terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Não há nada melhor do que uma família que ri à volta da mesa

Assim como a vida pessoal e privada situa-se num plano inferior ao da participação no corpo de Cristo, a vida colectiva também se situa num plano inferior ao da vida pessoal e privada e não possui valor, a não ser pelo serviço que presta. A comunidade secular, uma vez que existe para o nosso bem natural e não sobrenatural, não tem finalidades maiores do que auxiliar e proteger a família, a amizade e a solidão. 

Estar feliz em casa, disse Johnson, é o objectivo de todo o esforço humano. Se considerarmos apenas os valores naturais, podemos dizer que nada há melhor debaixo do sol do que uma família que ri à volta da mesa, dois amigos que conversam bebendo café ou um homem só, lendo um livro que lhe interesse; e que toda a economia, a política, o direito, o exército e as instituições, salvo à medida que contribuem para prolongar e multiplicar tais cenas, são como um arado na areia ou uma sementeira no oceano, uma vaidade sem sentido e uma afronta para o espírito. 

As actividades colectivas são, evidentemente, necessárias; mas é aquele o seu objectivo. Aqueles que possuem essa felicidade particular talvez sejam obrigados a sacrificar grande parte dela, para que possa ser distribuída mais amplamente. É possível que todos tenham de comer menos para que ninguém morra de fome. Mas não confundamos males necessários com bem. É fácil cometer esse erro. 

Para ser transportada, a fruta deve ser enlatada, perdendo, por consequência, parte das suas propriedades. Mas há gente que acaba por preferir a fruta enlatada à fruta fresca. Uma sociedade doente precisa pensar muito em política, como um enfermo é obrigado a preocupar-se com a digestão; desprezar o assunto pode ser uma covardia fatal para ambos. Mas se ambos passarem a considerar que esses são o alimento natural da mente — se esquecerem que essas preocupações só se justificam porque lhes permitem pensar em outras coisas — então o tratamento a que se submetem por amor à saúde transforma-se em nova enfermidade mortal. 

Existe, com efeito, em todas as actividades humanas, uma tendência fatal de os meios usurparem os próprios fins que eles se destinam a servir. Assim o dinheiro acaba atrapalhando a troca de mercadorias, as regras de arte asfixiam os génios e os exames impedem os jovens de tornar-se doutos. Não se conclui, infelizmente, que os meios usurpadores sejam sempre dispensáveis. 

É provável que o colectivismo de nossa vida seja necessário e venha a aumentar; e creio que a única salvaguarda contra as suas propriedades mortais está na vida cristã; porque temos a promessa de que podemos lidar com serpentes e beber veneno, e resistir. É essa a verdade que está por trás da definição errónea de religião com que começamos. Errónea porque opõe a mera solidão ao colectivismo. 

O cristão é chamado não ao individualismo, mas à participação no corpo de Cristo. A distinção entre a colectividade secular e o corpo de Cristo é, portanto, o primeiro passo para compreender como o cristianismo, sem ser individualista, pode neutralizar o colectivismo.

C.S. Lewis in O Peso da Glória


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1 comentário:

Maria José Martins disse...

E como tudo se foi degradando, ao longo dos Séculos, mais propriamente, nas últimas décadas!
E há quem defenda, que nada disso é inocente, pois, os arquitetos do "tal plano diabólico" conhecem bem demais o SER HUMANO, ao ponto de USAR as suas emoções, a sua necessidade de bem estar, o seu comodismo natural, o seu GOSTO pelas "coisas boas da vida"-- que lhe proporcionam um certo prazer imediato-- para o seduzir, com todo o tipo de solicitações materiais-- a maior parte delas fúteis e exageradas-- enquanto eles, agindo "na sombra", minam, todos os VALORES TRADICIONAIS--Deus, Pátria e Família-- que, antes, SUSTENTAVAM E EQUILIBRAVAM a Sociedade de uma forma mais Justa e Fraterna.
Colocando-se no CENTRO DO MUNDO--humanismo--ao mesmo tempo que RENEGA Deus ou O RELEGA para segundo plano, o Homem acaba por se transformar, aos poucos, num ser egoísta e maquiavélico, onde o "seu Ego" deve estar, sempre, em primeiro lugar, mesmo que os irmãos sofram com isso, pois TODOS OS VERDADEIROS VALORES se foram invertendo!
E, segundo Jesus, "a dor não vem de Deus, embora Ele a permita...A morte e a dor entraram no mundo, precisamente, pela INVEJA do demónio, e Deus sofre com isso, porque todas as Suas Coisas são VIDA e SALVAÇÃO!"
"...E como todo o Homem é dotado de uma alma racional, torna-se uma capacidade que Deus enche de Si; e quanto mais AMA a DEUS e O SERVE, com todas as suas forças e possibilidades, mais PERFEITO se torna, e capaz de O ENTENDER e PENETRAR nas SUAS VERDADES, ao ponto de, também, ser capaz de AMAR, COMO ELE NOS AMA!--Jesus, em "O Evangelho, como me foi revelado", de Maria Valtorta.
Logo, é pena que o MUNDO desperdice TANTO BEM-- "e cave a sua própria sepultura"-- deixando-se ENGANAR, por COISAS mentirosas e passageiras, em detrimento dum Bem Estar Duradoiro e Feliz, porque só Deus "TEM PALVRAS DE VIDA ETERNA!"
E, mais, Jesus também nos diz: "Quando tiverdes como AMIGO o AMOR, então, compreendereis que todas as coisas sofridas ou vividas por AMOR, se tornam leves, mesmo quando se trata da tortura do MUNDO! Porque para aquele que SE REVESTE DE AMOR--e não de egoísmo--, todas as suas ações, sejam voluntárias ou impostas, ficam mais leves, porque Eu e Deus o AJUDAMOS!..."
"..O mundo NÃO SABE AMAR, mas AMAI-O vós, com um AMOR SOBRENATURAL, para ENSINÁ-LO a AMAR..."