domingo, 24 de julho de 2016

Casamento: O dia em que tudo muda

Quando este artigo chegar aos leitores, na manhã de Domingo, eu estarei a assistir ao casamento de dois noivos, muito amigos. Desde que me deram a notícia, comecei a rezar. E, depois, com aquela dose de impertinência que se concede às pessoas muito íntimas, perguntei-lhes se estavam a rezar muito. «Sim! Muito!» Recusei-me a ficar descansado: só quatro ou cinco vezes por dia?, ou mais?


Redobrei, por minha conta, a oração pelo novo casal.

Quem os veja talvez não compreenda a preocupação. Sorriso feliz, sereno, responsável; algum sinal discreto de ternura; e garantem que rezam muito. Que se pode pedir mais?

Neste Domingo de manhã, na Missa, ele vai jogar a vida inteira, para sempre, num projecto comum. E ela vai entregar-se completamente, para sempre, nessa aventura.

Tanto quanto sei, só há uma vida nesta terra. Eles são novos e, se Deus lhes der saúde, têm dezenas de anos pela frente, os únicos anos de que dispõem. Tudo isso, com todas as possibilidades ainda em aberto, vai ficar decidido, de uma vez para sempre, numa aposta sem retorno, na manhã de Domingo.

– Meus queridos, vocês rezam mesmo? Sim (muito forte!), querido Tio!

Eu sei, mas percebo que tenho de rezar mais. Quando Deus passa pela vida, precisamos de Lhe responder. Mais tarde ou mais cedo, há um momento em que nos convida a decidir o futuro. Podemos aceitar o desafio, ou adiar, ou preferir uma alternativa, mas a voz de Deus soa clara, para cada um. Não responder, também é resposta, porque o convite existe e não se consegue anular. A voz de Deus é tão clara como o sussurro da consciência: pedimos à consciência que não nos lembre qualquer coisa, mas a voz íntima não se cala. É preciso muito barulho interior para abafar a consciência e, também – quando é o caso –, para calar a vocação. Mal nos descuidamos, as palavras nítidas ressurgem em primeiro plano.

Alguns, rejeitam os mergulhos radicais de Deus. A um «vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres...», a outro «vem e segue-Me...», a outro «vai para tua casa, para os teus, e conta-lhes tudo o que o Senhor te fez, e como teve misericórdia de ti...». As vocações são tão diferentes como as impressões digitais de cada alma. Deus não Se repete. Mas chama, «radicalmente», e toca cada vida com um desafio divino.

Na sua primeira Encíclica, «Lumen Fidei», o Papa Francisco descreve a vocação ao casamento, ao compromisso para sempre, como resposta ao amor de Deus. Essa «união estável no casamento nasce do amor, é sinal e presença do amor de Deus». Deus olha de forma pessoalíssima aquelas duas almas. Num vislumbre, situa-as entre um caminho sem retorno e todas as estradas largas que brilham nas outras direcções. Naturalmente, aquelas duas almas sentem uma sacudidela fortíssima, na oração, como se a oração ficasse interrompida, à espera de uma resposta.

Alguns, já não continuam. Adiam, perdem-se na conjectura, não dão o passo. Outros, percebem o passo imenso que Deus lhes pede e lançam-se nos seus braços.

Fora deste contexto, o casamento tem pouco sentido. Nenhuns braços, senão os de Deus, têm força para segurar uma vida inteira que se entrega num ímpeto de generosidade.

Depois, vem a felicidade que ultrapassa o deleite humano. Uma alegria que não se conhece nesta terra, porque é antecipação do Céu. Unem-se os cônjuges numa só carne e – diz o Papa nessa Encíclica – desce sobre eles a bênção do Amor: «geram uma nova vida, manifestação da bondade do Criador, da sua sabedoria e do seu desígnio de amor».

– Rezam mesmo? – insisto com ternura. Eu sei que sim, mas não quero que eles se sintam satisfeitos, como se fosse suficiente.

Olhos nos olhos, contemplo um brilho sereno, feliz, responsável, que me faz tanto bem à alma. Um brilho responsável de quem reza (mas não é suficiente, meninos!). As mãos dadas reflectem já a bênção que vão receber no Domingo de manhã. A confiança que têm um no outro chama-se «amor incondicional» e é um dom altíssimo do Criador. Aquele «sim», vai ecoar sem prazo como um carrilhão na glória. E a bêncão de Deus, cheia de fecundidade...

E minha insistência, cheia de afecto e de intimidade, que eles compreendem e agradecem: meus queridos, rezam?

– Sim, muito! Quer dizer, ...agora vamos rezar ainda mais.

José Maria C.S. André in Correio dos Açores


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2 comentários:

Roselia Bezerra disse...

Bom dia, João!
Seus posts são de muita reflexão! Gosto de ler seus postados...
Abraço muito fraterno

Anónimo disse...

Mais do que uma rajada de ar fresco, estou entre os muitos que acreditam que o seu pontificado será marcado por mudanças profundas na igreja, mas não as mudanças por muitos esperadas… A partir daqui todo o discurso é simplesmente desagradável: “Não deveria a vivência católica ser viva, assistir-se a uma melhor participação na Missa, a um aumento das vocações sacerdotais e à vida religiosa, e ao regresso das pessoas que abandonaram a Igreja? O que significa em concreto o “Efeito-Francisco” para a vida da fé da nossa pátria [NT: Alemanha]? De fora não reconheço qualquer mudança. (…) Quanto à vida da fé, e à própria identidade religiosa, não tem quase nenhuma influência. Os dados estatísticos não mentem e mostram que a minha opinião é certa. (desde quando se trabalha sempre para avaliações imediatas?)
Pelo discurso o Mons. Gänswein, até nem parece ser o mais adequado para ser o intermediário entre os dois Papas… Lembrei-me tb agora dum sacerdote numa homilia: “Muitos se preocupam com as igrejas vazias, como vêm ontem as ruas estavam cheias…” E continuou expondo a sua postura para mim, verdadeiramente surpreendente Eu era uma das pessoas que se preocupava com a igreja vazia! Era um erro definitivamente. Na imunidade à intranquilidade da urgência de ver no imediato o que parece ser melhor, está também santidade.