No dia 13 de Junho a
televisão deu uma longa entrevista do Papa Francisco ao português Henrique
Cymerman. Em todo o mundo, não foram poucos os jornais, revistas e televisões
que revindicaram o título de «entrevista exclusiva». Como todos eles publicam as
crónicas que Cymerman escreve do Médio Oriente, todos lhe chamaram jornalista
da casa. Esta multiplicação dos «exclusivos» fez-me lembrar a multiplicação dos
bebés, os «nenes», como lhes chama o Papa na entrevista.
A entrevista está
disponível aqui. Dura quase uma hora, mas nem se dá pela passagem do tempo.
A certa altura, a
propósito das campanhas contra Pio XII, o Papa diz que, durante a perseguição
aos judeus, nasceram 42 bebés na cama do Papa, em Castel Gandolfo. O casarão de
Castel Gandolfo não é assim tão grande, mas a Igreja mobilizou todos os locais
possíveis para esconder os judeus perseguidos. Recantos de igrejas, conventos
de clausura, edifícios da Santa Sé, todos os esconderijos se encheram, para
além do razoável, incluindo o quarto do Papa. Não foram só algumas dezenas de
milhares de judeus que viveram escondidos. Foi uma multidão impressionante,
mesmo nas barbas dos nazis, que na época ocupavam a Itália. Em Castel Gandolfo,
o quarto do Papa, como zona mais reservada da casa, acolhia os casos especiais
e assim nasceram 42 bebés na cama de Pio XII.
O Papa Francisco recordou
os muitos gestos de gratidão dos judeus, por Pio XII ter salvo tanta gente; e as
declarações de Golda Meir (Ministra de Israel) quando Pio XII morreu. Como não
podia deixar de ser. E, de repente...
Vale a pena
recordar. Foi no dia 20 de Fevereiro
de 1963 que um jovem, praticamente desconhecido, chamado Rolf Hochnuth, levou à
cena «Der Stellvertreter» (em português «O Vigário»), num teatro de Berlim
Ocidental. Num tempo recorde, a peça foi traduzida em 25 línguas, representada
em teatros de todos os continentes, citada nos jornais quase como se fosse um
documento histórico e transportada para o cinema. A mensagem era simples: Pio
XII assobiava para o lado, enquanto os nazis matavam os judeus.
Paulo VI, que tinha sido
um dos colaboradores mais próximos de Pio XII no tempo da guerra, protestou energicamente,
e repetidas vezes, contra aquela mentira. Fizeram-se investigações históricas.
Muitíssimos judeus publicaram testemunhos de primeira mão, alguns comoventes. O
«L'Osservatore Romano» publicou 80 histórias pessoais que, ao contrário da
peça, eram perfeitamente reais e assinadas pelos próprios. Não serviu de nada.
A ficção foi mais forte que a verdade.
Reli há dias o livro
autobiográfico de Israel Zolli, Rabino-Chefe durante várias décadas. Quantas
peripécias! Incluindo obviamente as angústias da perseguição. Mas o mais
interessante é o relato da conversão. Ele e a mulher foram baptizados e ele
ficou com o nome de Eugenio Zolli, em recordação do bem que Eugenio Pacelli
(mais conhecido como Pio XII) tinha feito aos judeus. Atacaram-no forte e feio:
Um judeu deve ser sempre um judeu! Claro ‒ defendia-se Zolli ‒, mas Cristo era
judeu, e os doze apóstolos eram judeus!... Zolli era professor universitário e
um especialista mundial em hebraico e Sagrada Escritura. Mas nem valia a pena
ouvir! A ficção conseguia falar mais forte que a verdade.
Bem, não completamente.
Durante 50 anos, a ficção foi mais forte que a verdade, mas só durante 50 anos.
O horizonte está a mudar.
Há dias, um judeu
português, filho de um judeu polaco fugido do Holocausto e de uma mãe judia
sefardita, entrevistou o Papa Francisco, em «exclusivo» para todo o mundo.
José Maria C. S. André in «Correio dos Açores», 22-VI-2014
‒ A selecção que o Papa
apoia?
‒ «Os brasileiros
pediram-me neutralidade! E vou cumprir a minha palavra!».
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