terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Só pode Amar quem Odiar - Pe. Nuno Serras Pereira

Nos dias que correm é difícil encontrar um cristão que tenha uma noção adequado de Quem é Deus no Seu Amor. E o que mais assombra é que a insistência na Misericórdia Infinita do Senhor seja o motivo ou o meio pelo qual se vem a ter essa ideia distorcida do Amor Trinitário. No entanto, se considerarmos que o anúncio da Misericórdia habitualmente não é acompanhado da proclamação de outras verdades Reveladas tais como a Justiça, e a Ira Divina, a exigência de conversão, com a consequente emenda de vida, a necessidade da penitência, da perseverança, da fidelidade até ao fim, repararemos que não há razão alguma para ficarmos assarapantados.

Além disso, calar o que é o Amor, a Sua Santidade, ou seja, a incompatibilidade absoluta com o mal e o pecado; silenciar as Suas exigências, o Seu zelo pela nossa perfeição e salvação eterna é atraiçoar esse mesmo Amor. O Amor se o é o realmente tem, por isso mesmo, uma enfuriação contra todo o desamor, um verdadeiro ódio ou detestação daquilo que a Ele se opõe, estorvando os Seus desígnios de Redenção de cada pessoa humana. Daí que o Antigo Testamento (AT) afirme o ódio de Deus ao mal, narre as Suas tremebundas invectivas, O mostre rugindo fúrias contra o pecado.

Estas passagens que infundem pavor levaram alguns, entre os quais se destaca Marcião, a separar o Antigo do Novo Testamento (NT), como se naquele não estivesse latente, aquilo que neste se torna patente; chegando ao excesso herético de afirmarem a existência de dois deuses, sendo que o do AT era mau e o do NT, pelo contrário, bom. Contra esta interpretação distorcida se levantaram os Evangelistas e a demais Igreja nascente. Há um só Deus, infinitamente benigno, que Se Revela tanto na Antiga como na Nova Aliança, que Se fez homem, nascido da Virgem Maria, pelo poder do Espírito Santo, foi crucificado, ressuscitou, ascendeu ao Céu e de novo há-de vira a julgar os vivos e os mortos. Jesus Cristo, nosso Redentor e Juiz, é a Chave de leitura, o critério definitivo e irrenunciável de interpretação da Sagrada Escritura, pois n’ Ele o Pai disse-nos tudo, Ele é a plenitude da Revelação.

Jesus Cristo “que passou fazendo o bem e exorcizando todos os que eram oprimidos pelo diabo”, Revelou-Se-nos como O poderoso guerreiro, O militante infatigável, O pelejador constante contra satanás e contra o pecado, em que ele nos tinha escravizados, para nos Libertar para a verdadeira Liberdade, que é a Comunhão de Vida e Amor com Ele. E, deste modo nos mostrou, contrariamente ao que hoje se presume, que não é possível fazer o bem sem combater denodadamente o mal e o pecado.

Que o amor a Deus, o único amor do qual todo o outro amor brota, e se corrompido nele se purifica, implique necessariamente um horror e abominação do pecado é ensinamento expresso deste Senhor infinitamente benevolente e benfazejo quando, por exemplo, proclama: Ninguém pode servir a dois senhores: ou há-de odiar a um e amar o outro, ou há-de apegar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro (Cf. Mt 6, 24; Lc 16, 13). Também nos adverte que se não nos convertermos pereceremos imprevistamente de modo semelhante aos galileus chacinados por Pilatos ou os jerosolimitanos esmagados pela derrocada da torre de Siloé (Lc 13, 2-5).

Será, possivelmente, da meditação desta passagem que terá surgido a oração que os nossos antepassados rezaram durante séculos implorando a Deus que os livrasse de uma morte súbita e imprevista. Esta súplica insistente e confiante brotava de uma consideração do peso da eternidade à luz da qual era vista esta vida. Para estes cristão o problema não era tanto a morte biológica, mas o Juízo de Deus, no qual se joga o destino eterno. De facto, o Mesmo Juiz que diz a uns “ … vinde benditos de Meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo … ” (Mt 25, 34) é o Mesmo que impera a outros “Retirai-vos de Mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado a satanás e aos seus anjos.” (Lc 25, 41).

A Igreja, Cristo em nós, continuado e Presente na História de todos os tempos, durante séculos e séculos, apresentou o rosto de Jesus Cristo, Deus humanado, na Sua completude de Juiz Justo e Misericordioso. Era habitual, por exemplo, no púlpito, na pregação, no sermão, não só exaltar a Majestade Gloriosa de Deus, enaltecer as Suas obras, recordar os Seus prodígios em nosso favor, persuadir-nos do Seu Amor mas também trovejar cóleras contra o pecado, bramir iracundamente contra o derrancamento dos costumes, tendo como intento mover as almas ao arrependimento, em vista de uma confissão feita bem, que pudesse restabelecer a comunhão de vida e de amor com o Senhor, e com o próximo (além disso, ao desmascarem os ardis do Maligno e as manhas da natureza humana, possibilitavam o reconhecimento da culpa própria, e com ela a consciência de serem livres, e não meras vítimas inermes determinadas pelas circunstâncias).

Deste modo, os penitentes aproximavam-se confundidos e temerosos, com grande atrição, dos sacerdotes para receberem a absolvição de seus pecados mortais, sendo-lhes assim perdoadas as penas eternas, devidas aos mesmos. Porém, no confessionário quem os acolhia não era já o rosto severo e rigoroso do Apocalipse, mas sim a face jubilosa, jucunda, transbordante de misericórdia, do Pai do filho pródigo. Este encontro conseguia frequentemente mover o penitente à contrição perfeita, isto é, a um arrependimento não já nascido do santo temor de Deus mas sim do santo amor.

Será recto e justo dispensar o modo como Deus nos falou na Sagrada Escritura, na Tradição da Igreja, enfim nos Seus Santos, ou seja, naqueles que Ele fez participantes da Sua Santidade? Haverá ainda muitos cristãos que saibam que o pecado existe? E conheça a gravidade do mesmo? Que acredite no Inferno? Que saiba o que é o bem e o que é o mal? Que os saiba distinguir? Que não os troque?

Será ainda possível designar o mal e o pecado pelos seus nomes sem que as pessoas se sintam agredidas, em vez de agradecidas pela verdade/amor que lhes é comunicado? Seja como for, a verdade permanece: é impossível amar sem odiar. E não se pode praticar o bem sem combater o mal.


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