quinta-feira, 10 de julho de 2014

O celibato não é uma “mera questão disciplinar” - D. Manuel Clemente

Na conclusão da homilia que proferiu na Missa de ordenação de dois novos sacerdotes, no dia 29 de Junho de 2014, Solenidade dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo, na Igreja de Santa Maria de Belém, D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa, falou do celibato sacerdotal, deixando muito claro que o celibato não é uma “mera questão disciplinar”.

Aqui está o texto, na parte relativa ao celibato:

Caríssimos irmãos: A verdade da Igreja e da sua missão no mundo articula-se inevitavelmente aqui, quando a teologia se faz escatologia, acolhimento e anúncio do que Deus nos dá definitivamente em Cristo. E é importante verificar, caríssimos ordinandos, que não é por acaso que a frase litúrgica citada - «enquanto esperamos a vinda gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador» - será dita por vós em cada Missa que celebrardes, e precisamente como sacerdotes celibatários.

Detenhamo-nos um pouco neste último ponto, já que alguma opinião o desvaloriza ou dispensa. Deixai-me dizer até que, sendo verdade que, mesmo na Igreja Católica, há casos de ordenação sacerdotal de homens casados, o celibato não se reduz, como por vezes se ouve, a uma “mera questão disciplinar”. Muito pelo contrário, sendo realmente uma graça, ele assinala para a Igreja toda, na vida consagrada ou ligado ao ministério sacerdotal, aquela dimensão final em que Jesus Cristo, também ele celibatário, nos introduz já e culminará por fim.

O celibato e a virgindade consagrada alargam o horizonte e o coração, quer para a paternidade pastoral dos sacerdotes, quer para a universal maternidade da Igreja. Assim o disse, com muita clareza e aviso, o Papa Francisco, a 6 de Julho do ano passado, a um grupo de seminaristas, noviços e noviças, além doutros jovens em caminho vocacional: «Vós, seminaristas e freiras, consagrais o vosso amor a Jesus, um amor grande; o coração é para Jesus, e isto leva-nos a fazer o voto de castidade, o voto de celibato. Mas o voto de castidade e o voto de celibato não acaba no momento em que se emite, continua... Um caminho que amadurece, amadurece, amadurece até à paternidade pastoral, até à maternidade pastoral, e quando um sacerdote não é pai da sua comunidade, quando uma religiosa não é mãe de todos aqueles com os quais trabalha, torna-se triste. Eis o problema. Por isto vos digo: a raiz da tristeza na vida pastoral consiste precisamente na falta de paternidade e maternidade que vem de viver mal esta consagração que, ao contrário, nos deve conduzir à fecundidade. Não se pode imaginar um sacerdote ou uma religiosa que não sejam fecundos: isto não é católico! Não é católico! Esta é a beleza da consagração: a alegria, a alegria...» (L'Osservatore Romano, ed. port., 14 de Julho de 2013, p. 5). 

Todas as realidades criaturais são boas e necessárias para crescermos na terra. Mas para crescermos da terra ao céu. A própria vida familiar é um valor primeiríssimo, que Jesus restaurou segundo o “princípio”, mas como pedagogia do fim: daquele fim em que já nem eles se casam nem elas são dadas em casamento, pois todos seremos igualmente irmãos na única família de Deus (cf. Mc 12, 25). Esquecer isto é esquecer quase tudo e tomar como fim o que é princípio e meio. 

Por isso, Jesus não constituiu família humana, para abrir no mundo a família dos filhos de Deus. E assim mesmo o seguiu Paulo, que deu ao apostolado a mais expressiva das realizações. Consequentemente, foi-se afirmando a vida celibatária e virginal entre muitos cristãos e cristãs, monges e monjas, clérigos também e em número crescente, antes até das normas canónicas o preverem. 

Esquecer este facto não é apenas ignorar a história. É atenuar o que não pode ser atenuado, como desafio escatológico, definitivo e completo da vocação cristã. Isso mesmo que o sensualismo dominante da subcultura contemporânea não aceita, mas que o cristianismo autêntico mantém e oferece, como dizia o Apóstolo das Gentes, «a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, há-de dar a todos aqueles que tiverem esperado com amor a sua vinda»: um amor bastante, um amor final, para ser infindo.



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