sábado, 11 de agosto de 2012

A autenticidade não é um valor em si - José Luís Nunes Martins

De entre as virtudes da vida quotidiana, uma das que vai sendo cada vez mais difícil de encontrar é a autenticidade. Trata-se da capacidade de uma pessoa ser quem é; uma rectidão no sentir, pensar e agir que não é condicionada por qualquer outro factor senão pela essência da pessoa em questão. Infelizmente, hoje são cada vez mais as pessoas que consideram ter o direito de mentir. Uma espécie de medo de si mesmas que as leva a não ser o que são, tentando ser quem não são, numa mentira da qual são as principais vítimas...

Este mal enraíza-se na ideia errada de que se é pobre. Mas a verdadeira riqueza não consiste em ser uma multiplicidade de pessoas, mas em ser-se senhor da única que se é e respeitá-la.

A verdade é sempre dura. Aceitá-la é o melhor dos primeiros passos de um caminho para a conseguir alterar. A autenticidade reconhece a humildade e, por isso mesmo, aceita a verdade. Parte daí e segue adiante, numa lógica de continuidade e mudança sustentadas. Sem artifícios, mentiras ou escapes. É certo que se espera que cada um de nós se adapte a cada situação, mas isso é bem diferente de se estar disponível para recomeçar sempre tudo do zero, sem história nem lógica.

No mundo hoje, há quem defenda que se pode agir de forma incorreta se deste modo se conseguir corrigir as injustiças de que se é vítima. Defende-se até que se trata de uma mera questão de sobrevivência... chamam qualidade a esta capacidade de plasticamente se adaptarem a qualquer circunstância, mas que incapacita qualquer homem da verticalidade de, mesmo tendo os pés na lama, conseguir erguer-se, levantando-se e elevando a cabeça até bem perto das nuvens. Respeitando-se.

Inautêntico é todo aquele que encara o mundo e os outros com má fé. Furta-se a todos os tipos de responsabilidade. Tem listas enormes de culpados que garantem álibis para cada um dos mais pequenos erros eventual e realmente relacionados consigo próprio. Pessoas autênticas são raras, a sociedade enquanto entidade tende a aniquilar as diferenças, principalmente as que põe a nu os aspectos mais nauseabundos da maioria. A rectidão de uns revela de forma inequívoca a indigência moral dos outros.
Os autênticos reconhecem-se, mas são poucos. Muito poucos. A autenticidade é elogiada por todos mas encontra-se quase sempre a morrer de frio... sem um abraço sequer.

Ser recto é ser autêntico. É respeitar a sua essência, assumindo-a de forma simples, na sua maior pura. Conduzir a vida de acordo com os sonhos, lutando a cada passo com lodo que tenta prender os pés. Cair e levantar-se, cair e levantar-se, cair e levantar-se... Esta determinação simples não é uma pobreza. Bem pelo contrário. A pureza é sempre simples.

Devemos pois reconhecer que cada um de nós é alguém que se determina a si mesmo; que não podemos nunca deixar de tomar decisões, não podemos escolher não escolher e, porque cada gesto nosso é resultado de uma eleição íntima, somos sempre responsáveis pelos nossos gestos. Mesmo quando se decide não fazer nada, será também algo pelo qual seremos chamados a responder... pela nossa consciência, se ainda a conseguirmos escutar. Infelizmente, há muitos que parece já terem conseguido inativar este mecanismo inteligente que detecta as diferenças entre o que é e o que devia ser e nos avisa... nos teima em manter numa linha onde seremos mais quem somos, e bem melhores... Vivendo sempre de acordo com a nossa identidade e os sonhos que implica.

Em qualquer caso, mesmo o mais pobre dos homens não está isento do dever de ser recto. Afinal, quem não é recto, ainda que tenha tudo o mais em abundância, é um verdadeiro miserável. Nada é. Autenticamente.


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