segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Uma guerra mundial (com muita calma)

Nesta semana, em Tbilisi, na Georgia, o Papa Francisco voltou a dizer que há uma guerra mundial para destruir a família: «Não é com as armas, mas com as ideias. É uma colonização ideológica». E apontou o dedo: «um dos grandes inimigos [da humanidade e da família] é a teoria do género».

A notícia não é nova, mas é grave. De repente, lembrei-me de outro contexto.

A poucos dias de a Prússia e a Áustria sucumbirem na Primeira Guerra Mundial, o comentarista Karl Kraus descrevia a gravidade do momento: «Em Berlim, a situação é séria mas não é desesperada; em Viena é desesperada mas não é séria». As duquesas e os duques de Viena continuavam a frequentar os salões, a população discutia ópera e culinária, os soldados morriam na frente de batalha e, em poucos dias, o império Austro-húngaro capitulava e desaparecia para sempre. A Áustria ria-se muito com os trocadilhos de Kraus, mas foi esta frase que alcançou maior ressonância mundial. Ainda hoje se repete. Por exemplo, no filme «Situation hopeless – but not serious», uma comédia hilariante situada na Segunda Guerra Mundial, com Alec Guinness no papel principal.

Parece que muitos cristãos ainda não repararam na luta mundial contra a família, situação que lembra uma máxima do velho comunista, Leon Trotsky, que se costuma citar com a palavra «dialéctica» substituída por «guerra»: «Você pode não estar interessado na guerra, mas a guerra está interessada em si».

Os avisos do Papa Francisco acerca da destruição da família não são novos.

O Papa João Paulo II perspectivava toda a história do mundo actual como um combate muito concreto contra a família. Convalescente pela segunda vez das balas de Ali Agca, explicava o porquê do ataque «precisamente porque ameaçam a família, porque a atacam. O Papa deve ser atacado, o Papa deve sofrer, para que todas as famílias e o mundo inteiro vejam que há um Evangelho, por assim dizer, superior: o Evangelho do sofrimento, com o qual é preciso construir o futuro, o terceiro milénio das famílias, de cada família e de todas as famílias» (29 de Maio de 1994).

João Paulo II repetiu com frequência o mesmo alerta de Francisco. Por exemplo, no livro «Memória e Identidade», queixa-se «das fortes pressões do Parlamento Europeu para que as uniões homossexuais sejam reconhecidas como uma alternativa de família, inclusivamente com o direito de adoptarem crianças. É lícito e até necessário perguntarmo-nos se isto não é fruto de uma ideologia do mal, talvez mais subtil e encoberta, que tenta servir-se dos direitos do homem contra o homem e contra a família».

Há semanas, Francisco tinha relatado aos jornalistas uma conversa recente com Bento XVI, em que os dois falavam do mundo: exactamente o mesmo diagnóstico. Não é, aliás, a opinião recente de nenhum deles. Descrevendo o panorama mundial à Cúria Romana, Bento XVI alongou-se na descrição desta guerra, que classificou como «atentado contra a humanidade»: «O homem nega a sua própria natureza. (...) A manipulação da natureza, que deploramos hoje a respeito do meio ambiente, converteu-se na opção de fundo do homem relativamente a si próprio». E mais adiante: «Na luta pela família está em jogo o próprio homem. E torna-se evidente que onde Deus é negado, também se dissolve a dignidade do homem. Quem defende Deus, defende o homem» (21 de Dezembro de 2012).

Francisco considera que esta guerra terrível, que ameaça o homem e a comunidade humana no seu mais íntimo, não vai ser ganha por heróis valentes, mas pelo Deus misericordioso. Não vai ser ganha conquistando terrenos, mas enchendo o mundo de felicidade. O adversário não é um inimigo, mas justamente o amigo que se pretende salvar.

Uma guerra estranha, mas bem concreta. Uma luta sem tréguas contra o próprio egoísmo. O heroísmo de dar a vida pelos outros. Nada de aconchego e descanso.

Os Evangelhos registam a posição de Cristo: «Quem não está comigo está contra Mim» (Mateus 12,30; Lucas 11,23), ou, como vem em S. Marcos, «quem não está contra nós, está connosco» (Marcos 9,40).

José Maria C.S.André in Correio dos Açores, 9-X-2016


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2 comentários:

Jorge disse...

Hoje, dia 10-10-2016, o Jornal de Notícias noticiava que para meados de Novembro já estará disponível a procriação medicamente assistida (PMA) alargada para todas as mulheres, ou seja, mulheres solteiras, viúvas ou lésbicas poderão recorrer gratuitamente (ou seja, através do dinheiro dos impostos pagos por todos os contribuintes) a um dador anónimo de esperma e engravidar.

A criança que nascer não terá pai reconhecido juridicamente, ou seja, será filho/a de pai incógnito, sem nome do pai na certidão de nascimento, sem figura paterna presente na sua vida, sem pensão de alimentos nem direito a herança, algo que é actualmente proibido pela Lei Portuguesa que impede a existência de pai e mãe incógnitos.

A Lei da PMA é contraditória à que já existe mas foi legislada por um Parlamento de esquerdume, que não representa a maioria da população portuguesa, e promulgada por um Presidente que se diz "católico" (só se for de brincadeira).

A Lei da PMA é contraditória à que já existe, por isso, é inconstitucional e se fosse levada ao Tribunal Constitucional chumbaria!

A Lei da PMA vai entrar em vigor perante o silêncio e indiferença de muitos.

E a Igreja Católica de Portugal fez o quê? Respondam, se faz favor.

Jorge disse...

A Lei da PMA alargada a todas as mulheres é uma lei perversa e destruidora da família (a unidade básica de toda e qualquer sociedade) uma vez que utiliza um tratamento médico para a infertilidade / um método subsidiário e transforma-o num método alternativo de procriação em que as mulheres não necessitam de um parceiro masculino para ter filhos, bastando-lhes um espermatozóide de um dador anónimo. E tudo isto em nome de uma suposta / alegada igualdade, que não existe na Natureza e que é impossível biologicamente.

Malditos esquerdistas, socialistas, comunistas e marxistas a tentarem igualar aquilo que nunca foi, não é nem será igual.