sábado, 5 de dezembro de 2020

A Superstição do Divórcio - Chesterton

Se o divórcio for uma doença, já não é uma doença chique, como a apendicite, mas uma epidemia, como o sarampo. Já vimos que os jornais e os homens públicos, hoje em dia, fazem uma tremenda algazarra ao proclamar a necessidade de ajudar os pobres a obter um divórcio. Mas por que tanto ansiariam eles pela liberdade do pobre se divorciar, e nem um pouco por que ele tenha qualquer outra liberdade? Por que as mesmas pessoas ficam felizes, à beira das gargalhadas, quando ele se divorcia, e horrorizadas quando ele bebe uma cerveja? 

O que o pobre faz com seu dinheiro, o que acontece com seus filhos, onde ele trabalha, quando ele sai do serviço, tudo isso está cada vez menos sob o controle dele. Bancos de Empregos, Carteiras de Trabalho, Seguros-Desemprego e centenas de outras formas de supervisão e inspecção policial foram combinadas, para o bem ou para o mal, para fixá-lo cada vez mais estritamente num determinado lugar na sociedade.

Cada vez menos lhe é permitido procurar outro serviço; por que carga d’água se lhe quer permitir que procure outra mulher?! Ele está cada vez mais constrito a obedecer a uma espécie de lei muçulmana que proíbe a bebida; porquê facilitar que ele abandone a velha lei cristã sobre o sexo?! Qual é o sentido desta imunidade misteriosa, desta permissão especial para o adultério? Por que razão a única alegria que ainda lhe está aberta deveria ser fugir com a mulher do vizinho?! Por que razão ele deveria amar como lhe der na telha, se não pode viver como lhe dá na telha?! 

A resposta, lamento dizê-lo, é que esta campanha social, na maioria senão em todos os seus proponentes mais proeminentes, baseia-se, neste tema, num interesse particular do tipo mais hipócrita e pestilento. Há defensores da democratização do divórcio que são realmente defensores da liberdade democrática em geral. Estes, contudo, são a excepção. Mais ainda: eu diria, com todo o respeito, que são fantoches.

A omnipresença do assunto na imprensa e na sociedade política é devida a um motivo diametralmente oposto ao que é abertamente professado. Os governantes modernos, que são simplesmente os ricos, mudam muito pouco na sua atitude em relação aos pobres. É o mesmo espírito que arranca deles os filhos com o pretexto da ordem e quer arrancar-lhes a esposa com o pretexto da liberdade. Quem deseja, como diz a letra da música satírica, “destruir o lar feliz”, procura, antes de tudo, não destruir a fábrica, que não é nada feliz.

O capitalismo, é claro, está em guerra contra a família, pela mesma razão que o levou à guerra contra o sindicato. Este é, realmente, o único sentido em que o capitalismo está ligado ao individualismo; o capitalismo acredita no colectivismo para ele mesmo e no individualismo para os seus inimigos. Ele quer que as suas vítimas sejam indivíduos, ou, em outras palavras, quer atomizá-los. A palavra “átomo”, no seu sentido mais claro (que não é nem um pouco evidente) pode ser traduzida como “indivíduo”. 

Se restar alguma ligação ou fraternidade, se houver qualquer lealdade de classe ou disciplina doméstica pela qual o pobre possa ajudar o outro pobre, estes emancipadores farão o que puder para afrouxar este laço ou destruir esta disciplina da maneira mais liberal possível. Se houver tal fraternidade, estes individualistas vão redistribuí-la na forma de indivíduos; ou, em outras palavras, atomizá-la, reduzi-la a átomos.

Os mestres da plutocracia moderna sabem o que estão a fazer. Eles não estão a cometer qualquer engano. Eles podem ser absolvidos de qualquer acusação de incoerência. Um instincto preciso e muito profundo levou-os a determinar que o lar humano é o obstáculo maior diante do seu progresso desumano. Sem a família não há recurso diante do Estado, que em nosso caso, na modernidade, é o Estado Servil. Para usar uma metáfora militar, a família é a única formação em que o ataque dos ricos pode ser debelado. É uma força que forma casais como os soldados formam esquadras e que, em todos os países agrários, guardou a casa ou o sítio como a infantaria guardou sua trincheira contra a cavalaria. 

Como esta força o opera, e o seu porquê, tentaremos explicar no último destes artigos. Mas é quando ela está prestes a ser destroçada pelos cavaleiros do orgulho e do privilégio, como na Polónia ou na Irlanda, quando a batalha se torna mais desesperada e a esperança é mais obscura, que os homens começam a entender por que este voto selvagem, no seu início, já era mais forte que todas as lealdades deste mundo; e o que pareceria fugaz como uma aparição é tornado permanente, na forma de um voto.

G.K.Chesterton no livro 'A Superstição do Divórcio' 


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2 comentários:

Maria José Martins disse...

Se já na sua Época, este Filósofo apelidava de epidemia a banalização do divórcio, hoje, se lhe fosse possível ver, em que se transformou o Casamento, "daria voltas no túmulo!"
Até mesmo o MATRIMÓNIO, aquele que é considerado INDISSOLÚVEL, pois, é CELEBRADO POR DEUS e, por isso, um Sacramento. E que, porque NOS CONHECE MUITO BEM, O quis preservar de qualquer tipo de situação menos boa, em prol da família, ao ponto de nos dizer radicalmente: "Todo o homem, que deixar sua mulher e casar com outra, COMETE ADULTÉRIO, e toda a mulher rejeitada, se casar com outro, COMETE ADULTÉRIO!"
Daí, não entender esta PANDEMIA MODERNA de divórcios, ACEITES NA COMUNHÃO SACRAMENTAL DA IGREJA! E, pior, a vulgarização das NULIDADES que, a meu ver, só MUDAM o nome às coisas, pois, expõem de igual modo os cônjuges e os filhos-- se os houver-- aos mesmos perigos.

Vera disse...

Concordo plenamente com você Maria José! Vivamos como a família de Nazaré! Família de exemplo para todos nós! “Jesus Maria e Jose, minha família vossa é!”