quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O Júbilo Imenso do Amante Infinito - Pe. Nuno Serras Pereira

Imenso, Infinito, parecem ser termos grandemente exagerados para falar do amor, talvez desculpáveis por causa de uma paixão que enlouquece aquele que a padece. Não assim, no entanto, se considerarmos que o único Amor Verdadeiro, fonte e origem de qualquer genuíno amor, é Deus, na essencial Comunhão da única Natureza Divina em três Pessoas iguais e distintas entre Si: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Este Amor libérrimo, que Se basta a Si mesmo, quis gratuitamente, portanto, sem necessidade ou precisão alguma da Sua parte, criar-nos para nos fazer participantes dessa felicidade incomparável, desmedida, impensável. Numa centragem soberba e egoísta primordial, instigada pelo Antiamor, o Maligno, dispensámos essa Amigança como se fora um fardo, como se fora uma mesquinhez invejosa que nos impediria de ser plenamente.

Quando o Amor Se fez um de nós, ao ser concebido, por virtude do Espírito de Amor, no seio da Virgem amada e amante do Altíssimo ensinou-nos por palavras a desmesura do Amor que nos mostrou com a Sua vida, a Sua Paixão e Ressurreição.

No capítulo 15 do evangelho segundo S. Lucas o Amor Infinito revela-nos que Ele é exultação eterna de alegria e que esse gaudio pode ser jubilosamente intensificado sempre que um desamor, um inimigo, um egoísta, um traidor, um homicida, um luxurioso, um intrujão, um avarento, enfim, um miserável pecador, se reconhece tal e se abre ao fidelíssimo Amante, que o chama e o espera, tomando o caminho de regresso ao Seu acolhimento amistoso, paterno, caloroso, jubilosamente febril, delirante de alegria, endoidado de contentamentos e de regozijos pelo achamento do amado que estava perdido, pelo ressurgimento do bem-amado, que estando morto volta à Vida.

Para os baptizados (= mergulhados no Amor de Cristo morto e Ressuscitado), este reencontro jucundo com o Amor, que os Criou e Libertou, acontece nos afáveis amplexos e santos ósculos do Ressuscitado, através da confissão sacramental.

A Confissão ou Reconciliação embora tenha as mais das vezes como ponto de partida, da nossa parte, uma necessidade de restauração, de salvamento, de fome desesperada de Amor, de sede prementíssima de Verdade, de reconciliação, de Comunhão, de recuperação da harmonia connosco mesmos, com os outros, com a natureza e com Deus, poderá, no entanto, ser um enorme acto de gratidão, de amor, ao Amor Daquele que muito nos Amou e que nós desistimos de amar. O Amor somente Se alegra como o Amor e unicamente Se ofende do desamor. Quando Jesus Cristo ensina através do Seu Corpo, que é a Igreja, que o pecado é uma ofensa a Deus está a dizer-nos que o Amor Infinito de Deus Se deixa ferir por tudo aquilo, consciente e livremente escolhido, que nos arreda do Amor, da Verdade, e consequentemente da nossa identidade, que nos destrói, que nos impede a felicidade e bem-aventurança eternas e o antegosto dela mesmo, ou através da, na Cruz do nosso caminhar neste mundo.

Aqueles bens que o filho ingrato e esbanjador dissipou não são necessariamente riquezas materiais herdadas, mas sim os talentos recebidos enquanto imagem e semelhança de Deus, e Seu filho adoptivo, pelo baptismo: os dons da natureza, os quais sem a Graça, isto é a Comunhão com Deus, não se sustentam mas, pelo contrário, deperecem e se derrancam – a inteligência, a memória, a vontade, a formusura, a corporeidade, etc., etc. Claro que se poderá argumentar que o Diabo é mais inteligente que todos os crentes juntos mas a verdade é que essa é uma inteligência imbecil, estólida, estúpida, esparvoada, sem entendimento, capaz das maiores artimanhas e astúcias, mas totalmente inábil para a Sabedoria, impossibilitada para o Amor, incapaz de servir na entrega de si mesmo aos outros: é uma escravidão, uma teia cheia de subtilezas e argúcias em que se enreda a si mesmo, rebeldemente encasmurrando-se cegamente, e a todos os seus escravos, na masmorra da sua soberba por toda a eternidade.

Se com alegria, cuja fonte é Deus, queremos dar a Jesus Cristo a enorme alegria de nos Salvar, de recuperarmos a nossa Comunhão de Amor com Ele, teremos então de fazer uma Confissão, ou Reconciliação, bem-feita.

Uma grande vantagem de nos confessarmos a um Padre, como o fazem também os Papas, ou melhor a Jesus Cristo que quer tornar-Se presente no Sacerdote, é a de ser sujeito às mesmas fraquezas que os demais podendo assim compreendê-los melhor. De si, qualquer ser humano é susceptível de cometer qualquer pecado, mesmo que nunca o venha a fazer. S. Junípero, um dos primeiros companheiros de S. Francisco de Assis, sendo posto a ferros por suspeito de querer assassinar um alto aristocrata, como fosse interrogado se intentava fazê-lo respondia com todo sossego: se não fora a Graça de Deus seria capaz disso e de muito pior. E como a questionação prosseguisse sondando intencionalidades de mais patifarias e malvadezas ele sempre respondia tranquilamente a mesma coisa. Valeu-lhe S. Francisco que posto ao facto do caso pressurosamente foi ao seu encontro testemunhando em seu favor. Outros Santos quando sabiam que algum terrível criminoso ia a ser enforcado diziam aos seus companheiros: vamos acompanhar com as nossas orações aquele desgraçado em cujo lugar estaríamos se não fora a Graça de Deus.

Por mais hediondo, abominável e ignóbil que seja qualquer pecado, ou uma multidão infinda deles, perante a Misericórdia Infinita de Deus Amor não passam, como dizia o Santo Cura de Ars, de grãozinhos de areia. Com isto não queria ele apoucar a gravidade do mesmo mas sim proclamar a Omnipotência do Amor Divino, para que a Ele rendidos, arrependidos, nos despojássemos das nossas absurdas defesas, deixando-nos conquistar e transfigurar para nosso bem.

Consideremos agora, ainda que brevemente, as condições para uma confissão como deve ser.

1 – Dar-se conta do mal feito ou do bem que se podia e devia ter realizado e não se levou a cabo. A isto se chama exame de consciência. Não será preciso recordar que pecado não é aquilo que cada um arbitrariamente acha ou decide, mas sim aquilo que vai contra a Lei de Deus (o Seu Amor) e o Evangelho, tal como apresentado pela Doutrina da Igreja.

2 – Desgosto pelo que se fez ou deixou de fazer. Por outras palavras, arrependimento. Não é necessário que esta dor seja sensível. Com isto quer significar-se um perceber a malícia ou fraqueza que levou a cair, um apoucamento da grandeza e dignidade que isso significa, e a infidelidade à Aliança de Amor com o Senhor. O arrependimento por desilusão connosco mesmos ou por temor das penas, ou consequências, eternas que o pecado implica, é imperfeito e chama-se atrição, sendo no entanto suficiente para o perdão. O perfeito, que se alcança por puro amor de Deus, designa-se contrição, sendo que esta nos livra também das consequências temporais do pecado.

3 – Querer mudar, ou regressar ao Amor do Pai. Quer dizer o propósito de emenda, ou seja, a determinação de permanecer no Amor, na casa do Pai, do Amigo. Claro que este objectivo brota de uma confiança na Graça de Deus, com qual, somos chamados a cooperar, e não de uma presunção das nossas próprias forças.

4 – Honestidade e sinceridade connosco mesmos, com o confessor e com Deus. Trata-se aqui da acusação corajosa e verdadeira de todos e cada um dos pecados graves, ou mortais, de que se lembra, ainda não confessados ou mal confessados (sendo de grande proveito confessar também as faltas leves ou veniais). Quem propositadamente (por vergonha ou outro motivo) ocultasse um pecado grave (mortal) não faria uma confissão bem-feita, mas um cometeria sacrilégio, não lhe aproveitando pois a absolvição, antes acrescentando mais um grave pecado. Por isso, quem tiver consciência de uma ou mais confissões mal feitas deverá fazer uma confissão geral, dizendo os pecados das confissões mal feitas e os sacrilégios cometidos. Depois disso experimentará uma grande paz e uma enorme alegria. Quem isto escreve fez uma confissão geral no Sacro Convento de S. Francisco, em Assis, aos 28 anos. O confessor, um sacerdote franciscano, polaco, experimentado, ajudou a desenterrar enormidades tamanhas que o penitente sentiu grandes suores frios e transpiração das mãos, cousa que nunca mais lhe sucedeu, ao recordar a fealdade medonha de seus pecados passados, mas ficou de bem com Deus e inundado da Sua Misericórdia.

S. Francisco de Sales conta que o lobo voraz e predador quando quer devorar uma ovelha, para que o pastor não dê tento, arrebata-a abocanhando-a pelo pescoço para que ela não possa balir, uma vez que de outro modo não a lograria pois seria destroçado à cajadada. Assim, continua o Santo, procede o demónio com as almas que quer perder: incute-lhes um bloqueio para que não confessem todos os pecados ao Pastor, Jesus Cristo no Sacerdote, que as protege e as salva.

Importa muito acrescentar que a confissão bem-feita pede a descrição das circunstâncias para um entendimento adequado da mesma.

Consideremos alguns exemplos:

- Uma pessoa acusa-se de faltar à Missa ao Domingo ou dia Santo de Guarda. Mas faltou uma vez ou 30 vezes ou um número que não consegue contabilizar por terem passados muitos anos? É bem de ver que a culpa é diferente. Ou faltou a esse preceito, acto de amor para com Deus Amor que Se torna presente e Se quer dar em alimento, porque estava de viagem na China e não encontrou nenhuma Igreja: claramente não há pecado algum; ou porque estava a cuidar da mãe doente que não podia ficar sozinha: não é evidentemente um pecado mas um acto de caridade; ou porque ficou a ver na televisão o dancing days ou a casa dos segredos: provavelmente serão dois pecados…

- Alguém confessa, roubei, sem mais. Mas roubou o quê? Um milhão de euros? 20 euros, cinquenta cêntimos? A um milionário ou ao desgraçado de um pobretana? A gravidade, naturalmente varia, podendo mesmo ser leve. Ou furtou para comer, uma vez que não conseguiu honestamente garantir a subsistência de outro modo: não há pecado nenhum, mas sim o exercício do direito à vida, a desfrutar dos bens da Terra que Deus destinou a todos.

- Beltrano se argui de faltar à castidade. Falta saber uma vez, ou um número indeterminado? Por pensamento consentidos, por visionamentos deliberados impróprios, por palavras conscientemente obscenas ou por outros actos livres? Consigo mesmo, ou com outra pessoa, neste caso do mesmo sexo ou de sexo oposto, é casado ou solteiro, tem votos religiosos, ou é sacerdote, ou Bispo? Foi em local Sagrado? Estava embriagado ou consciente? Foi premeditado ou compulsivo? Foi com besta, animal, (não é necessário indicar com que tipo)? Foi com adolescente, ou com criança, ou com bebé? É doente contagioso que possa colocar em grave risco ou mesmo provocar a morte do outro/s? Os actos foram contraceptivos? Recorreu a abortivos precoces? Haverá ainda algumas outras questões que convirá abordar, mas sempre sem entrar em minuciosidades perniciosas à imaginação e serenidade da alma e do corpo.

- Sicrano confessa que abortou. É a mãe? Ou o serial killer que ganha dinheiro à custa da matança? É a avó (e/ou outros) que pressionou intoleravelmente a filha ao abortamento do neto? No caso de ser a mãe, foi contra a vontade do pai da criança que se prestou a todo o apoio ou foi num acto de desespero ou de depressão profunda? Ou foi contra tudo e contra todos, porque sim, ou por colocar em primeiro lugar os estudos, a carreira, enfim, qualquer outro objectivo que por maior que seja é sempre incomparavelmente inferior ao valor sublime e transcendente da vida da pessoa nascitura exterminada? Ou terá sido uma intervenção médica cujo objectivo era salvar a vida da mãe implicando embora a morte indirecta da criança nascitura que, apesar de prevista, não era de modo nenhum procurada ou querida; não se trata então, do ponto de vista moral, de um abortamento.

Muito se poderia dissertar ainda sobre isto, mas creio que estes breves tópicos darão uma ideia do que pretendo transmitir.

5 – Ter Fé, ou seja, Acreditar no Excesso de Amor do Pai, na Infinita Amizade de Jesus Cristo, na Imensa Consolação do Espírito Santo, ou seja na Misericórdia jubilosa de Deus, que mostra que é Omnipotente principalmente quando perdoa.

6 – Aceitar com gratidão e simplicidade o abraço e os festejos do Pai, a Alegria de Jesus, o Regozijo do Espírito Santo. Por outras palavras, acolher a absolvição concedida por Cristo Vivo e Ressuscitado, através do Padre.

7 – Cumprir a penitência dada pelo Sacerdote como preparação para o Banquete da Eucaristia, que não nos serve um vitelo gordo mas sim o Próprio Jesus-Amor-Amizade como iguaria e nutrimento, para em nós estabelecer a Sua morada, de maneira a que antegozemos as delícias do Céu e nos preparemos para o Grande Banquete definitivo e eterno onde todos os contentamentos, ledices, alegrias, deleites, letícias, enlevos, exultações, gáudios, gozos, comprazimentos, regozijos e jucundíssimos júbilos nos satisfarão plena e absolutamente porque Deus será tudo em todos. Foi para essa Glória inexprimível que Ele nos Criou e Redimiu. À honra de Cristo. Ámen.


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