Homens, mulheres, sobretudo de 40 e 50 anos, voltam a ajoelhar-se
diante de um sacerdote que, como escreveu no séc. XIII o clérigo inglês Tomás
de Chobham, "se senta no confessionário como Deus e não como homem".
"Voltam a pedir perdão porque – explica o jesuíta Francesco
Occhetta – veem neste sacramento, simplesmente, a ajuda para romper com o
passado, para recomeçar tudo, para fazer nova a própria existência".
Não se trata, pois, da mera expiação das culpas. Também, mas não só.
Nem apenas de encontrar "uma nova ética" dentro do viver quotidiano.
Trata-se, acima de tudo, "de mudar de rumo uma vez por todas". Muitas
vezes, diz Occhetta, "os pecados são dores que magoam num nível profundo.
Abortos nunca confessados, por exemplo. O sacramento permite recomeçar, ainda
que a dor subsista. Mas os pecados são variados. E hoje, como há séculos,
trata-se sempre da rejeição do decálogo."
Mons. Gianfranco Girotti, durante anos o número dois da Penitenciaria
Apostólica, afirma: "Para além das culpas graves do passado – entre elas
as traições, as mentiras que prejudicam outros, os males intencionais com a
intenção de ferir e magoar – os fiéis caem principalmente em sete vícios
capitais. Desde sempre foi assim: a soberba, a avareza, a luxúria (entra aqui o
desejo ou deleite desregrado do prazer e do sexo), a inveja, a gula, a ira e a
acédia (que aqui não é a depressão, mas o deixar-se tomar pelo torpor de ânimo
ao ponto de sentir fastio pelas coisas espirituais) marcam presença na maioria
das confissões de hoje".
Ainda antes da eleição de Jorge Mário Bergoglio para a sede de Pedro,
as igrejas italianas registavam um aumento de pessoas a pedir confissão, em
cerca de vinte por cento. Números exactos não há, porque as dioceses não têm
esse dado.
No passado mês de Fevereiro, a revista Civiltà Cattolica - a histórica
revista italiana dos jesuítas – fechava uma das suas edições com um artigo
intitulado "O regresso da confissão". O ponto era o aumento dos
penitentes nas principais basílicas romanas e também nos santuários italianos.
Um aumento vinculado ao último ano, verificável a olho nu pela simples contagem
do número de horas que os confessores tiveram de ficar dentro dos
confessionários.
"A crise económica é antes de mais crise de valores",
explicam os jesuítas da Igreja del Gesù, no centro de Roma. "Vivemos numa
sociedade em que falta a figura do pai. Nos últimos meses o sofrimento causado
por este vazio agravou-se inexoravelmente. E os nossos confessionários voltaram
a encher-se. Detrás deste fenómeno está uma nova procura de espiritualidade. A
procura adensa-se até vencer as resistências e tornar-se um pedido de resposta".
"Point break" diriam os surfistas. "O ponto de rotura de uma
alma que procura Deus", define o padre Occhetta.
Diz S. Gregorio de Narek, poeta, monge, teólogo e filósofo místico
armeno que "mesmo na mais escura cisterna, brilha uma pequena chama.
Querida por Deus". É esta chama que empurra a sair de casa e entrar num
confessionário. Mas para dizer o quê? Quais os pecados recorrentes? A resposta
não é simples. Há dias o Papa Francisco lembrou que o confessionário "não
é uma lavandaria". Muitos, evidentemente, usam-na assim. Um lugar para
lavar as culpas pessoais, indicando um após outro quais dos dez mandamentos
foram desrespeitados. "Muitas vezes – diz Bergoglio – pensamos que ir
confessar-se é como ir à lavandaria para limpar a sujidade da nossa roupa. Mas
Jesus no confessionário não é uma lavandaria. Confessar-se é um encontro com
Jesus, mas este Jesus que nos espera, mas nos espera tal como somos".
Nem todos pensam que confessar-se é como lavar a roupa numa máquina de
lavar que funciona a moedas. Existe, com efeito, uma tendência oposta: a
confissão como se fosse uma marquesa de psicanálise. Escreveu muito sobre isso,
há uns anos, o monsenhor Mario Canciani, ao tempo confessor de Giulio
Andreotti, explicando que os penitentes falam sobretudo de "stress,
impaciência e depressão". Diz: "quase que tenho de lhes pedir
desculpa. Não se dão conta que essas coisas não são pecados".
Ainda é Girotti que explica que "cada vez mais o confessionário é
usado como lugar para falar de si mesmo, dos problemas pessoais, um pouco como
se fosse uma sessão de psicanálise. Mas fora estes casos, e fora dos casos daqueles
que confessam os pecados que poderíamos chamar impropriamente
"clássicos", noto que se ofende Deus também por outras vias, por
exemplo, com acções de poluição social, destruindo o meio ambiente, realizando
experiências científicas moralmente discutíveis. Já para não falar da esfera da
ética pública, onde também entram em jogo onde novos pecados como a fraude
fiscal, a evasão fiscal, a corrupção".
Mas qual é o pecado mais confessado? Girotti não tem dúvidas:
"sempre ele, o pecado contra o sexto mandamento: não cometer actos
impuros. A esfera sexual parecer ser a mais difícil de domar, ou talvez fira a
consciência mais do que as outras ofensas". Acrescenta ainda Canciani:
"em todo o caso, o pecado mais desvalorizado é o relativo ao sexto mandamento.
É um pecado que se refere à vida privada das pessoas. Neste campo,
infelizmente, nota-se um desfasamento entre aquilo que a Igreja ensina e a
desordem em que vivem muitas pessoas. Refiro-me não só à esfera sexual, mas
também aos divorciados ou a situações familiares complexas. A Igreja deve,
porém, acolher todos com amor".
Recentemente o Centro de Estudos sobre as Novas Religiões (CESNUR)
publicou uma investigação sobre o sacramento da penitência no seguimento da
eleição do Papa Francisco. A insistência do Papa sobre a palavra
"misericórdia" empurrou muitos a voltar a confessar-se, na linha da
tendência prévia ao conclave. Entre estes, diz a investigação, muitos casais,
"irregulares" para a Igreja, que alentados pelo "fogo" de
Bergoglio se decidiram por um novo caminho.
Aumentam os penitentes, mas diminuem os confessores. A crise de
vocações sacerdotais ameaça fazer com que Igreja não saiba responder à procura.
Assim, nalgumas dioceses, há quem esboce novas soluções. Uma delas,
muito discutida mas prevista no cânone 961 do código de direito canónico, é a
absolvição a vários penitentes ao mesmo tempo sem a prévia confissão
individual. O código diz que é uma absolvição que não pode ser dada se não
houver um iminente perigo de morte e se o sacerdote ou os sacerdotes ainda
tiverem tempo para ouvir as confissões dos penitentes individualmente.
Em suma, só pode ser dada quando "haja necessidade grave, isto é,
quando, dado o número de penitentes, não houver sacerdotes suficientes para,
dentro de tempo razoável, ouvirem devidamente as confissões de cada um". A
prática comunitária nasce na Bélgica, em 1947-48, numa comunidade paroquial
operária. Durante a missa os fiéis, a convite do sacerdote, recordavam os seus
pecados, arrependiam-se e eram absolvidos colectivamente. Depois o Concílio
Vaticano II reequilibrou a tendência, insistindo que a confissão auricular permanece
o único caminho para a remissão dos pecados graves. Mas entretanto o regresso à
confissão individual por parte de muitos fiéis deixa em segundo planos essas
outras quesílias.
Também porque, como escreve Civiltà Cattolica, aqueles que voltam a confessar-se fazem-no depois de ter dialogado "com a própria consciência". Diz a revista: "assiste-se a um regresso silencioso mas significativo à confissão por parte da geração dos 40 e 50 anos, que voltam a dar valor ao sacramento, às vezes após muitos anos de afastamento. Aqueles que voltam a confessar-se dizem fazê-lo depois de ter relido o Evangelho, dialogado com a voz da própria consciência, encontrado testemunhas crentes e credíveis".
Também porque, como escreve Civiltà Cattolica, aqueles que voltam a confessar-se fazem-no depois de ter dialogado "com a própria consciência". Diz a revista: "assiste-se a um regresso silencioso mas significativo à confissão por parte da geração dos 40 e 50 anos, que voltam a dar valor ao sacramento, às vezes após muitos anos de afastamento. Aqueles que voltam a confessar-se dizem fazê-lo depois de ter relido o Evangelho, dialogado com a voz da própria consciência, encontrado testemunhas crentes e credíveis".
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