terça-feira, 28 de maio de 2013

Após anos de declínio os fiéis voltam à confissão - Paolo Rodari

Homens, mulheres, sobretudo de 40 e 50 anos, voltam a ajoelhar-se diante de um sacerdote que, como escreveu no séc. XIII o clérigo inglês Tomás de Chobham, "se senta no confessionário como Deus e não como homem".

"Voltam a pedir perdão porque – explica o jesuíta Francesco Occhetta – veem neste sacramento, simplesmente, a ajuda para romper com o passado, para recomeçar tudo, para fazer nova a própria existência".

Não se trata, pois, da mera expiação das culpas. Também, mas não só. Nem apenas de encontrar "uma nova ética" dentro do viver quotidiano. Trata-se, acima de tudo, "de mudar de rumo uma vez por todas". Muitas vezes, diz Occhetta, "os pecados são dores que magoam num nível profundo. Abortos nunca confessados, por exemplo. O sacramento permite recomeçar, ainda que a dor subsista. Mas os pecados são variados. E hoje, como há séculos, trata-se sempre da rejeição do decálogo."

Mons. Gianfranco Girotti, durante anos o número dois da Penitenciaria Apostólica, afirma: "Para além das culpas graves do passado – entre elas as traições, as mentiras que prejudicam outros, os males intencionais com a intenção de ferir e magoar – os fiéis caem principalmente em sete vícios capitais. Desde sempre foi assim: a soberba, a avareza, a luxúria (entra aqui o desejo ou deleite desregrado do prazer e do sexo), a inveja, a gula, a ira e a acédia (que aqui não é a depressão, mas o deixar-se tomar pelo torpor de ânimo ao ponto de sentir fastio pelas coisas espirituais) marcam presença na maioria das confissões de hoje".

Ainda antes da eleição de Jorge Mário Bergoglio para a sede de Pedro, as igrejas italianas registavam um aumento de pessoas a pedir confissão, em cerca de vinte por cento. Números exactos não há, porque as dioceses não têm esse dado.

No passado mês de Fevereiro, a revista Civiltà Cattolica - a histórica revista italiana dos jesuítas – fechava uma das suas edições com um artigo intitulado "O regresso da confissão". O ponto era o aumento dos penitentes nas principais basílicas romanas e também nos santuários italianos. Um aumento vinculado ao último ano, verificável a olho nu pela simples contagem do número de horas que os confessores tiveram de ficar dentro dos confessionários.

"A crise económica é antes de mais crise de valores", explicam os jesuítas da Igreja del Gesù, no centro de Roma. "Vivemos numa sociedade em que falta a figura do pai. Nos últimos meses o sofrimento causado por este vazio agravou-se inexoravelmente. E os nossos confessionários voltaram a encher-se. Detrás deste fenómeno está uma nova procura de espiritualidade. A procura adensa-se até vencer as resistências e tornar-se um pedido de resposta". "Point break" diriam os surfistas. "O ponto de rotura de uma alma que procura Deus", define o padre Occhetta.

Diz S. Gregorio de Narek, poeta, monge, teólogo e filósofo místico armeno que "mesmo na mais escura cisterna, brilha uma pequena chama. Querida por Deus". É esta chama que empurra a sair de casa e entrar num confessionário. Mas para dizer o quê? Quais os pecados recorrentes? A resposta não é simples. Há dias o Papa Francisco lembrou que o confessionário "não é uma lavandaria". Muitos, evidentemente, usam-na assim. Um lugar para lavar as culpas pessoais, indicando um após outro quais dos dez mandamentos foram desrespeitados. "Muitas vezes – diz Bergoglio – pensamos que ir confessar-se é como ir à lavandaria para limpar a sujidade da nossa roupa. Mas Jesus no confessionário não é uma lavandaria. Confessar-se é um encontro com Jesus, mas este Jesus que nos espera, mas nos espera tal como somos".

Nem todos pensam que confessar-se é como lavar a roupa numa máquina de lavar que funciona a moedas. Existe, com efeito, uma tendência oposta: a confissão como se fosse uma marquesa de psicanálise. Escreveu muito sobre isso, há uns anos, o monsenhor Mario Canciani, ao tempo confessor de Giulio Andreotti, explicando que os penitentes falam sobretudo de "stress, impaciência e depressão". Diz: "quase que tenho de lhes pedir desculpa. Não se dão conta que essas coisas não são pecados".

Ainda é Girotti que explica que "cada vez mais o confessionário é usado como lugar para falar de si mesmo, dos problemas pessoais, um pouco como se fosse uma sessão de psicanálise. Mas fora estes casos, e fora dos casos daqueles que confessam os pecados que poderíamos chamar impropriamente "clássicos", noto que se ofende Deus também por outras vias, por exemplo, com acções de poluição social, destruindo o meio ambiente, realizando experiências científicas moralmente discutíveis. Já para não falar da esfera da ética pública, onde também entram em jogo onde novos pecados como a fraude fiscal, a evasão fiscal, a corrupção".

Mas qual é o pecado mais confessado? Girotti não tem dúvidas: "sempre ele, o pecado contra o sexto mandamento: não cometer actos impuros. A esfera sexual parecer ser a mais difícil de domar, ou talvez fira a consciência mais do que as outras ofensas". Acrescenta ainda Canciani: "em todo o caso, o pecado mais desvalorizado é o relativo ao sexto mandamento. É um pecado que se refere à vida privada das pessoas. Neste campo, infelizmente, nota-se um desfasamento entre aquilo que a Igreja ensina e a desordem em que vivem muitas pessoas. Refiro-me não só à esfera sexual, mas também aos divorciados ou a situações familiares complexas. A Igreja deve, porém, acolher todos com amor".

Recentemente o Centro de Estudos sobre as Novas Religiões (CESNUR) publicou uma investigação sobre o sacramento da penitência no seguimento da eleição do Papa Francisco. A insistência do Papa sobre a palavra "misericórdia" empurrou muitos a voltar a confessar-se, na linha da tendência prévia ao conclave. Entre estes, diz a investigação, muitos casais, "irregulares" para a Igreja, que alentados pelo "fogo" de Bergoglio se decidiram por um novo caminho.

Aumentam os penitentes, mas diminuem os confessores. A crise de vocações sacerdotais ameaça fazer com que Igreja não saiba responder à procura.

Assim, nalgumas dioceses, há quem esboce novas soluções. Uma delas, muito discutida mas prevista no cânone 961 do código de direito canónico, é a absolvição a vários penitentes ao mesmo tempo sem a prévia confissão individual. O código diz que é uma absolvição que não pode ser dada se não houver um iminente perigo de morte e se o sacerdote ou os sacerdotes ainda tiverem tempo para ouvir as confissões dos penitentes individualmente.

Em suma, só pode ser dada quando "haja necessidade grave, isto é, quando, dado o número de penitentes, não houver sacerdotes suficientes para, dentro de tempo razoável, ouvirem devidamente as confissões de cada um". A prática comunitária nasce na Bélgica, em 1947-48, numa comunidade paroquial operária. Durante a missa os fiéis, a convite do sacerdote, recordavam os seus pecados, arrependiam-se e eram absolvidos colectivamente. Depois o Concílio Vaticano II reequilibrou a tendência, insistindo que a confissão auricular permanece o único caminho para a remissão dos pecados graves. Mas entretanto o regresso à confissão individual por parte de muitos fiéis deixa em segundo planos essas outras quesílias. 

Também porque, como escreve Civiltà Cattolica, aqueles que voltam a confessar-se fazem-no depois de ter dialogado "com a própria consciência". Diz a revista: "assiste-se a um regresso silencioso mas significativo à confissão por parte da geração dos 40 e 50 anos, que voltam a dar valor ao sacramento, às vezes após muitos anos de afastamento. Aqueles que voltam a confessar-se dizem fazê-lo depois de ter relido o Evangelho, dialogado com a voz da própria consciência, encontrado testemunhas crentes e credíveis".


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