Existe hoje um problema que atinge as fundações da sociedade em que
vivemos que cresce de forma quase irrevogável, como uma espécie de
tumor, e que muito em breve destruirá um dos mais importantes pilares da
nossa essência colectiva: falta de fertilidade.
No mundo de hoje há cada vez menos tempo, espaço e, principalmente,
vontade de criar o novo. De construir sentidos para a vida. Consomem-se
de forma capitalista os poucos sentidos pré--fabricados à disposição. As
pessoas são muito parecidas... cinzentas – cada vez mais do mesmo tom
de cinza –, cor do que já se consumiu, do que se desfez, daquilo que já
não está aqui. A morte não é negra: é cinza.
A degeneração da capacidade criativa do homem de hoje, quando se trata
de construir novos e bons caminhos para a sua vida, afecta a base do que
(não) somos hoje enquanto grupo.
Esta decadência terá começado nos anos 60 do século passado, quando
toda uma geração começou a imaginar um mundo em que ninguém faz nada e
onde tudo é agradável. Este sonho gerou e alimentou a ideia de que a
felicidade nascerá da inércia preguiçosa e infantil de quem quer um
mundo melhor, mas que tudo o que está disposto a fazer por isso é
reclamar... birras à espera do bem bom. Queriam um mundo melhor, mas não
o criaram. Ergueram cartazes e sentaram-se à espera; no tempo que
passou, evadiram-se daqui das mais variadas formas... alienaram-se,
tornaram-se estranhos a este mundo. Diziam que eram sonhadores...
Esta absurdidade alastrou a um ritmo assustador e fará com que, dentro
de poucos anos, não haja quem dê valor a uma obra de arte. A bondade do
único, a singularidade, será vista como uma anormalidade e, enquanto
tal, um crime hediondo contra a massa. Um atentado contra a tirânica
reprodução do igual.
O mundo é hoje como um mar de preguiçosos conformados e orgulhosos das
suas frustrações. Definhando ao estonteante ritmo do zapping entre
canais de várias formas de anúncios que prometem felicidades
instantâneas. Sempre fugas.
A falência do indivíduo, enquanto unidade original e de valor absoluto,
é uma condição do sistema. Os mercados só sabem gerir massas. Um homem
livre é, neste enquadramento, um terrorista. São cada vez menos aqueles
que, contra a esmagadora maioria, se distinguem através da sua
capacidade de dar sentido e significado à vida. Estes criadores não
reprodutores desafiam a multidão com as suas obras subversivas, fogem a
normas e a modas, parecem voar, porque flutuam bem acima do lodo onde os
outros, como mortos, vivem.
No apocalipse do sentido da vida que se pressente há, felizmente, este
pequeno número de homens que não se rendem, poetas da existência: são
aqueles que dão luz e cores ao mundo, que fertilizam a humanidade
através dos seus trabalhos. Vão estendendo a mão a quem respira
podridão, sem muitos sucessos, quase nenhuns... Mas a obra-prima destes
artistas é inspirarem outros a serem absolutamente originais. Longe do
êxodo das gentes para o nada. Afinal, a mais sublime das obras de arte é
a criação de um artista.
Estes fundadores navegam, sem raízes, em pequenos barcos sem âncora,
flutuando neste mar cinzento, entregando-se à missão de garantir que
haverá vida humana depois da morte desta humanidade. Contam apenas com a
sua arte e com a generosidade do senhor dos ventos. Rumo a um futuro
puro, onde cada homem sabe que deve criar o sentido da sua própria vida.
A fim de que cada um de nós seja, nessa altura, uma obra de arte
original. Uma criatura criadora. Uma bondade generosa. Uma fonte de
vida. Uma criação.
Deus ajude e inspire quem Lhe segue o exemplo.
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