O
casamento é, na actualidade, objecto de discussão nos fóruns políticos,
onde se reclama, em nome da liberdade, o direito ao que alguns entendem
como novas formas de matrimónio. Para os que defendem tal equiparação, o
casamento monogâmico, ordenado à procriação e educação dos filhos,
seria apenas um modelo de matrimónio, sendo de admitir outros,
nomeadamente o que institucionalizaria a união afectiva entre duas
pessoas do mesmo sexo, mesmo que, por este motivo, ficasse excluída a priori a eventualidade da geração.
É
razoável que o matrimónio conheça, no ordenamento jurídico positivo,
outros contornos que não os da família tradicional, mas importa não
esquecer que, em termos conceptuais, o casamento é, de per si,
uma instituição que obedece necessariamente a certos requisitos
essenciais. O matrimónio tradicional corresponde a um modelo histórico
de casamento e, como tal, é discutível, mas há certamente alguma coisa
que caracteriza a união esponsal e a distingue de todas as outras
uniões. É essa essência da união matrimonial que se pode designar, com
propriedade, o casamento natural. É portanto necessário identificar o
que é essencial no casamento, por ser natural, e o que no seu regime
jurídico é acidental, por ser meramente histórico ou circunstancial.
Mesmo os
sistemas legais mais modernos não outorgam o estatuto de união
matrimonial às relações existentes entre parentes próximos – como seria o
caso de irmãos, pais e filhos, avós e netos, etc. – não porque ignorem
que entre essas pessoas possa existir um autêntico amor, mas porque
entendem que esse sentimento não é susceptível de constituir um
verdadeiro casamento. É também pacífico admitir que uma união poligâmica
ou poliândrica é inaceitável, não por razões de ordem ideológica ou
confessional, mas porque uma tal associação é contrária à essência do
matrimónio natural. Uma razão análoga é a que obriga à disparidade de
sexos entre os nubentes, não por uma questão religiosa ou cultural, mas
por uma exigência natural que decorre, com necessidade, da própria
essência do pacto nupcial e que, por isso, não é reformável. Com efeito,
o matrimónio natural é a união de um só homem com uma só mulher, em
igualdade de dignidade e diversidade de funções.
A
diferenciação sexual exige-se em função da complementaridade que é
essencial ao casamento, mas também da sua fecundidade, porque o
matrimónio não é dissociável da finalidade procriativa, apenas
realizável quando a união se estabelece entre pessoas de diferente sexo.
O casamento, mais do que amor ou união, é o pacto em virtude do qual a
mulher se capacita para ser mãe, isto é «mater», a palavra latina que, muito significativamente, é a raiz etimológica do termo «matrimónio».
Os
gregos e os romanos, que conheciam e toleravam as uniões de facto entre
pessoas do mesmo sexo, nunca tiveram a veleidade de lhes reconhecer o
estatuto jurídico do casamento: seria absurdo considerar matrimonial a
união homossexual, na medida em que esta, por se estabelecer entre
pessoas do mesmo sexo, não é apta para a geração. Portanto, a aptidão da
união matrimonial para a prole não decorre de uma histórica intromissão
religiosa ou cultural, mas da mesma essência natural do matrimónio.
Seria aberrante, não só juridicamente mas também em termos lógicos,
considerar que dois homens possam constituir um matrimónio.
Aliás, também na linguagem popular, um casal não são dois machos ou duas
fêmeas, mas um de cada, precisamente porque só essa união é prolífica.
Admitir
um direito subjectivo universal ao matrimónio é um contra-senso: se é
verdade que todos os cidadãos têm, em princípio, direito a optar pelo
estado matrimonial, é evidente que o exercício dessa sua faculdade só é
pertinente quando observam os requisitos essenciais do matrimónio.
Qualquer pessoa é livre de comprar ou de doar, mas não pode pretender
comprar sem se obrigar à entrega do preço do bem adquirido, nem querer
doar a troco de uma compensação pecuniária, porque qualquer uma destas
exigências contraria a essência do respectivo contrato, na medida em que
a compra pressupõe sempre uma contra-prestação e a doação é, por
definição, gratuita.
Discuta-se,
se se quiser, o que há de histórico e cultural e até religioso na
configuração jurídica da instituição civil do matrimónio, mas não se
esqueça o que neste instituto é essencial, por ser natural. Admita-se,
no limite, a institucionalização de uma sui generis união de pessoas do mesmo sexo, mas não à custa da perversão da instituição matrimonial.
O
casamento cristão é, talvez, uma modalidade discutível, nomeadamente
numa sociedade que já não se pauta pelos princípios evangélicos e, pelo
contrário, faz questão em se afirmar laica e multicultural. O casamento
tradicional é certamente um modelo respeitável, mas é legítimo que uma
sociedade pós-moderna não se reveja em figurinos de outras eras. Mas o
casamento natural não é mais um tipo de união matrimonial, mas a
essência de todo e qualquer casamento e, por isso, um bem universal que,
como a natureza ambiental, faz parte do património da humanidade.
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