D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa, foi hoje feito Cardeal pelo Papa Francisco. O consistório decorreu na Basílica de S. Pedro, no Vaticano, e teve como resultado 15 novos Cardeais eleitores (que poderão eleger o próximo Papa) e 5 Cardeais não-eleitores (que não o poderão fazer por terem mais de 80 anos de idade). Estas são as palavras que o Santo Padre dirigiu aos novos purpurados:
Amados Irmãos Cardeais!
A dignidade cardinalícia é certamente uma dignidade, mas não é honorífica. Assim no-lo indica o próprio nome – «cardeal» –, que evoca a «charneira», a junção cardinal, principal; não se trata, portanto, de algo acessório, decorativo que faça pensar a uma honorificência, mas de um eixo, um ponto de apoio e movimento essencial para a vida da comunidade. Vós sois «junções cardinais» e estais incardinados na Igreja de Roma, que «preside à universal assembleia da caridade» (LG 13).
Na Igreja, toda a presidência provém da caridade, deve ser exercida na caridade e tem como fim a caridade. Também nisto a Igreja que está em Roma desempenha uma função exemplar: assim como ela preside na caridade, assim também cada Igreja particular é chamada, no seu âmbito, a presidir à caridade e na caridade.
Por isso, penso que o «hino à caridade» da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (cap. 13) possa constituir a palavra-orientadora para esta celebração e para o vosso ministério, de modo particular para aqueles de vós que hoje passam a fazer parte do Colégio Cardinalício. E far-nos-á bem – a começar por mim e vós comigo – deixarmo-nos orientar pelas palavras inspiradas do apóstolo Paulo, nomeadamente quando refere as características da caridade. Venha em nossa ajuda, nesta escuta, a Virgem Maria, nossa Mãe. Deu ao mundo Aquele que é o «caminho que ultrapassa todos os outros» (cf. 1 Cor 12, 31): Jesus, Caridade encarnada. Que Ela nos ajude a acolher esta Palavra e a seguir sempre por este Caminho; nos ajude com a sua conduta humilde e terna de mãe, porque a caridade, dom de Deus, cresce onde há humildade e ternura.
São Paulo começa por nos dizer que a caridade é «magnânima» e «benévola». Quanto mais se amplia a responsabilidade no serviço à Igreja, tanto mais se deve ampliar o coração, dilatando-se de acordo com a medida do coração de Cristo. A magnanimidade é, em certo sentido, sinónimo de catolicidade: é saber amar sem limites, mas ao mesmo tempo fiéis às situações particulares e com gestos concretos. Amar o que é grande, sem negligenciar o que é pequeno; amar as coisas pequenas no horizonte das grandes, porque «non coerceri a maximo, contineri tamen a minimo divinum est». Saber amar com gestos benévolos. A benevolência é a intenção firme e constante de querer o bem sempre e para todos, incluindo aqueles que não nos amam.
Depois, o Apóstolo diz que a caridade «não é invejosa, não é arrogante nem orgulhosa». Isto é verdadeiramente um milagre da caridade, porque nós, seres humanos (todos, e em todas as idades da vida), sentimo-nos inclinados à inveja e ao orgulho por causa da nossa natureza ferida pelo pecado. E as próprias dignidades eclesiásticas não estão imunes desta tentação. Mas por isso mesmo, amados Irmãos, pode sobressair ainda mais em nós a força divina da caridade, que transforma de tal modo o coração que já não és tu que vives, mas Cristo que vive em ti. E Jesus é todo amor.
Além disso, a caridade «não falta ao respeito, não procura o seu próprio interesse». Estes dois traços revelam que, quem vive na caridade, se descentralizou de si mesmo. A pessoa que vive auto-centralizada, inevitavelmente falta ao respeito e, muitas vezes, nem se dá conta disso, porque o «respeito» é precisamente a capacidade de ter em conta o outro, a sua dignidade, a sua condição, as suas necessidades. Quem está auto-centralizado, procura inevitavelmente o seu próprio interesse, parecendo-lhe isso normal, quase um dever. Tal «interesse» pode inclusivamente apresentar-se amantado com nobres revestimentos, mas por debaixo está sempre o «próprio interesse». Ao contrário, a caridade descentraliza-te, situando-te no único verdadeiro centro que é Cristo. Então, sim, podes ser uma pessoa respeitadora e atenta ao bem dos outros.
A caridade, diz Paulo, «não se irrita, não leva em conta o mal recebido». Ao pastor que vive em contacto com as pessoas, não faltam ocasiões para se irritar. E o risco de se irritar é talvez ainda maior nas relações entre nós, irmãos, embora tenhamos efectivamente menos desculpa. Também disto é a caridade, e só a caridade, que nos liberta. Liberta-nos do perigo de reagir impulsivamente, dizer e fazer coisas erradas; e sobretudo liberta-nos do risco mortal da ira retida, «aninhada» no interior, que te leva a ter em conta os malefícios recebidos. Não. Isto não é aceitável no homem de Igreja. Entretanto se é possível desculpar uma indignação momentânea e imediatamente moderada, não se pode dizer o mesmo do rancor. Que Deus nos preserve e livre dele!
A caridade – acrescenta o Apóstolo – «não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade». Quem é chamado na Igreja ao serviço da governação deve ter um sentido tão forte da justiça que veja toda e qualquer injustiça como inaceitável, incluindo aquela que possa ser vantajosa para si mesmo ou para a Igreja. E, ao mesmo tempo, «rejubila com a verdade»: é uma bela expressão! O homem de Deus é alguém que vive fascinado pela verdade e que a encontra plenamente na Palavra e na Carne de Jesus Cristo. Ele é a fonte inesgotável da nossa alegria. Possa o povo de Deus encontrar sempre em nós a denúncia firme da injustiça e o serviço jubiloso da verdade.
Por fim, a caridade «tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta». Temos aqui, em quatro palavras, um programa de vida espiritual e pastoral. O amor de Cristo, derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, permite-nos viver assim, ser assim: pessoas capazes de perdoar sempre; de dar sempre confiança, porque cheias de fé em Deus; capazes de infundir sempre esperança, porque cheias de esperança em Deus; pessoas que sabem suportar com paciência todas as situações e cada irmão e irmã, em união com Jesus, que suportou com amor o peso de todos os nossos pecados.
Amados irmãos, nada disto provém de nós, mas de Deus. Deus é amor e realiza tudo isto, se formos dóceis à acção do seu Santo Espírito. Eis então como devemos ser: incardinados e dóceis. Quanto mais estivermos incardinados na Igreja que está em Roma, tanto mais nos devemos tornar dóceis ao Espírito, para que a caridade possa dar forma e sentido a tudo o que somos e fazemos. Incardinados na Igreja que preside na caridade, dóceis ao Espírito Santo, que derrama nos nossos corações o amor de Deus (cf. Rom 5, 5). Assim seja.
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