segunda-feira, 16 de março de 2009

O que nos foi dado

A expressão "tempo livre" é impressionantemente infeliz. Se calhar é de mim, mas surge-me sempre a imagem de alguém que agora pode respirar, de que agora pode estar à vontade, de que agora está bem. A acrescentar a isto, existe ainda a estranha mania de falarmos de "tempo livre "sempre precedido de um pronome possessivo. O meu tempo livre, o teu tempo livre, o nosso tempo livre…Talvez seja apenas uma tentativa sobeja de nos mostrarmos poderosos.

Dividimos simetricamente a vida em oficio, cumprimento de regras, em sermos dominados – tempo de trabalho; e lazer, descanso, férias – tempo livre. Ó pobre de ti, que acreditas dominar tudo, acreditas que tens as cartas todas na mão e que ainda não disseste tudo.

O tempo sim, esse é livre! Livre para passar por cima de todos os teus sonhos e todos os teus desejos de calmaria. Livre porque te pode cilindrar, sem deixar rasto da tua memória. Nem o tempo é teu, nem tu mesmo és teu. Repito, nem o tempo é teu, nem tu mesmo és teu. Algo te foi dado, algo de muito precioso, algo de sagrado te foi entregue. Foi-te dado de graça. Não pediste por saúde, família, nem por toda a boa ou má sorte que te tem esperado. Não foste consultado sobre a geografia da terra, sobre o bairro em que cresceste, nem mesmo sobre se querias nascer. Foi-te dada uma herança que te cabe gerir até ao próximo. "O amor que não dou perde-se", dizia Sta Rafaela. Fechar-me sobre mim próprio é ameaça de implosão. A mim compete servir, entregar o que tenho para que se transforme no que sou. Ao tempo compete-lhe apenas passar…

Estive esta semana nas Irmãs da Caridade em Setúbal. Acolhem em sua casa dezasseis crianças sendo quatro delas deficientes profundas. Às irmãs cabe-lhes zelar por elas, sem fazerem grandes perguntas existenciais. Estimam-nas, amam-nas, educam-nas, quer seja Verão, Inverno, tempo de praia ou montanha.

Distam entre em Portugal e a Índia suficientes quilómetros para se tornarem incógnitos um ao outro. Duvido mesmo, que em toda a sua Santidade, Madre Teresa, desconfiasse (se) alguma vez pudesse prever a casa de Setúbal. Duvido também que o sorridente Romão ou o pequeno Zidane alguma vez saibam da vida daquela simples mulher.

Somos então afrontados pela pergunta: Dás o que te sobra ou dás-te, ainda que não sobre?

Manuel Vilhena


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7 comentários:

Anónimo disse...

A pedido de muitas famílias... Gostei do texto, João Amado.

Domingueira disse...

É querido, mas...

João Silveira disse...

ahaha, gostei do nome joão amado

identifico-me bastante com este texto, tudo é dom! Para ser honesto tenho que estar agradecido por tudo o que me foi dado, porque é um facto que tudo me foi dado.

Domingueira disse...

Estás a tentar justificar o teu dia-a-dia?

João Silveira disse...

Nope, justificações dou-as a Nosso Senhor na pessoa do meu director espiritual, e darei definitavemente ao Próprio no dia em que for desta pa melhor. E tu?

Domingueira disse...

Não tenho de dar justificações a ninguém.

Essa tua sub-serviência ao teu director espiritual...

João Silveira disse...

Prefiro ser obediente a alguém que sabe mais do que eu, do que escravo das minhas vontades