segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O miserabilismo português e Isabel Jonet – Catarina Nicolau Campos

Historicamente, não foi há muito tempo. Nas décadas de 30 e 40 do séc. XX, há 70 anos, por razões várias o povo português obrigou-se a tempos difíceis, que resultaram, entre outras coisas, a racionamento de bens de consumo, nomeadamente de 1ª necessidade.

FILA PARA SENHAS DE RACIONAMENTO,
LISBOA 1943
Racionava-se a quantidade de açúcar por família (apenas algumas colheres por semana), o pão, se branco, era a 120 gr por pessoa, por dia. As batatas, meio quilo por pessoa, por semana. Frutas, nem vê-las e o peixe - "uma sardinha dá para três pessoas".

Quanto à carne, raríssima, limitava-se aos toucinhos (parte menos nobre, mais barata, mas altamente calórica, e por isso, mais compensadora) e as refeições normais seriam batatas com couves, simplesmente. Excluem-se deste esquema, claro está, as famílias mais abastadas, que comeriam cozidos completos todos os dias.

A arraia miúda, essa, de acordo com os autos da época, teve que arranjar outras soluções. Cultivar os legumes e as frutas, criar animais que dessem leite e outros de pequeno porte que permitissem alimento e uma criação relativamente rápida: coelhos, galinhas, etc. Sobreviveram. Nós cá estamos para contar a história, Portugal não se extinguiu.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. O desenvolvimento e o progresso económico e científico permitiram acabar com as elevadas taxas de mortalidade infantil, ajudaram a melhorar as condições de vida das populações, a saúde, alimentação. A esperança média de vida aumentou significativamente, os cuidados médicos avançados e generalizados travaram a proliferação de doenças que outrora dizimavam cidades inteiras.

Saltando no tempo, em '86 entrámos na CEE e também numa era idealista. De repente, o problema não era a falta, mas a fartura. Já não éramos os magrinhos desnutridos da década de 40, mas sim os gordos que não paravam de comer e depressa se estavam a tornar obesos. Uma obesidade mórbida, que conduziu a que os órgãos vitais começassem a falhar. E o que se passou a nível do Estado contaminou-se aos particulares. Também comeram demasiado, estão muito gordos, já não se conseguem mexer e muito lhes custa respirar.

A dra. Isabel Jonet falou à televisão aqui e explicou muito bem o que se passa no nosso país. Se há alguém que percebe de miséria, é a dra. Isabel Jonet. Abdicou de uma carreira brilhante para, há 20 anos, ajudar uma instituição privada de Solidariedade Social que desse de comer a quem tem fome. 

Sim, foi a primeira a reconhecer que havia fome em Portugal, e que ela, enquanto portuguesa, não podia ficar de braços cruzados. Preside ao Banco Alimentar, trabalha em regime de voluntariado, não recebe 1 cêntimo e, desde então, tem sido o porto seguro de muitas famílias portuguesas que verdadeiramente vivem na miséria. Sem dúvida que os cortes dos subsídios, o desemprego e a falta de rendimentos tem sido dramático para as famílias. Porque há contas para pagar, creches, escolas, livros, gasóleo, passes, comida. Mas a maior parte das pessoas que tem surgido nestas manifestações não está nessa situação. A maior parte, repito.

Tal como disse a dra. Isabel Jonet, temos que aprender a viver com menos. Como? Direi num próximo post.
A Geração à Rasca está desempregada, mas computador e internet não faltam em casa, quanto mais não seja para convocar manifestações de desagrado no Facebook. Não faltam a Zon ou a Meo, para poder ver as séries todas, os jogos, as notícias. 

Ou as idas obrigatórias ao Optimus Alive, ao SuperBockSuperRock, ao RiR, ao Sudoeste. O que disse a Presidente do Banco Alimentar foi, pura e simplesmente, a verdade. Mas foi apelidado de "inacreditável".  Pois na minha opinião, inacreditável é a resposta dessa ínclita Geração: um boicote às Campanhas do Banco Alimentar. Pelos vistos não só falta dinheiro, mas também virtudes e alguma noção. É pena.

Somos egoístas, e não reconhecemos o valor do sacrifício. Não sabemos ser optimistas e reconhecer nos momentos de crise, oportunidades. Não queremos saber do impacto que temos na vida dos outros, desde que os interesses pessoais sejam satisfeitos. Ficamos cegos se nos interessa. Queremos destruir e não somos capazes de pegar num tijolo e projectar uma catedral.

Tal como dizia Fernando Pessoa, que tão bem nos conhecia: 
O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada sempre que possível, dos interesses alheios.

Estamos (somos!) mais miseráveis agora, do que quando o pão escasseava.


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1 comentário:

Anónimo disse...

Pois vou pegar mesmo por ali "Tal como disse....temos que aprender.....A Geração à rasca....tem computador etc etc etc" Talvez não saiba mas eu digo-lhe: é que para terem tudo isso e mais automóveis, 4 na família de 4 pessoas, estão a receber do Banco Alimentar, como se necessitados fossem. Tudo o resto que escreveu é só semântica. Posso não concordar com o que a Senhora D. Jonet disse, mas sei que se trata de GENTE BOA e caritativa mas que disse o que podia ter não dito, lá isso é verdade.