Uma superiora visitou-a no leito das dores:
- Que faz aqui, minha preguiçosa? disse sorrindo, amável.
- Minha Madre, eu estou no meu ofício.
- E que ofício é o seu, minha filha?
- O meu ofício é sofrer e estar doente.
Mandaram-lhe um crucifixo para a cabeceira da cama.
- Sou mais feliz, - disse Bernadette - com o meu Cristo no leito de dores do que uma rainha no seu trono.
Às crises de asma, dolorosas e terríveis, juntaram-se os vómitos de sangue, a opressão do peito e dores intoleráveis causadas por um abcesso que se formou no joelho direito. Mais um tumor e uma aquilose. Os sofrimentos eram horríveis, e a vítima tinha já a face cadavérica. Não dormia um só instante. Às vezes, a natureza deixava escapar um grito de dor, mas a Irmã Maria Bernarda (Bernadette) humilhava-se e sorria heroicamente, repetindo:
- Perdão, meu Jesus! Meu Deus, eu vos ofereço o meu sofrimento! Meu Deus, eu vos amo!
O capelão do mosteiro disse-lhe que pensasse no Céu e que iria contemplar a beleza da Imaculada.
- Oh, respondeu ela, como este pensamento me faz bem!
Às vezes, murmurava com uma nostalgia do Céu:
- Oh Céu! Dizem que muitas almas não foram directamente para o Céu, porque não o desejaram bastante aqui no mundo. Isto não acontece comigo! Ah! Vamos para o Céu, trabalhemos, soframos pelo Céu, o resto nada vale.
A moléstia agravava-se cada vez mais. Ela sempre resignada. Disse, então:
- Ó cruz, vós sois o altar no qual eu me quero sacrificar com Jesus agonizante. O coração de Jesus é o meu tesouro. No coração de Jesus viverei e morrerei em paz no meio dos sofrimentos.
Despojou-se de tudo que possuía, isto é, algumas imagens e santinhos. Só conservou um crucifixo.
- Só tenho necessidade dele. Só ele me basta.
Depois da festa de São José, disse:
- Eu pedi a São José uma só graça: a graça de uma boa morte.
No dia 28 de Março, a superiora perguntou-lhe se desejava receber a extrema-unção. Aceitou-a com alegria! Às duas horas da tarde, o capelão administrava-lhe o sacramento dos enfermos. Recebeu-o com edificante fervor em presença de uma boa parte da comunidade.
- Minhas irmãs, peço-vos perdão por todos os aborrecimentos e trabalhos que vos dei, das minhas infidelidades na vida religiosa e do mau exemplo que dei às minhas companheiras, sobretudo pelo meu orgulho.
O olhar de Bernadette, durante toda a doença, conservou-se belo, vivo, impressionante. Era aquele olhar da visão de Massabielle.
O demónio tentava-a, Nosso Senhor permitia, a fim de purificar ainda mais aquela almazinha privilegiada. Ela ficava num estado de agonia dolorosa e horrível, com a face em expressão de espanto, e repetia:
- Vai-te, Satanás! Vai-te, Satanás!
O capelão disse-lhe:
- Ofereça a Jesus o sacrifício da vida, minha filha.
- Que sacrifício, meu padre? Não é sacrifício deixar esta pobre terra, onde se encontra tanta dificuldade para servir a Deus!
Perguntaram-lhe:
- Sofre muito, minha irmã?
- Sim, mas tudo é bom para o Céu, respondeu com doce resignação.
- Eu vou pedir à boa Mãe do Céu que lhe dê alguma consolação, minha Irmã Maria Bernarda.
- Não, não, - repetiu ela, - não peça consolações. Peça a Nossa Senhora força e paciência para mim. Só isto...
Quarta-Feira Santa, o capelão foi chamado às pressas para a Irmã Maria Bernarda. Ela estava na poltrona, sentada, sem poder respirar, num martírio cruel. Confessou-se pela última vez.
- Minha filhinha - disse-lhe a Madre superiora - agora está na cruz, não é?
Bernadette abriu os braços em forma de cruz e murmurou:
- Meu Jesus! Meu Jesus! Oh! Como vos amo!
Para não perder o crucifixo, pediu que lho pregassem ao peito. Recitaram a oração dos agonizantes. Repetia todas as jaculatórias que lhe diziam ao ouvido.
Uma hora antes da morte, ficou tranquila, fitou um ponto do alto. Depois exclamou, feliz:
- Oh! Oh! Oh!
E alguns segundos depois:
-- Meu Deus, eu vos amo de todo o meu coração, de toda a minha alma, com todas as minhas forças.
Tomou o crucifixo, beijou-o, pediu perdão à comunidade e disse:
- Eu tenho sede!
Deram-lhe água. Apenas molhou os lábios.
Fez o sinal da cruz, aquele admirável sinal da cruz que só ela sabia fazer.
Murmurou alguns instantes depois:
- Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por mim, pobre pecadora... pobre pecadora...
E expirou suavemente.
Eram três horas e um quarto de tarde de Quinta-Feira Santa, 16 de Abril de 1879.
Mons. Ascânio Brandão in 'Santa Bernadete, a confidente de Lourdes', Ed. Vozes, 1956, 3ª. Edição
2 comentários:
OS santos fazem-nos sempre esperar o Céu e também temer o inferno, eu que nunca acreditara no diabo e no inferno... meu Deus se Francisco tinha de rezar muitos terços para ir para o Céu e se os santos tendo vidas quase tão irrepreensíveis sofrem tanto para ir para o Céu, que como conseguimos nós alcançar o Céu? Ah, ele não se alcança, basta apenas tomar um elevador pelas mão de Jesus, é a única esperança a Sua Misericórdia, quando ninguém mais poderia acreditar em nós, Ele está lá...
Não é uma inactividade, é uma incapacidade espiritual, nada sem Ele, tudo por Ele. Quantas inutilidades encobrem o Seu brilho que quer alcançar-nos… Que Ele nos dê força para sempre querer a Sua vontade para nós.
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