor da única que se é e respeitá-la.
A verdade é sempre dura. Aceitá-la é o melhor dos primeiros passos
de um caminho para a conseguir alterar. A autenticidade reconhece a
humildade e, por isso mesmo, aceita a verdade. Parte daí e segue
adiante, numa lógica de continuidade e mudança sustentadas. Sem
artifícios, mentiras ou escapes. É certo que se espera que cada um de
nós se adapte a cada situação, mas isso é bem diferente de se estar
disponível para recomeçar sempre tudo do zero, sem história nem lógica.
No mundo hoje, há quem defenda que se pode agir de forma incorreta
se deste modo se conseguir corrigir as injustiças de que se é vítima.
Defende-se até que se trata de uma mera questão de sobrevivência...
chamam qualidade a esta capacidade de plasticamente se adaptarem a
qualquer circunstância, mas que incapacita qualquer homem da
verticalidade de, mesmo tendo os pés na lama, conseguir erguer-se,
levantando-se e elevando a cabeça até bem perto das nuvens.
Respeitando-se.
Inautêntico é todo aquele que encara o mundo e os outros com má fé.
Furta-se a todos os tipos de responsabilidade. Tem listas enormes de
culpados que garantem álibis para cada um dos mais pequenos erros
eventual e realmente relacionados consigo próprio. Pessoas autênticas
são raras, a sociedade enquanto entidade tende a aniquilar as
diferenças, principalmente as que põe a nu os aspectos mais nauseabundos
da maioria. A rectidão de uns revela de forma inequívoca a indigência
moral dos outros.
Os autênticos reconhecem-se, mas são poucos. Muito poucos. A
autenticidade é elogiada por todos mas encontra-se quase sempre a morrer
de frio... sem um abraço sequer.
Ser recto é ser autêntico. É respeitar a sua essência, assumindo-a
de forma simples, na sua maior pura. Conduzir a vida de acordo com os
sonhos, lutando a cada passo com lodo que tenta prender os pés. Cair e
levantar-se, cair e levantar-se, cair e levantar-se... Esta determinação
simples não é uma pobreza. Bem pelo contrário. A pureza é sempre
simples.
Devemos pois reconhecer que cada um de nós é alguém que se determina
a si mesmo; que não podemos nunca deixar de tomar decisões, não podemos
escolher não escolher e, porque cada gesto nosso é resultado de uma
eleição íntima, somos sempre responsáveis pelos nossos gestos. Mesmo
quando se decide não fazer nada, será também algo pelo qual seremos
chamados a responder... pela nossa consciência, se ainda a conseguirmos
escutar. Infelizmente, há muitos que parece já terem conseguido inativar
este mecanismo inteligente que detecta as diferenças entre o que é e o
que devia ser e nos avisa... nos teima em manter numa linha onde seremos
mais quem somos, e bem melhores... Vivendo sempre de acordo com a nossa
identidade e os sonhos que implica.
Em qualquer caso, mesmo o mais pobre dos homens não está isento do
dever de ser recto. Afinal, quem não é recto, ainda que tenha tudo o
mais em abundância, é um verdadeiro miserável. Nada é. Autenticamente.
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