segunda-feira, 20 de julho de 2020

76 anos de mais uma tentativa de matar Hitler com envolvimento da Hierarquia Católica

O atentado falhado contra Hitler

Às 12h daquele 20 de julho de 1944, em Rastemburg, o aristocrata coronel Claus Schenk von Stauffenberg se recolheu em oração uns poucos minutos, antes de entrar na “Toca do lobo” e instalar o explosivo que a faria saltar pelos ares. Mas naquele dia, mais uma vez, Adolf Hitler saiu ileso do encontro com a morte. O golpe de Estado, que talvez pudesse ter poupado a vida de milhões de pessoas e resgatado ao menos a honra da Alemanha, havia fracassado. O resto é história conhecida. Naquela mesma noite, Stauffenberg e os outros militares conjurados são fuzilados.

Envolvimento da Hierarquia Católica no atentado

Mas o que sabia a alta hierarquia eclesiástica sobre o atentado? Os prelados alemães tinham ciência do plano dos conspiradores? E qual foi sua atitude? A Gestapo de Colónia, num relatório enviado a Berlim, destacava “que muitos se admiraram com a ausência de comentários por parte dos bispos” e que “a maior parte do clero lamenta em seu coração que o atentado a Hitler tenha fracassado”. A reserva assumida pela Igreja Católica diante do atentado foi comentada assim por um membro da hierarquia nazi: “É uma postura típica do clero o facto de não haver nem ao menos um sacerdote, inclusive bispo, que tenha encontrado uma palavra de desprezo pelo atentado dos traidores contra o Führer, ou que se tenha alegrado por sua salvação”.

Segundo argumentou amplamente o jesuíta Giovanni Sale, historiador e escritor da Civiltà Cattolica, deve-se considerar que o núncio apostólico junto ao Reich, Cesare Orsenigo, “tenha sido mantido completamente às escuras pelos conjurados quanto aos preparativos do atentado a Hitler de 20 de Julho”. “A dinâmica dos fatos que ele expõe na forma de uma nota informativa enviada à Secretaria de Estado vaticana um ano depois do atentado fracassado”, afirma Sale, “evidencia que a tese que ele sustentava a res­peito era a de um falso complot político” e que ele, de qualquer forma, “no dia seguinte ao atentado aceitava ser boa, como todas as chancelarias europeias, a versão dos factos divulgada por Hitler”.

No entanto, já foi evidenciado que nos anos de 1942-1943 o Vaticano não ignorava totalmente a tentativa de derrubar Hitler. A Santa Sé dispunha de outros canais de informação, por meios dos quais o próprio Pio XII se mantinha em contato com a resistência alemã. E não apenas a partir das notícias secretas trazidas pelo advogado, católico praticante, Josef Müller, “o homem de ligação entre os serviços secretos alemães do Abwehr e o Vaticano”. 

Através de um relatório dos serviços secretos americanos (OSS), datado de 20 de Agosto de 1944, baseado numa conversa do agente H. Stuart Hughes com o jesuíta bávaro Georg Leiber, que havia sido secretário de Pacelli na época da nunciatura na Alemanha e estava em contacto com Pio XII, fica claro que as fontes de informação do jesuíta Leiber se encontravam na dissidência que incluía alguns membros do Círculo de Kreisau, o general Hans Oster, líder da resistência junto à contra-espionagem militar, Hans von Dohnanyi, e também o teólogo protestante Dietrich Bonhoeffer. 

Depois da prisão destes e de Müller, o intermediário entre os dissidentes e o Vaticano passou a ser Hans Bernd Gisevius, delegado do Abwehr na Suíça, o qual, em 20 de Julho, estava entre os conjurados presentes no edifício da Bendlerstrasse no qual Stauffenberg e os outros altos oficiais foram fuzilados. Além disso, não é mistério que o próprio Stauffenberg, católico praticante, era amigo de alguns adeptos do Círculo de Kreisau, de influentes jesuítas e de numerosos prelados alemães.

Nesta altura, a pergunta é se alguns desses prelados encorajou com seu conselho e sua tácita aprovação o atentado contra o ditador; atentado que alguns conjurados consideravam, utilizando categorias conceituais próprias da moral católica, um verdadeiro tiranicídio.

A fonte escrita em que se encontram elementos que provam os contactos e intercâmbios entre os ambientes da dissidência activa tanto civil quanto militar e as altas hierarquias eclesiásticas alemãs é representada pelo diário e pelas cartas do conde Von Moltke, fundador do Círculo de Kreisau.

Pelo diário de Von Moltke, sabemos que alguns bispos de destaque estavam próximos da resistência. No diário, os nomes de dois prelados estão entre os mais decididos adversários do nazismo: Konrad von Preysing, bispo de Berlim, e Clemens August von Galen, bispo de Münster; a estes se acrescentam o bispo de Fulda, Johannes Dietz, presidente da Conferência Episcopal, e o cardeal de Munique, Michael von Faulhaber. 

O bispo Von Preysing figura até na lista dos “participantes ocasionais” das reuniões do Círculo que aconteciam em Berlim, normalmente na casa de Peter Yorck. Von Moltke havia estabelecido relação com o bispo em Setembro de 1941 e, a partir dessa data, os encontros entre os dois tornaram-se frequentes: “A tarde de ontem, com Preysing”, anota Von Moltke no seu diário, “foi muito satisfatória. Pareceu-me que ele também estivesse satisfeito. [...] Logo me convidou a voltar, e é o que farei em intervalos regulares de três semanas”. 

A 13 de Novembro, o conde voltou a ver o bispo. O encontro foi confidencial. O bispo falou-lhe, entre outras coisas, do idoso arcipreste da Catedral, Bernhard Lichtenberg, que havia sido preso sob a acusação de “atitude anti-nazi” por ter rezado ao lado dos judeus, e leu a ele o relatório dos interrogadores que lhe fora expedido naquele mesmo dia pela Gestapo. A relação entre “a alma” do Círculo de Kreisau e o bispo de Berlim, como fica claro por diversas outras passagens do diário, tornou-se intensa.

A 1 de agosto de 1942, Von Moltke escreve: “À noite chegaram de Munique o padre Delp e o padre König, que, passando por Fulda, haviam-se encontrado com o bispo daquela cidade. [...] Creio que entre essas pessoas tenha-se criado a base de confiança necessária para continuar em frente, tanto mais que, o que é ainda mais importante, Delp, que veio sob encargo dos bispos Faulhaber, Preysing e Dietz, transmitiu a Karl Miriendorff e a mim o convite para um encontro...”. Em Janeiro de 1943, von Moltke, de passagem por Munique (onde encontrou os seus amigos jesuítas Rösch, König, Delp e o advogado Josef Müller), teve a oportunidade de encontrar o cardeal Von Faulhaber e o pôs a par dos planos que estavam sendo preparados. “Depois de me ouvir”, anota o conde no seu diário, “o cardeal insistiu em que se estipulasse uma concordata entre o Vaticano e o novo Estado alemão”, que deveria se instaurar no dia seguinte ao golpe de Estado.

É certo, além disso, que pouco antes de 20 de Julho o próprio artífice do atentado, Stauffenberg, havia-se encontrado com o bispo Von Preysing. O prelado, todavia, mesmo depois do fim da guerra, não quis revelar o conteúdo daquela conversa. Nem disse uma palavra a res­peito dos seus contactos directos com os membros da dissidência. Sabemos, todavia, como lembra o jesuíta alemão Peter Gumpel, que o bispo de Berlim estava na mira das investigações levadas a cabo pelo Tribunal do Povo, mas Von Preysing escapou das garras do famigerado Roland Freisler graças à morte deste, acontecida em Fevereiro de 1945 durante um bombardeio aéreo.

Stefania Falasca in 30giorni.it


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