quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Patriarca de Lisboa conta como foi o Sínodo da Família

Este fim-de-semana, no dia de todos os Santos, o Sr. Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, foi falar ao Oratório de S. Josemaria sobre o recente Sínodo da Família, que aconteceu em Roma. (O Senza, como sabem, tem uma secção só sobre o Sínodo da família 2014.)


A sala, com capacidade para mais de 300 pessoas, estava cheiíssima, com pessoas sentadas no chão e até no palco, atrás do Sr. Patriarca. Na verdade, quem olhava do fundo da sala para dentro do auditório via o D. Manuel a falar rodeado de jovens sentados no chão do palco onde ele também estava. De facto, foi uma tarde muito bem passada e o Sr. Patriarca conseguiu entreter-nos com mais de uma hora sempre cheia de interesse pelos conteúdos e pelo humor com que os ia completando.

A conferência foi muito boa para desmistificar uma série de coisas sobre o Sínodo da família, cujas notícias correram o mundo e, ao passarem por todos os jornais possíveis, sofreram muitas distorções.

O Sr. Patriarca explicou que, quando se fala em "Sínodo dos Bispos", estamos a falar de um orgão permanente da Igreja, que serve para aconselhar o Santo Padre. Isto é assim desde que o Sínodo dos Bispos foi criado pelo Beato Paulo VI. Para exemplificar, D. Manuel explicou que até já tinha havido um sínodo pela família no tempo de S. João Paulo II, cujas conclusões estão espelhadas na Exortação Apostólica (Pós-Sinodal) Familiaris Consortio.

D. Manuel Clemente disse que esta exortação ainda é hoje o documento base para se tratar de temas da família na Igreja. É um sinal muito bom que o nosso Patriarca diga isto em público, dado ser precisamente nesta exortação que se afirma que pessoas recasadas não se podem aproximar da Sagrada Comunhão. No entanto, confesso que também seria estranho não dar a este documento a importância que ele merece, dado ser uma carta escrita por um Papa, ainda por cima Santo.


Entre todas as notícias que foram publicadas sobre o Sínodo, é óbvio que algumas foram boas. No entanto, D. Manuel conseguiu dar-nos ainda mais novidades. Por exemplo, eu não sabia, mas havia momentos no Sínodo em que todos os Bispos tinham que falar para todos. Ora, como sabemos, há imensos Bispos a participar, por isso o discurso de cada um tinha que ser muito moderado no tempo. Para tal, cada um tinha um microfone no seu lugar do auditório que, ao fim de 4 minutos de discurso, desligava-se automaticamente. Isto é um sinal de que o uso da tecnologia para as coisas mais banais também já chegou ao Vaticano: parece que a Igreja não é assim tão antiga como a querem pintar, nem no que toca a microfones.

D. Manuel, que já esteve presente noutros Sínodos para além deste, falou de algumas das diferenças mais notórias entre este Sínodo e os outros anteriores. A mais impressionante de todas foi a presença do Santo Padre no Sínodo.

Nos Sínodos anteriores o Papa Bento, para além dos discursos inicial e final, costumava pregar umas meditações em alguns dos dias do Sínodo. Além disso, também aplaudia sempre todos os Bispos quando eles falavam. O Sr. Patriarca até explicou que era normal os Bispos estarem atentos a quem é que o Papa batia mais palmas (ainda que se calhar não desse para ver a diferença nas palmas). Ora, o Papa Francisco permaneceu em silêncio o Sínodo inteiro e, apesar de ser muito afável no contacto pessoal, ele esteve sempre muito sério durante todo o Sínodo. Era impossível concluir o que quer que fosse da sua expressão, pelo que os Bispos apenas o viam tirar notas e a prestar atenção a todos os discursos.


O Papa Francisco apenas falou no início e no final do Sínodo e foi sempre com o mesmo objectivo: o de apelar à franqueza e sinceridade dos Bispos. Na verdade, D. Manuel explicou que o Papa chegou mesmo ao ponto de dar a entender aos Bispos para não se preocuparem com a ortodoxia, dado que estava lá Pedro. O Papa Francisco explicava assim que, ao estar lá presente, assegurava a continuidade da tradição e da doutrina, pois os Bispos estariam a discutir cum Petro e sub Petro. A verdade é que o Papa Francisco fez um discurso assombroso e com uma fidelidade implacável ao Magistério da Igreja no seu discurso final do Sínodo, um texto que só ele merece um outro artigo.

D. Manuel Clemente disse que o Papa tinha uma preocupação que não lhe saía do coração, ao explicar que este Sínodo extraordinário foi convocado com o objectivo de que todas as pessoas na Igreja percebam que há problemas inéditos na vida da Igreja e que têm que ser tratados de uma forma como nunca foram antes. Estes problemas são principalmente as situações dos Católicos divorciados e a ideologia homossexual, mas não só. É importante não esquecer que este Sínodo não foi mais do que a preparação do Sínodo que vai acontecer em 2015.

Segundo o Patriarca de Lisboa, nos dias de hoje já não faz sentido continuarmos a achar que, com os mesmos métodos de sempre para resolver problemas da família, vai ser possível ajudar as pessoas recasadas ou com tendências homossexuais. É preciso admitir que nos dias de hoje há mesmo imensas famílias destruídas pelos divórcios e demasiadas pessoas a sofrer com problemas de homossexualidade - a Igreja tem que saber como ajudá-las.

Noto que em nada do que se disse até agora foram implicadas mudanças na doutrina da Igreja. Na verdade, quem tem fé na infalibilidade da Igreja (sim, é uma questão de Fé, como dizemos todos os Domingos no Credo: "Creio na Igreja....") sabe que a doutrina não pode mesmo mudar. No entanto, devemos ter ferramentas para ajudar as pessoas que têm estas dificuldades específicas, e fazer com que queiram lutar para ser santas.

E, tal como S. João XXIII não quis decidir nada sozinho, também o Papa Francisco conta com estes Sínodos pela família para ter luzes sobre como tomar decisões sobre estes assuntos para a Igreja. O Papa quer sentir-se acompanhado nas decisões que tomar.

Mesmo antes de acabar a conferência, foi feita uma pergunta muito pertinente a D. Manuel (os meus parabéns a quem a fez!). A pergunta lembrava que o Papa Francisco tinha decidido beatificar o Papa Paulo VI no final do Sínodo pela família, certamente com algum significado. Na homilia da beatificação, o Papa Francisco referiu a solidão com que Paulo VI viveu os seus últimos anos de pontificado (basta lembrarmo-nos do caso Humanæ Vitæ). Será que o Papa Francisco, um Papa que gosta muito de estar acompanhado, também está a sentir esta solidão? Se sim, como é que nós, em particular as famílias, devemos fazer para ajudar e apoiar o Papa durante este ano até ao próximo Sínodo?

D. Manuel Clemente deu-nos então sugestões muitíssimo boas e pertinentes, que vou colocar pela ordem de importância e eficácia.

Papa Bento XVI a rezar no túmulo da Jacinta.
Primeiro, podemos e devemos rezar pelo Papa. D. Manuel reforçou ainda mais esta ideia comentando que estamos a aproximar-nos do centenário de Fátima e que a Jacinta é um exemplo para todos nós no seu amor ao Santo Padre e na forma como rezava pelo Papa. Além disso, não devemos nunca esquecer como nos Actos dos Apóstolos se comenta que, quando S. Pedro estava preso, a "Igreja orava incessantemente por ele", o que fez com que ele conseguisse libertar-se.

Em segundo lugar, não devemos hesitar em escrever cartas ao Papa, pois ele é muito sensível a isso. Ainda que não responda a todas, o Papa interessa-se muito pelo que as pessoas lhe escrevem e por isso devemos enviar-lhe cartas entusiasmando-o e até dizendo o que temos achado sobre o que se tem passado no Sínodo ou o que quer que queiramos. Isto é um conselho do nosso Patriarca de Lisboa que não devíamos esquecer... quantos Santos não escreveram cartas ao Santo Padre?

Por último, também nós próprios podemos contribuir para o debate! Um dos objectivos do Papa era fazer com que se falasse mais nestes assuntos e que eles fossem estudados mais a sério e com profundidade, por isso é que D. Manuel até recomendou que escrevêssemos livros! Aproveito para lembrar um bom livro sobre este assunto escrito por cinco cardeais (um deles o Prefeito para a Doutrina da Fé) e publicado em inglês pela Ignatius Press: Remaining in the Truth of Christ: Marriage and Communion in the Catholic Church.

Para concluir, não seria justo acabar este texto sem referir uma das ideias mais importantes (e mais bonitas) que o D. Manuel nos disse. Explicou o Patriarca de Lisboa que o Papa Francisco, com estes Sínodos, mostrou acima de tudo uma coisa - que a família tem que deixar de ser considerada como uma das parte da vida da Igreja, para passar a ser vista como o próprio eixo central da vida da Igreja.

Esta é uma ideia que não devemos deixar passar levemente, pois não só mostra a importância da família para a Igreja mas também para a vida de cada um em particular. Que loucura pensar que sendo um pai ou mãe de família podemos vir a ser tão Santos, ter a alma tão perto de Deus, como a mística Santa Teresa de Ávila, por exemplo... Pois sim, é possível.

Nuno CB


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3 comentários:

Anónimo disse...

Os meus sinceros agradecimentos pelo resumo/testemunho que aqui nos é dado.

Deixo-vos estes dois links, por serem de elevada relevância:

http://www.conferenciaepiscopal.pt/v1/wp-content/uploads/SinodoBispos2014_Mensagem.pdf

http://www.conferenciaepiscopal.pt/v1/wp-content/uploads/SinodoBispos2014_RelacaoFinal.pdf

Anónimo disse...

A doutrina da Igreja pode mudar, deve mudar, e mudará. Quem conhece Francisco sabe-o bem. Tive a oportunidade e honra de com ele privar ainda antes de ser Papa, ainda que apenas brevemente. A força da maré é maior que a dos marinheiros. A mudança chegará, se Deus quiser.

Jo disse...

Um testemunho muito interessante. Obrigada pela partilha!