quinta-feira, 21 de maio de 2015

Discurso do Papa Bento XVI aos Artistas na Capela Sistina

Queridos amigos, deixemos que estes afrescos hoje nos falem, atraindo-nos para a meta última da história humana. O Juízo Final, que sobressai atrás de mim, recorda que a história da humanidade é movimento e elevação, é inesgotável tensão para a plenitude, para a felicidade última, para um horizonte que excede sempre o presente enquanto o atravessa. Mas na sua dramaticidade este afresco coloca diante dos nossos olhos também o perigo da queda definitiva do homem, ameaça que domina a humanidade quando se deixa seduzir pelas forças do mal. Por isso, o afresco lança um forte grito profético contra o mal; contra qualquer forma de injustiça. Mas para os crentes Cristo ressuscitado é o Caminho, a Verdade e a Vida. Para quem o segue fielmente é a Porta que introduz naquele "face a face", naquela visão de Deus da qual brota já sem limites a felicidade plena e definitiva. Michelangelo oferece assim à nossa visão o Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim da história, e convida-nos a percorrer com alegria, coragem e esperança o itinerário da vida. A dramática beleza da pintura de Michelangelo, com as suas cores e formas, torna-se portanto anúncio de esperança, convite poderoso a elevar o olhar rumo ao horizonte último. (...)

Infelizmente, o momento actual está marcado não só por fenómenos negativos a nível social e económico, mas também por um esmorecimento da esperança, por uma certa desconfiança nas relações humanas, e por isso crescem os sinais de resignação, agressividade e desespero. Depois, o mundo no qual vivemos corre o risco de mudar o seu rosto devido à obra nem sempre sábia do homem o qual, em vez de cultivar a sua beleza, explora sem consciência os recursos do planeta para vantagem de poucos e não raramente desfigura as suas maravilhas naturais. O que pode voltar a dar entusiasmo e confiança, o que pode encorajar o ânimo humano a reencontrar o caminho, a elevar o olhar para o horizonte, a sonhar uma vida digna da sua vocação, a não ser a beleza? 

Vós bem sabeis, queridos artistas, que a experiência do belo, do belo autêntico, não efémero nem superficial, não é algo acessório ou secundário na busca do sentido e da felicidade, porque esta experiência não afasta da realidade, mas, ao contrário, leva a um confronto cerrado com a vida quotidiana, para o libertar da obscuridade e o transfigurar, para o tornar luminoso, belo.

De facto, uma função essencial da verdadeira beleza, já evidenciada por Platão, consiste em comunicar ao homem um "sobressalto" saudável, que o faz sair de si mesmo, o arranca à resignação ao conformar-se com o quotidiano, fá-lo também sofrer, como uma seta que o fere, mas precisamente desta forma o "desperta" abrindo-lhe de novo os olhos do coração e da mente, pondo-lhe asas, elevando-o. 

A expressão de Dostoievsky que estou para citar é sem dúvida ousada e paradoxal, mas convida a reflectir: "A humanidade pode viver – diz ele – sem a ciência, pode viver sem pão, mas unicamente sem a beleza já não poderia viver, porque nada mais haveria para fazer no mundo. Qualquer segredo consiste nisto, toda a história consiste nisto". Faz-lhe eco o pintor Georges Braque: "A arte existe para perturbar, enquanto a ciência tranquiliza". A beleza chama a atenção, mas precisamente assim recorda ao homem o seu destino último, volta a pô-lo em marcha, enche-o de nova esperança, dá-lhe a coragem de viver até ao fim o dom único da existência. A busca da beleza da qual falo, evidentemente, não consiste em fuga alguma no irracional ou no mero esteticismo.

Mas, com muita frequência, a beleza propagada é ilusória e falsa, superficial e sedutora até ao aturdimento e, em vez de fazer sair os homens de si e de os abrir a horizontes de verdadeira liberdade atraindo-os para o alto, aprisiona-os em si mesmos e torna-os ainda mais escravos, privados de esperança e de alegria. Trata-se de uma beleza sedutora mas hipócrita, que desperta a cupidez, a vontade de poder, de posse, de prepotência sobre o outro e que se transforma, muito depressa, no seu contrário, assumindo o rosto do obsceno, da transgressão ou da provocação gratuita. 

Ao contrário, a autêntica beleza abre o coração humano à nostalgia, ao desejo profundo de conhecer, de amar, de ir para o Alto, para o Além de si. Se aceitamos que a beleza nos toque intimamente, nos fira, nos abra os olhos, então redescobrimos a alegria da visão, da capacidade de colher o sentido profundo do nosso existir, o Mistério do qual somos parte e do qual podemos haurir a plenitude, a felicidade, a paixão do compromisso quotidiano. João Paulo II, na Carta aos Artistas, cita, a este propósito, este verso de um poeta polaco, Cyprian Norwid: "A beleza serve para entusiasmar para o trabalho, / o trabalho serve para ressurgir" (n. 3). E mais adiante acrescenta: "Enquanto busca da beleza, fruto de uma imaginação que vai além do quotidiano, a arte é, por sua natureza, uma espécie de apelo ao Mistério. Enquanto perscruta as profundezas mais obscuras da alma ou os aspectos mais perturbadores do mal, o artista torna-se de certa forma voz da expectativa universal de redenção" (n. 10). E na conclusão afirma: "A beleza é chave do mistério e apelo ao transcendente" (n. 16).

Estas últimas expressões levam-nos a dar um passo em frente na nossa reflexão. A beleza que se manifesta na criação e na natureza e que se expressa através das criações artísticas, precisamente pela sua característica de abrir e alargar os horizontes da consciência humana, de remetê-la para além de si mesma, de aproximá-la ao abismo do Infinito, pode tornar-se um caminho para o Transcendente, para o Mistério último, para Deus. 

A arte, em todas as suas expressões, no momento em que se confronta com as grandes interrogações da existência, com os temas fundamentais dos quais deriva o sentido do viver, pode assumir um valor religioso e transformar-se num percurso de profunda reflexão interior e de espiritualidade. Esta afinidade, esta sintonia entre percurso de fé e itinerário artístico, confirma-a um número incalculável de obras de arte que têm como protagonistas as personagens, as histórias, os símbolos daquele imenso depósito de "figuras" – em sentido lato – que é a Bíblia, a Sagrada Escritura. As grandes narrações bíblicas, os temas, as imagens, as parábolas inspiraram numerosas obras-primas em todos os sectores das artes, assim como falaram ao coração de cada geração de crentes mediante as obras do artesanato e da arte local, não menos eloquentes e envolvedoras. (...)

Queridos Artistas, encaminhando-me para a conclusão, gostaria de vos dirigir também eu, como já fez o meu Predecessor, um cordial, amistoso e apaixonado apelo. Vós sois guardiães da beleza; vós tendes, graças ao vosso talento, a possibilidade de falar ao coração da humanidade, de tocar a sensibilidade individual e colectiva, de suscitar sonhos e esperanças, de ampliar os horizontes do conhecimento e do empenho humano. Sede portanto gratos pelos dons recebidos e plenamente conscientes da grande responsabilidade de comunicar a beleza, de fazer comunicar na beleza e através da beleza! Sede também vós, através da vossa arte, anunciadores e testemunhas de esperança para a humanidade! E não tenhais medo de vos confrontar com a fonte primeira e última da beleza, de dialogar com os crentes, com quem, como vós, se sente peregrino no mundo e na história rumo à Beleza infinita! A fé nada tira ao vosso génio, à vossa arte, aliás exalta-os e alimenta-os, encoraja-os a cruzar o limiar e a contemplar com olhos fascinados e comovidos a meta última e definitiva, o sol sem ocaso que ilumina e torna belo o presente.



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